Santa Clara de Assis
A vida de Santa Clara
- Infância e Juventude
- O Primeiro Amor
- A Decisão e a Fuga
- A Consagração
- O Primeiro Lar: São Damião
- As Primeiras Discípulas
- Os Milagres do Pão e do Azeite
- Padroeira da Televisão
- Ardente Amor ao Crucificado
- A Visita e o Trânsito do Pai Francisco
- Como o Sumo Pontífice Visitou Clara
- O Trânsito Final
- Exéquias e Canonização
Infância e Juventude
Século XII, Assis, na Itália. Nasce Clara Favorone, filha de Hortolona e Favarone, uma família considerada nobre na sociedade local. Acredita-se que a data mais precisa de seu nascimento é 1194 (embora há historiadores que apontem o ano de 1193), em plena Idade Média, marcada pelo desmoronamento do sistema feudal e o crescimento do comércio.
Como filha primogênita, natural que sua mãe Hortolona temesse pela gravidez e, principalmente, pelo parto. Extremamente religiosa, ela sempre pedia um bom parto em suas orações, quando, um dia, ouviu uma voz que lhe dizia: “Não temas, mulher, porque terás um parto normal e a luz daquela que vai nascer resplandecerá com mais claridade que um dia de sol”. Por esse motivo, no Batismo, deu o nome de Clara.
A menina Clara cresceu num ambiente de nobreza e fartura, pois segundo o biógrafo Tomás de Celano, o pai era militar e a família, dos dois lados, de cavaleiros. Seu pai, Favarone, filho de Ofredúcio e neto de Bernardino, morava com os irmãos em uma bela e grandiosa casa, que a família possuía junto à Catedral de Assis havia mais de cinqüenta anos, embora eles também eram proprietários rurais, com castelos nas redondezas. Mas Clara também teve o suporte da fé. Sua mãe não se descuidou de educá-la para ações mais nobres ainda, principalmente fazendo piedade e caridade com o mais necessitados.
É Celano quem fala: “Estendia a mão com prazer para os pobres e, da abundância de sua casa, supria a indigência de muitos”. Nesse período da Idade Média, o dinheiro foi se tornando um novo rei. Os pobres e os doentes, aqueles que não podiam subir na escala social, eram marginalizados.
Celano lembra bem que, mesmo vivendo em um ambiente de riqueza e ostentação, Clara compreendia que as aparências e os adornos mundanos podiam ser enganosos. “Foi compreendendo que as coisas da terra, por mais belas que fossem, não podiam prender seu coração”.
É bom lembrar que a cultura cavalheiresca foi a primeira da Idade Média a ser elaborada por leigos e não por clérigos e tinha uma proposta de como deviam ser educadas as mulheres para serem agradáveis, discretas, piedosas, vindo a ser gentis esposas e mães de família. Tinham, enfim, que cuidar da boa fama e, as nobres, tinham uma vida bastante reclusa, enquanto as outras participavam dos negócios dos maridos, da luta diária para manter a família e para construir a civilização da cidade.
Já no final deste capítulo, uma pergunta se faz pertinente: onde estará Francisco nesta época? Ele e Clara são contemporâneos e vão se encontrar no próximo capítulo deste livro: O primeiro amor de Clara
O Primeiro Amor
A menina Clara, mesmo vivendo em um ambiente de riqueza e ostentação, aos poucos foi cultivando a vida piedosa e simples, uma característica que mais tarde ficaria evidente como mulher consagrada a Deus.
Quando estava próxima de completar 18 anos, os pais já começaram a pensar no seu casamento. Clara não concordava com a idéia de se casar tão jovem e estava sempre adiando a decisão. Na realidade, ela começava a se interessar pelo projeto de vida de um jovem de Assis: Francisco. Tomás de Celano explica assim: “Quando ouviu falar do então famoso Francisco que, como homem novo, renovava com novas virtudes o caminho da perfeição, tão apagado no mundo, quis logo vê-lo e ouvi-lo, movida pelo Pai dos espíritos, de quem, embora de modo diferente, tinham recebido os primeiros impulsos”.
