Valdênia: “O controle social é responsabilidade de toda sociedade”
29/03/2019
São Paulo (SP) – “Com a efetiva participação da sociedade civil e do testemunho dos cristãos nas instâncias de controle social, vamos avançar com as Políticas Públicas e, consequentemente, com a dignidade humana”, assegura o texto-base da Campanha da Fraternidade deste ano, que tem como tema “Fraternidade e Políticas Públicas”.
Para falar da importância do controle social nos ciclos das Políticas Públicas, entrevistamos a advogada Valdênia Aparecida Paulino, que integra o Centro de Direitos Humanos de Sapopemba, em São Paulo.
Para ela, é necessário que a sociedade se aproprie das Políticas Públicas e este é o objetivo da CF. “A Campanha deste ano nos convoca a tomar assento e posição na participação da política, mas na política verdadeira, discutir como nossos irmãos e irmãs, inclusive nós, podemos ter uma vida mais digna”, assegura.
Confira a entrevista concedida a Frei Gustavo Medella:
Site Franciscanos – O que podemos entender por espaços de controle social?
Valdênia Paulino – Primeiro precisamos contextualizar. Estamos falando das Políticas Públicas a partir de uma campanha da Igreja Católica, que é um chamado a todos os cristãos. Isso nos coloca num compromisso religioso, sobretudo ético, para com os mais pobres. Essa é a chamada da CF. Por isso é que ela vem com o lema: “Serás libertado pelo direito e pela justiça”. O direito é uma combinação que uma sociedade faz e estabelece as regras de convivência.
Quando falamos de Políticas Públicas, desde 1988, com a Constituição Federal, após um longo período de ditadura militar no Brasil, foi construída a chamada Constituição cidadã. Ali é constante o direito à educação, saúde. Mas não está somente o direito, mas também como ele deve acontecer. Todas as pessoas precisam ter acesso às condições mínimas para ter uma vida justa. Quem vai aplicar esse direito na prática são os governantes. Como nós sabemos, muitas vezes, o poder tira a pessoa de um caminho bom. Ou muitas vezes, inclusive, pretendendo cuidar dos seus interesses, tentam alcançar o poder. Por isso, há o controle social. Diferente de regimes que não são democráticos, no controle social é avaliado o que se tem e como deve ser feito e de quem é a obrigação. O controle social é responsabilidade de toda sociedade.
Qual é orçamento para a saúde e educação? Estão aplicando corretamente este recurso? Ele chega onde deveria? Está sendo bem gasto ou seria melhor aplicá-lo em outro lugar? Além de controlar, também sou propositivo ao informar como esse dinheiro pode ser gasto. O controle social deve ser feito em conjunto com as casas Legislativas (municipal e estadual). Ou seja, como eu percebo que o governador está gastando o dinheiro? Esse é um controle obrigatório a ser feito pelos órgãos públicos. Mas a CF nos chama, sobretudo a sociedade civil, a nos envolvermos no controle, porque este é um ato cristão. Por isso, o texto-base da CF é feito no método ver, julgar e agir. É preciso conhecer, saber o que tem de Políticas Públicas, qual recurso para ela e, a partir daí, vou julgar, ou seja, quem tem que usar bem o recurso está fazendo isso? Esse é o julgar. Então, esta composição, de ver o que existe e como está sendo gasto, que é o julgar, é o que pode ser entendido como a composição do controle social.
Site Franciscanos – De que maneira a Igreja pode incentivar a participação dos fiéis nestes espaços?
Valdênia Paulino – O objetivo desta campanha é justamente estimular a participação das pessoas na elaboração e no controle das Políticas Públicas, fortalecer a cidadania e o bem comum, porque estes são sinais de fraternidade. Não só a Igreja Católica, mas esta Campanha se estende a todos que se sentirem o desejo de viver o Evangelho de Jesus, através do estímulo das pastorais sociais. Podemos pedir a Deus que nos conceda vida, mas se eu não estimular as pessoas a participarem da Pastoral da saúde, da criança, minhas orações serão em vão, porque a oração e a obra são conceitos evangélicos que precisam caminhar juntos.
A forma de participarmos é discutir na catequese, no crisma, no grupo de jovens, nas pastorais familiares, e estimular a participação nos Conselhos de saúde, habitação, Associação de amigos de bairro, porque são nestes espaços que vamos discutir qual é a situação dos nossos irmãos e irmãs que ainda não têm casa pra morar. E aqueles que morrem, por exemplo, de pneumonia? Não, ele morreu porque faltou acesso à saúde de qualidade, faltou um pronto-socorro bem equipado no local onde essa pessoa mora. Essa é a forma de estimular o nosso povo a participar destes espaços para discutir a Política Pública. É muito comum ouvirmos que isso não dá em nada. Essa é a fala de quem quer o povo longe daquilo que é sagrado para o ser humano, que é a vida política, que é diferente da vida política partidária. Há discussões sobre o bem comum dentro de casa, quando discutimos na família quanto temos de dinheiro e como vamos economizar para comprar uma casa. Como guardamos economia prevendo momentos difíceis, como organizar nossa economia para ajudar alguém que está precisando da nossa ajuda. Depois no bairro, na igreja, a Pastoral da Criança diz quantas creches temos e quantas crianças precisariam estar lá e não estão por falta de vagas. O que podemos fazer? Um abaixo-assinado, participar de reuniões, saber, por exemplo, quanto de recurso tem para isso, ver quem é o vereador ou vereadora que tem compromisso com o povo, convidá-lo para uma conversa, perguntar qual o orçamento da cidade disponível para as creches. Essa é uma forma de participar.
Nós, cristãos, temos o desejo de fazer isso. Porque esses são os ensinamentos de Jesus Cristo. Deus não mandou seu Filho Unigênito aqui na Terra de forma abstrata. Ele mandou sim, feito ser humano encarnado, para dizer que a vida é concreta. Quando Jesus diz “Deixai vir a mim as criancinhas”, é a criança mais pobre a que Ele se refere. Quando Paulo se converte, é pra dizer quais as políticas para esse homem que cometeu um erro e quer outro caminho. Nós temos muito que aprender com os franciscanos, com os trabalhos realizados junto ao povo de rua, por exemplo. A forma de participar é esta: ir ao encontro de quem mais precisa e descobrir como é que o Estado, que tem que cuidar dos direitos, entrega os recursos e acompanhar isso, discutir, dar nossas sugestões, escutar o outro, descobrir outras experiências que deram certo e propor onde vivemos. Essas são algumas pistas para participar deste processo. Não é possível nós, num país que ainda está entre as primeiras potências econômicas do mundo, viver numa desigualdade social e econômica e termos ainda uma população, só em São Paulo, de mais de 24 milhões de pessoas em situação de rua, termos uma população encarcerada de mais de 700 mil pessoas. Alguma coisa está errada na gestão das Políticas Públicas e a Campanha deste ano nos convoca a tomar assento e posição na participação da política, mas na política verdadeira, discutir como nossos irmãos e irmãs, inclusive nós, podemos ter uma vida mais digna.
CONFIRA TAMBÉM O ESPECIAL SOBRE A CAMPANHA DA FRATERNIDADE
Ouça a entrevista:
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Advogada, integra o Centro de Direitos Humanos de Sapopemba (SP)
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O exemplo concreto no Rio de Janeiro | Entrevistado: Adriano de Araújo
Sociólogo, coordenador do Fórum Grita Baixada.