D. Leonardo: Sejamos ativos na construção de Políticas Públicas!
11/02/2019
“O Tempo da Quaresma não é um tempo intimista, mas um tempo de transformação”, afirma o secretário-geral da CNBB, o franciscano Dom Leonardo Ulrich Steiner. Com a Campanha da Fraternidade (CF), a Igreja do Brasil propõe que a Quaresma não seja apenas um tempo de recolhimento, de orações intimistas e práticas penitenciais, mas um tempo de reflexão, a fim de despertar uma cultura de fraternidade e solidariedade. Mais do que olhar para a relação “eu e Deus”, a CF quer despertar os cristãos para a relação “eu e o outro”.
O tema escolhido para a CF deste ano é “Fraternidade e Políticas Públicas”. Para o bispo, a escolha do tema, feita há dois anos, foi providencial, pois acontece num momento histórico em que o país debate uma série de mudanças e reformas, como a reforma da Previdência e a reforma trabalhista, que fragilizam direitos, sobretudo dos mais pobres. O franciscano destaca que a democracia exige a participação de todos, através do exercício da cidadania e da busca do bem comum, com atenção especial aos mais necessitados. O ponto de partida é sempre o exemplo de Jesus Cristo, segundo o bispo.
Para abrir a Série Especial de Entrevistas sobre a Campanha da Fraternidade, apresentamos a entrevista concedida por Dom Leonardo Ulrich Steiner a Frei Gustavo Medella. A entrevista também está disponível em áudio:
Dom Leonardo nasceu 6 de novembro de 1950 em Forquilhinha (SC). Ingressou na Ordem dos Frades Menores no dia 20 de janeiro de 1972, admitido ao Noviciado desta Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil. Em 21 de janeiro de 1978 foi ordenado sacerdote pelas mãos do Arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns, seu primo. Em 2 de fevereiro de 2005 foi nomeado bispo da Prelazia de São Félix do Araguaia, no Mato Grosso, sendo ordenado em 16 de abril por Dom Paulo Evaristo Arns. Em 10 de maio de 2011 foi eleito Secretário-Geral da CNBB e, em 21 de setembro do mesmo ano, foi nomeado bispo auxiliar da Arquidiocese de Brasília.
Site Franciscanos – Qual a importância da Campanha da Fraternidade para a Igreja do Brasil?
Dom Leonardo – Depois do Concílio Vaticano II, surgiu a CF no Brasil. Ela nasceu a partir do exemplo da Conferência Episcopal da Alemanha, que, sempre na época da Quaresma e do Natal, faz a sua campanha e uma coleta. Em 1961, por iniciativa do Arcebispo de Natal, foi feita uma proposta semelhante aos fiéis da Arquidiocese. Não havia ainda a preocupação de se trabalhar um tema específico. Essa iniciativa tornou-se itinerante em muitas dioceses. Depois, em 1963, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) assumiu a proposta em âmbito nacional, inserindo um tema a ser refletido nas comunidades e famílias. Paralelamente também se faz a coleta, que nós chamamos Coleta da Solidariedade. A CF já tem a sua história no Brasil, mas creio que o ponto que deveríamos acentuar é o modo que o nosso episcopado encontrou para evangelizar. Ao propormos uma realidade a ser refletida, estamos evangelizando. A partir da ótica de Jesus, buscamos compreender uma realidade e buscar soluções para transformá-la. Como seguidores de Jesus, precisamos buscar formas de transformar a realidade.
Site Franciscanos – Qual foi a motivação para a escolha deste tema?
Dom Leonardo – O Conselho Episcopal de Pastoral (CONSEP) recebe sugestões de temas, que é escolhido dois anos antes da CF. Por ocasião da escolha do tema, recebemos mais de 80 sugestões. O que levou os bispos do CONSEP a escolherem esta realidade foi a necessidade de sermos uma presença de Igreja mais ativa nas questões sociais. Qual é a nossa presença ao discutirmos as questões da saúde, por exemplo? Ou quando queremos discutir educação, participação nos diversos conselhos, nos municípios, nas comunidades, onde os católicos e cristãos vivem? Olhando para esta realidade e a necessidade de uma participação maior dos cristãos e dos bispos, escolhemos as Políticas Públicas como o tema a ser refletido. Aconteceu num período histórico muito importante, até parece uma escolha profética, quando percebemos tantas mudanças e reformas no Brasil. Penso que a CF ajudará os nossos fiéis a perceberem a importância da participação de todos na discussão, elaboração e execução das Políticas Públicas.