Clara sempre esteve bem informada sobre os passos de Francisco em Assis, isso porque Frei Rufino e Frei Silvestre eram seus parentes. Não poucas vezes ela escutou as pregações de Francisco, que costumava falar na Igreja de São Rufino ou na Catedral de São Jorge.
A pregação de Francisco impressionava porque era diferente dos “sermões”. Em suas palavras e em seu modo de ser havia alguma coisa nova. Era certamente a força do Evangelho que transparecia. Francisco se apresentava vestido com muita simplicidade, sem aparato nem ostentação. Suas palavras são inflamadas de amor a Deus. Clara fica sabendo que a vida dos irmãos é extremamente pobre.
Segundo Celano, Francisco a visitou, e ela o fez mais vezes ainda, moderando a freqüência dos encontros para evitar que aquela busca divina fosse notada pelas pessoas e mal interpretada por boatos.
“A moça saía de casa levando uma só companheira e freqüentava os encontros secretos com o homem de Deus. Suas palavras pareciam flamejantes e considerava suas ações sobre-humanas”. A companheira de Clara nos encontros com Francisco foi Bona de Guelfúcio, testemunha em seu Processo e irmã de Pacífica de Guelfúcio, uma das primeiras religiosas de São Damião. Já com 18 anos, Clara tinha consciência de que não seria compreendida por seus pais quando desse passo decisivo. Havia confiado a Francisco como desejava realizar sua vocação e ele a guiaria para cumprir os desígnios de Deus. “Então se submeteu toda ao conselho de Francisco, tomando-o como condutor de seu caminho, depois de Deus. Por isso, sua alma ficou pendente de suas santas exortações, e a acolhia num coração caloroso tudo que ele lhe ensinava sobre o bom Jesus.
Já tinha dificuldade para suportar a elegância dos enfeites mundanos, e desprezava como lixo tudo que aplaudem lá fora, para poder ganhar a Cristo”, completa o seu biógrafo.
A Decisão e a Fuga
Exultante de alegria, Clara fixou seus olhos nos olhos de Francisco e, sem hesitar, disse: “É minha firme intenção viver só para Cristo, pobre como Ele. Por isso, decidi fugir de casa, para não retornar jamais!” Francisco olhou-a ternamente e disse-lhe com simplicidade: “Irmã, se assim te inspira o Senhor, no momento em que fugires, eu estarei a te esperar com meus irmãos em Santa Maria dos Anjos!” Depois, antes de se despedirem, ambos combinaram a data: a noite de Domingo de Ramos para segunda-feira santa. No dia 18 de março de 1212, Clara levantou-se bem cedo, vestiu o mais belo vestido e, com algumas amigas, dirigiu-se à catedral para a cerimônia religiosa. A liturgia do Domingo de Ramos era muito longa: dDevia-se proceder à bênção e distribuição dos ramos; seguia a procissão, a celebração da missa com as leituras, as orações e a “Paixão”.
Clara estava sentada e acompanhava em silêncio. Pensava na fuga daquela noite, que a levaria para longe de casa, para não mais retornar. Quando o Bispo Guido começou a distribuição das palmas, ela não se moveu; permaneceu sentada, com a cabeça inclinada. O Bispo notou a sua ausência; olhou-a e, como que inspirado, levantou-se, desceu os degraus da cátedra e, acompanhado dos clérigos, encaminhou-se para ela; entregou-lhe a palma e a abençoou.
Clara beijou o anel do Bispo, tomou a palma e, comovida, estreitou-a ao seio. Depois inclinou ainda a cabeça e recitou uma oração. Agora, não lhe restava senão andar…
A fuga na noite
Quando a noite já estava avançada, colocou um manto negro sobre o vestido de festa, cobriu a cabeça com um véu e, na ponta dos pés, dirigiu-se para a “porta dos mortos”. Queria sair escondida e, saindo por aquela porta, estava certa de que não encontraria ninguém. Com suas mãos delicadas, removeu a lenha e os utensílios que estavam colocados contra a saída, fez força sobre os ferrolhos e sobre as trancas e, pouco depois, se encontrou na estrada.
