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CF: Olhar a assistência social como um direito, não um favor

22/03/2019

Entrevistas

São Paulo (SP) – Na décima entrevista da Série Especial da Campanha da Fraternidade, falamos com Rosangela Pezoti, diretora técnica do Serviço Franciscano de Solidariedade (Sefras). Doutora em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC), ela afirma que o grande desafio é mudar a visão de que as políticas sociais são um favor prestado pelo Estado, mas um direito garantido a todas as pessoas que necessitam. “A relação que deve ser construída na assistência social é uma relação de cidadania. Este reconhecimento é fundamental para que construamos uma cultura de direito dentro da assistência social”, assegura a especialista.

Acompanhe a entrevista concedida a Frei Gustavo Medella:

Site Franciscanos – Qual a diferença entre a assistência social, o assistencialismo e a assistente social?

Rosangela Pezoti – É importante distinguirmos estes conceitos. O assistente social é o profissional que se forma em assistência social e atua, não só em Políticas Públicas, mas em várias áreas da sociedade: empresas, organizações sociais, numa gama de atividades. Ele é o profissional que também atua na assistência social. Muitas vezes escutamos que a política de assistência social é assistencialista. O assistencialismo é uma prática olhada, muitas vezes, de forma pejorativa. O assistencialismo são ações desenvolvidas para o socorro imediato de alguma necessidade. Por exemplo, quando temos uma enchente, um incêndio. São feitas várias ações pontuais para sanar um problema imediato, ou seja, ações assistencialistas. Muitas vezes estas ações não têm continuidade, pois o objetivo maior é sanar o problema naquele momento. A assistência social como uma Política Pública foi constituída a partir da Constituição de 1988, quando o Brasil criou a chamada seguridade social. Até então, no Brasil, a assistência social não era concebida como direito. A seguridade social é um conjunto de políticas para garantir uma vida digna às pessoas. Na Constituição, o Brasil elegeu três grandes políticas de seguridade social: saúde, previdência social e assistência social. Por isso, a assistência social é um direito previsto em lei e concretizado através de políticas específicas.

Site Franciscanos – E quem tem direito à assistência social?

Rosangela Pezoti – Na legislação, a assistência não é colocada como uma política universal, destinada para todos, mas há um recorte dizendo que ela é uma política para quem dela necessitar, ou seja, para as pessoas que estão em situação que nós chamamos de vulnerabilidade social, que é entendida sob dois aspectos. O primeiro é a vulnerabilidade material, quando as pessoas têm carência material e não conseguem manter a sua vida, seu direito à alimentação, moradia, vestimenta, não conseguem manter as condições materiais dignas de sobrevivência. Por outro lado, a assistência também olha a vulnerabilidade do ponto de vista das relações. As pessoas que têm vínculos familiares rompidos, violados, e as que têm vínculos sociais rompidos, estão fora do seu lugar de origem, estão em situação de vulnerabilidade. Um exemplo que para nós é muito visível são as pessoas idosas com todas as condições materiais para viver, mas às vezes elas não têm vínculo familiar ou comunitário e vivem numa situação de isolamento. A assistência atua, então, para que a pessoa retome a sua relação com a família, com a comunidade, grupos de amigos, para que não precise ser institucionalizada no futuro. Para nós, a vulnerabilidade social é maior que a material, é também percebida no conjunto de relações que a pessoa constrói. Quem tem direito à assistência são pessoas que estão nessa situação de vulnerabilidade, por algum motivo, tiveram seus direitos violados. Há um conjunto de atendimentos da assistência social para pessoas que sofrem violências, de todos os tipos, desde física, psicológica, preconceitos, xenofobia.

Site Franciscanos – Por que a questão das Políticas Públicas é importante quando falamos de assistência social?

Rosangela Pezoti – A assistência social é uma política muito jovem no Brasil, pois foi uma das últimas Políticas Públicas pensadas e concretizadas. Hoje, é necessário o reconhecimento de que a assistência social é um direito e que há necessidade de Políticas Públicas para concretização desse direito. Por isso, a importância da Campanha da Fraternidade. Historicamente, em todo o mundo, a assistência às pessoas mais pobres não foi concebida e concretizada enquanto uma atribuição do Estado. No Brasil, principalmente, o cuidado das pessoas mais pobres sempre esteve delegado e sob responsabilidade das Igrejas. A Igreja Católica, por exemplo, assumiu este papel logo após o descobrimento do Brasil. Não temos uma cultura de considerar a assistência como um direito. Ela é entendida por muitos gestores e pela população como uma ajuda do governo, mas não é isso. Pensar na assistência social enquanto um direito, uma Política Pública, é muito importante para desconstruirmos esta visão. Vê-la como ajuda é impregná-la de favorecimento, de relações que se constroem no campo pessoal. A Política Pública de assistência é um direito de todos. É preciso cobrar do Estado que ele efetive estas Políticas Públicas para desconstruir esta ideia de que recebemos ajuda do Estado. A relação que deve ser construída na assistência social é uma relação de cidadania. A pessoa tem o direito de requerer esta política. Este reconhecimento é fundamental para que construamos uma cultura de direito dentro da assistência social.

Site Franciscanos – Quais desafios a assistência social tem enfrentado na atual conjuntura no Brasil?

Rosangela Pezoti – O primeiro desafio é a questão do financiamento da Assistência social. Estamos, hoje, num contexto de crise, com altas taxas de desemprego. Neste cenário, a arrecadação dos impostos, que é a base de sustentação das Políticas Públicas, sofre uma queda orçamentária e, consequentemente, cortes. A assistência é uma das políticas que mais sofrem com os cortes orçamentários. Hoje, por exemplo, o grande desafio é o empobrecimento muito grande da população. Vemos notícias de que o Brasil entra novamente no cenário da fome e basta olhar as nossas cidades para ver a quantidade de pessoas em situação de rua, desempregadas, desalentadas. No contexto em que estamos, quando as pessoas mais necessitam da assistência social, ela é a que mais sofre cortes. Não há uma reflexão de que, nos momentos de maior crise e empobrecimento, deveríamos ter um investimento maior na assistência social. Com estes cortes, temos dois grandes problemas: primeiro uma insuficiência de possibilidades de atendimento, forçando a criação de critérios de seleção para as vagas. Nos serviços, por exemplo, procura-se atender os mais pobres entre os pobres, impossibilitando o atendimento de todos. Do outro lado, o corte orçamentário provoca o que chamamos de empobrecimento do atendimento, precarizando o atendimento das pessoas. Além da diminuição de vagas, o serviço passa pela perda de qualidade. Outro problema, que é muito característico deste tempo em que vivemos, é que os espaços coletivos de discussão e reivindicação das Políticas Públicas, especialmente da assistência, vão se esvaziando. Ou seja, os Conselhos de Direitos, Fóruns, Coletivos, que são espaços primordiais, acabam sendo esvaziados. Esse é um grande desafio. Como reativar, neste momento, o desejo das pessoas de participação, discussão, de colocar-se nestes espaços e levar sua reivindicação.

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Ouça a entrevista:


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