Site Franciscanos – Qual a relação entre fé e política?
Dom Leonardo – Segundo os gregos, política é essencialmente o cuidado pela cidade. Continuamos nessa tradição ao perceber que política é o cuidado de um país, de um município. Não estamos falando de partidos políticos, mas da participação das pessoas na vida da comunidade. Essa participação é fundamental e necessária para que a comunidade seja sinal do Reino de Deus. É por isso que existe uma ligação entre a fé e a política. O discípulo-missionário de Jesus não desvincula sua fé das ações concretas onde vive. Quem vive a sua fé percebe que a realidade deve ser sempre transformada, para construir uma sociedade em que todas as pessoas tenham oportunidade de participação, dignidade, saúde, educação. Nesse sentido, política não está desvinculada da fé. Como lembrou o Papa Francisco, retomando um texto de São Paulo VI, a política é a ação mais nobre da caridade. A fé tem relação com a política e vice-versa. Nós, cristãos, participamos da vida da sociedade. Como diz a oração da CF, ajudamos a construir uma sociedade humana e solidária. A CF deste ano mostra justamente que existe uma relação muito íntima entre a fé e política. Quando fizemos a introdução do texto-base, recordamos que os exercícios quaresmais – jejum, oração e esmola – estão relacionados com a pessoa do outro, com a comunidade. O Tempo da Quaresma não é um tempo intimista, mas um tempo de transformação. A fé exige transformação na sociedade em que vivemos.
Site Franciscanos – Qual a importância da democracia e da participação ativa das pessoas neste processo de elaboração das Políticas Públicas?
Dom Leonardo – Recordo o objetivo geral da CF: “Estimular a participação em Políticas Públicas, à luz da Palavra de Deus e da Doutrina Social da Igreja, para fortalecer a cidadania e o bem comum, sinais de fraternidade”. Democracia é participação, não é ditadura. Democracia pede de todos nós uma participação, não apenas através do voto. O Congresso Nacional, o Executivo, Legislativo e Judiciário, o nosso voto, são sinais da democracia. Mas tudo isso só funciona se realmente houver a participação de todos os cidadãos, isto é, também pede de nós, cristãos, uma participação muito ativa, onde haja inclusive fiscalização do Executivo, Legislativo e Judiciário. Quando falamos de Políticas Públicas e democracia, estamos indicando a necessidade de participarmos da vida concreta da comunidade. Quais são as dificuldades maiores que encontramos? Como vamos superá-las? O que vamos propor? Como executar para superar aqueles problemas? Uma vez aprovado como lei, como acompanhar e fiscalizar? Democracia está relacionada com participação, tem a ver com a minha participação, com a participação dos cristãos na discussão, na proposição, elaboração, aprovação e fiscalização das Políticas Públicas. Mas isso tudo baseado naquilo que o texto-base vai chamar de direito e justiça, lembrando o texto de Isaías (1, 27), direito é a lei, a norma, mas a justiça é o que fundamenta o direito. A justiça é mais do que a norma, ela possibilita manter a lei e fazer que ela seja equânime e justa, a partir das relações que se estabelecem. Portanto, democracia está relacionada com a justiça.
Site Franciscanos – De que maneira Jesus Cristo é inspiração para sermos agentes do cuidado, da atenção e do amor ao próximo?