A espreita, numa esquina, uma amiga muito querida a esperava: Pacífica de Guelfuccio. Com passo ligeiro, juntas, encaminharam-se para Santa Maria dos Anjos.
Narram os “Fioretti” que aquela noite era mais “clara” do que de costume, e que as estrelas olhavam do alto para proteger o seu caminho. Aguardando-as no limite do bosque, estavam dois frades com archotes acesos.
Com eles, embrenharam-se entre as folhagens, em direção a uma luz que brilhava pouco além: era a Porciúncula.
A Consagração
Em pouco tempo, Clara chegou à Porciúncula. Francisco a acolheu e lhe deu as boas-vindas. Comovida, ela entrou na igreja, ajoelhou-se diante do altar e, por alguns instantes, deteve-se em oração. Depois, levantou-se com decisão; tirou o calçado, despiu-se do vestido de brocado e o trocou por uma túnica grosseira, retirou seu rico cinto e o substituiu por uma corda áspera.
Em seguida, ajoelhou-se ainda; soltou de uma vez os cabelos que deslizaram sobre os ombros; depois, permaneceu com a cabeça inclinada, à espera do último sacrifício.
Francisco recolheu com delicadeza a loura cabeleira e, bem devagarzinho, a cortou. A cerimônia estava acabada.
A reação dos parentes
Como era de se prever, a reação dos parentes de Clara não se fez esperar. Pela manhã, apenas descobriram sua fuga, puseram-se em pé de guerra e rapidamente chegaram ao mosteiro de São Paulo para reconduzi-la à casa. Ameaçaram arrombar a porta. Querem Clara, viva ou morta. Com o aparato exterior e as ameaças, esperam assustá-la, mas iludem-se! Clara é irremovível. Visto que era vã toda a ameaça, recorrem às boas maneiras, às lisonjas e às promessas; fazem apelo aos sentimentos, à dor da mãe, das irmãs, de toda a família, mas Clara é inflexível; sabe que está mais em segurança entre aquelas paredes do que se estivesse num castelo.
Agarra-se ao altar – Quando se dá conta de que estão a ponto de perder o controle e recorrer à violência, Clara, com um gesto, fez desmoronar todas as ilusões deles: foge para a igreja e corre para junto ao altar; com uma das mãos segura a toalha e com a outra retira o véu da cabeça, fazendo-a aparecer sem os cabelos que haviam sido cortados.
Demonstrava, assim, ser agora consagrada a Deus e que ninguém podia tocá-la. Diante de tanta firmeza, aos familiares outra coisa não restou senão abandonarem a igreja e o mosteiro e partirem confusos.
Transferida para o mosteiro de Santo Ângelo – Em São Paulo, Clara pôde permanecer só poucos dias. Foram talvez as próprias monjas a solicitar o afastamento dela depois da confusão provocada por sua presença.
Francisco interessou-se pela transferência dela. Mais uma vez, dirigiu-se aos Padres Beneditinos e obteve a transferência de Clara para o mosteiro de Santo Ângelo de Panzo.
Finalmente um pouco de paz! – Na quietude e no silencio do mosteiro de Santo Ângelo, Clara pôde revigorar o seu ideal de vida.
Apegava-se cuidadosamente às prescrições da Regra de São Bento, que possui como fundamento: “Ora et Labora”! Com isso, Clara não pretendia, certamente, abraçar a Regra de São Be nto. Não teria tido sentido sua fuga para a Porciúncula, durante a noite, seu total abandono a Deus para além de qualquer estrutura, a exemplo de Francisco.
No mosteiro de Santo Ângelo, Clara viveu por algumas semanas. Foram para ela dias de serenidade e de alegria indescritíveis.
A alegria de Clara estava toda no sentir-se amada e protegida pelo Senhor, como mesmo amor com que uma mãe protege sua filhinha.
A fuga de casa lhe havia fechado o mundo às costas para abrir-lhe um umbral do mistério de Deus. Sua vida, agora, havia se transformado em um arco-íris de oração e contemplação: em um agradecimento alegre e infantil.