Dom Leonardo – Políticas Públicas têm a ver com o cuidado, atenção com o próximo. Jesus foi, por excelência, aquele que cuidou das pessoas, que as integrou. Quantas doenças – do corpo e da alma – Jesus curou? Ele cuidou, consolou a viúva, abriu os olhos, deu fala, limpou os leprosos. Mas Ele também alimentou, não deixou as pessoas passarem fome. Jesus é aquele que vai ao encontro, como Deus continuamente vem ao nosso encontro. Quando falamos de Políticas Públicas, como cristãos e católicos, não estamos partindo de qualquer lugar. Estamos partindo da pessoa de Jesus e do anúncio do Reino de Deus que Ele veio implantar com a sua vida, morte e ressurreição. Nosso ponto de partida, nosso fundamento na CF deste ano é justamente esse, Políticas Públicas para que haja mais fraternidade. Não somos seguidores de Jesus? Não somos os aprendizes, discípulos de Jesus? Vamos fazer como Jesus: cuidar das pessoas. Que ninguém passe fome, que ninguém precise morrer inutilmente, morrer porque está desassistido na questão da saúde. As Políticas Públicas são este nosso cuidado. É importante nos engajarmos nas Políticas Públicas, mas inspirados em Jesus que cuida, alimenta, cura. Assim nós, também, através das Políticas Públicas, ajudaremos tantas pessoas. Nós também curaremos, saberemos sair ao encontro das pessoas. Não fecharemos nossos olhos para as realidades. Jesus foi um homem de olhos muito abertos, ele viu o sofrimento da mãe viúva, da multidão faminta, viu e ouviu as pessoas gritando para serem atendidas. Que nós, como cristãos, também possamos fazer com que o Reino de Deus e a fraternidade sejam visibilizados através da nossa ação. Fé, política e especialmente a Campanha da Fraternidade estão relacionados com a pessoa de Jesus. É Ele quem revela a misericórdia do Pai. Diz o texto-base da CF, Políticas Públicas têm a ver com a misericórdia, porque é cuidado, consolo, sair ao encontro dos irmãos.
Site Franciscanos – De que maneira o cristão pode colocar a mão na massa, entrar em ação para dar sua resposta positiva a essa provocação da CF?
Dom Leonardo – Diria que primeiro é necessário sermos cristãos católicos que participam da vida social, que não se omitem. Participar significa fazer-se presente nos diversos conselhos da comunidade, ser ativo nas discussões quanto às Políticas Públicas. Queremos assumir a responsabilidade, queremos ser como Jesus. Mas também queremos, com a CF, despertar para a solidariedade. Sermos pessoas solidárias, nos educarmos e educar nossos filhos para a solidariedade. Solidariedade significa diálogo, partilha, cuidado, termos sempre diante dos nossos olhos a esperança, incluirmos todos, não deixarmos ninguém de lado. Sermos pessoas que buscam a cooperação de todas as pessoas e vão ao encontro delas. As Políticas Públicas têm a ver com a questão da honestidade, ética, superação da corrupção. Gostaria de lembrar o bem comum, que tem diversos elementos que podemos apontar, por exemplo, a cidadania. É importante não deixarmos de exercer nossa cidadania. Quanto ao bem comum, cuidarmos do que é comum, seja na nossa comunidade eclesial, seja na comunidade onde vivemos, na nossa família. É bom recordar o Dia Mundial do Pobre, instituído pelo Papa Francisco. Ele está relacionado com as Políticas Públicas, o cuidado para com os irmãos e irmãs mais necessitados. Também os povos indígenas, quilombolas, povos originários. Quantas pessoas passam necessidade? Hoje, no Brasil, temos novamente pessoas passando fome e um elevado número de pobres. As Políticas Públicas pedem de nós um cuidado especial para com os pobres. Nós temos, no Domingo de Ramos, a Coleta da Solidariedade. Essa coleta é um gesto da nossa conversão, significa nossa participação na transformação da sociedade. O Fundo Nacional de Solidariedade da CNBB recebe 40% deste dinheiro da coleta. As pessoas, os grupos, podem acessar esse Fundo Nacional da Solidariedade através de projetos que ajudem na transformação social. Os outros 60% ficam nas dioceses, para poder ajudar, acompanhar os irmãos localmente. Um gesto muito concreto das Políticas Públicas é a coleta, mas especialmente a Coleta da Solidariedade. Quando contribuímos, mostramos que estamos dispostos a seguir Jesus, a seguir o caminho da Cruz e a nos deixarmos tomar pela beleza da transformação, da ressurreição de Jesus. Que Deus nos dê essa graça e que sejamos todos cristãos católicos, pessoas de boa vontade, ativos na construção de Políticas Públicas, mas também fiscais das Políticas Públicas. No Tempo da Quaresma, não nos esqueçamos de aprofundar nossa vida de oração. Só assim compreenderemos a importância das Políticas Públicas para a construção de uma verdadeira fraternidade.
Confira todas as entrevistas:
Tema e Lema da CF | Entrevistado: Dom Leonardo Ulrich Steiner
Bispo Auxiliar de Brasília e secretário-geral da CNBB.
Conceito de Políticas Públicas | Entrevistado: Robert Soares do Nascimento
Agente de Pastoral, compõe o Núcleo em Educação e Direitos Humanos da UNISAL (Centro Universitário Salesiano de São Paulo) e participa do Grupo de Trabalho de Justiça Restaurativa da Comarca de Americana (SP).
Política como exercício do bem comum | Entrevistado: Felix Fernando Siriani
Formado em Gestão de Políticas Públicas, especialista em Pedagogia Social, Pastoral Escolar e mestrando em Mudança Social e Políticas Públicas.
Doutrina Social da Igreja | Entrevistado: Prof. Dr. Fernando Altemeyer Junior
Chefe do Departamento de Ciência da Religião da PUC-SP.
As ações e ensinamentos de Jesus como inspiração para políticas em favor da cidadania |Entrevistado: Francisco Orofino
Leigo, professor de Teologia Bíblica em Nova Iguaçu (RJ) e assessor do CEBI (Centro de Estudos Bíblicos) e do ISER Assessoria (Instituto de Estudos da Religião).
Os franciscanos e o engajamento político | Entrevistado: Frei Vitorio Mazzuco
Mestre em espiritualidade e coordenador da Pastoral Universitária da USF.
A importância dos Movimentos Sociais na busca do bem comum | Entrevistado: Dom Guilherme Werlang
Bispo da Diocese de Lages (SC) e presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Ação Social Transformadora da CNBB.
Políticas Públicas na área da saúde | Entrevistado: Fernando Pigatto
Presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e Representante da Confederação Nacional das Associações de Moradores (CONAM).
Políticas Públicas na segurança | Entrevistado: Ricardo Bedendo
Jornalista e Mestre em Ciências Sociais, integra o núcleo de Estudos de Violência e Direitos Humanos da Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
Políticas Públicas e Assistência Social | Entrevistada: Rosangela Pezoti
Doutora em Serviço Social, responsável pelas áreas técnica e de articulação política do Sefras – Serviço Franciscano de Solidariedade.
Políticas Públicas em favor dos negros | Entrevistado: Frei David Raimundo Santos
Presidente da Educafro (Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes).
Importância da participação nos espaços de controle social | Entrevistada: Valdênia Paulino
Advogada, integra o Centro de Direitos Humanos de Sapopemba (SP)
Políticas Públicas em favor dos índios e dos povos originários | Entrevistado: Egon Heck
Assessor do secretariado do Conselho Indigenista Missionário – Cimi.
Políticas Públicas e Juventude | Entrevistada: Anna Luiza Salles Souto
Coordenadora da área de Democracia e Participação do Instituto Pólis.
Políticas Públicas e na área da educação | Entrevistado: Professor Dilnei Lorenzi
Pró-Reitor de Ensino, Pesquisa e Extensão da Universidade São Francisco (USF).
Saúde e o bem comum | Entrevistado: Pe. Christian de Paul de Barchifontaine
Assessor Internacional dos Camilianos na Área da Saúde, Relações Públicas das Organizações Camilianas.
O exemplo concreto no Rio de Janeiro | Entrevistado: Adriano de Araújo
Sociólogo, coordenador do Fórum Grita Baixada.