Fugira de casa em uma noite de primavera, para abraçar o ideal de total pobreza, e encontrara a verdadeira liberdade, a perfeita alegria. Havia atingido o seu sonho.
Encontra-se com sua irmã Inês
Clara sentia a necessidade de externar sua ardente experiência mística. Quase todos os dias, sua irmã Inês ia visitá-la: era uma jovem belíssima, de somente quinze anos, de grande sensibilidade para com o sobrenatural. Depois da fuga de Clara, os familiares haviam depositado nela sua esperança.
“Cara Inês — confiava-lhe a irmã — lembra-te: é preferível viver um só dia na casa do Senhor, que mil dias fora dela. A juventude é vento que passa. A beleza se desvanece como a fumaça. A vida termina e aqui não fica nada.
“Oh! minha irmã, se tu pudesses provar a doçura do amor do Senhor! E um amor sempre jovem, que ninguém nos pode arrebatar!”.
O Primeiro Lar: São Damião
Clara e Inês, que se julgavam portadoras de nova Ordem, não podiam certamente permanecer em Santo Angelo de Panzo.
Francisco obteve para elas o pequeno convento anexo a São Damião, juntamente com a igrejinha na qual haviam ido rezar tantas vezes.
São Damião se tomará, assim, cenáculo de mulheres apaixonadas pelo Senhor, uma semente destinada a germinar uma fileira de almas belas, sequazes intransigentes dos ensinamentos do Poverello.
Afinal, Francisco o havia predito, como conta Clara, em seu testamento.”Tendo subido no muro da dita igreja, assim gritava então, com voz elevada e em língua francesa: ‘Venham e ajudem-me nesta obra do mosteiro de São Damião, porque, dentro em breve, virão habitá-lo mulheres e, por sua fama e pela santidade de sua vida, dar-se-á glória ao Pai nosso celeste, em toda a sua Santa Igreja”.
Clara e Inês não ficaram por muito tempo sozinhas, porque muitas jovens de Assis foram atraídas por seu exemplo.
Destas primeiras companheiras, ficam-nos, além do nome, também documentação que testemunha a santidade de sua vida e sua fidelidade, sem compromisso algum, em seguir o exemplo de Clara.
Pouco depois da entrada em São Damião, pediu para unir-se às irmãs Offreducci uma amiga de infância de Clara, Pacífica; e de Perúgia, chegou Benvenuta, conhecida nos anos da fuga de Assis, juntamente com toda a sua família . Depois, juntou-se Balvina de Martino; no ano seguinte, Filipa, filha de Leonardo de Gisleno.
Todas prometeram obediência a São Francisco, que não deixará de seguir a pequena comunidade, com extrema diligencia e com o amor que merecia a mais bela flor do jardim espiritual.
Para as irmãs, que começaram a ser chamadas “Damianitas”, depois de terem provado sua coragem, a própria Clara prescreveu, com evangélica simplicidade, uma regra a ser observada. Em 1215, ela havia impetrado à Sé Apostólica a aprovação do Privilégio da Pobreza, documento singular, único, com o qual a Santa queria, aprovada pelo Papa, a escolha, para ela e suas sequazes, de não aceitar nenhuma posse.
E, na Regra Selada, aprovada pela forma de vida da nova comunidade, está escrito: “O bem aventurado pai, considerando que não temíamos nenhuma pobreza, fadiga, tribulação, humilhação e nenhum desprezo do mundo, que, antes, os tínhamos em conta de grande delícia, movido de paterno afeto, escreveu para nós a forma de vida deste modo:
‘Como, por divina inspiração, vos fizestes filhas e servas do altíssimo Sumo Rei, o Pai celeste, e desposastes o Espírito Santo, escolhendo viver segundo a perfeição do Santo Evangelho, quero e prometo, de minha parte e por meus frades, ter sempre de vós e deles atento cuidado e especial solicitude’. O que ele, com toda a fidelidade, cumpriu enquanto viveu e quis que fosse sempre cumprido pelos frades”.
Depois de três anos de vida monástica, Francisco julgou oportuno dar à comunidade de São Damião um esboço de organização: pensou em nomear uma abadessa. Esta não podia ser senão Clara, a primogênita da Ordem.
Mas Clara refutou: “Não, não eu, Francisco! Fugi de todas as honras e da vaidade do mundo, não posso me colocar no comando das minhas irmãs. Quero só servir e obedecer!”
“Bem!” – disse-lhe Francisco em resposta – “se tu queres obedecer, então eu te peço que o faças por obediência!”.
Desejosa da palavra de Deus
Clara, apenas eleita abadessa, sentia necessidade de uma ajuda segura: temia, sobretudo, não ir pelo caminho da perfeita pobreza. Por isso, teria desejado encontrar-se mais vezes com Francisco
Mas o “Poverello” estava muitas vezes longe de Assis e evitava dirigir-se freqüentemente a São Damião para não suscitar “admiração e suspeita” entre as pessoas.
Havia recomendado aos seus frades para não terem muita “familiaridade” com as monjas e não entrarem nos seus mosteiros. E nisto, ele queria ser o exemplo. Em São Damião, Clara se encontrou, finalmente, à vontade.
Transpondo aquelas paredes em ruínas, compreendeu ter chegado para onde Deus, havia tanto tempo, a conduzia.
Isso lhe diziam a nudez das paredes, a desolação dos locais, os muros sem reboco, as rústicas tábuas nem mesmo esquadradas do assim chamado “pequeno coro”, a escada íngreme e desconexa que levava ao dormitório, um grande quarto nu e frio.
Sem dúvida, era o convento mais pobre jamais visto: a verdadeira cidadela da Santa Pobreza
As Primeiras Discípulas
Francisco havia predito a Clara que outras senhoras a haveriam de seguir e abraçariam o seu ideal de vida. Depois de Inês, a primeira a acorrer a São Damião foi Pacífica de Guelfuceio, aquela que a ajudou na fuga noturna.
Depois, veio Benvinda de Perusa, sua caríssima amiga. Em seguida, ajuntaram-se Balvina de Offreduccio, Cecília de Gualtiero, Angelúcia de Angeleio, Filipa de Ghislerio, Francisca de messer Capitâneo, Amata de Martino e tantas outras. Beatriz, irmã menor de Clara, e a mamãe Hortolana completaram o grupo.
Nasceu, assim, em São Damião, a segunda Ordem franciscana, o ramo feminino, ao qual Francisco gostava de chamar o das “Senhoras Pobres”.
Um oásis de paz
Em pouco tempo, a comunidade de São Damião tornou-se um autêntico oásis de paz, onde tudo era calor e intimidade.
A própria desolação do local, das paredes, dos utensílios, transmitiam serenidade e alegria.
Lamento nenhum se levantava de São Damião: a pobreza da casa, incômodos, os leitos, o frio, a fome, não atormentavam. As Irmãs, quanto mais pobres, mais se sentiam contentes.
Para Clara, cada recanto do convento era um recanto do paraíso, cheio de calor e de intimidade: um perene convite à festa, à alegria.
As mais pobres do mundo
Nada era de sua propriedade, mas tudo era aceito como empréstimo; julgavam-se “peregrinas e forasteiras neste mundo”. Andavam de pés descalços em todas as estações, com vestimentas grosseiras e uma corda à cintura, a cabeça raspada e coberta com um pano branco e preto.
Seu alimento era “moderado e austero”; haviam-se proposto “jejuar durante todo o ano”.Por leito, tinha uma esteira estendida sobre o pavimento nu e, por travesseiro, um pedaço de madeira. O dormitório era um grande quarto frio e miserável, onde os pobres catres eram alinhados junto à parede.
Os Milagres do Pão e do Azeite
Com a pobreza de espírito, que é a verdadeira humildade, harmonizava a pobreza de todas as coisas.
Clara de Assis recebia muito alegremente as esmolas em fragmentos e os pedacinhos de pão levados pelos esmoleres. Parecia ficar triste ao ver pães inteiros e pulava de alegria diante dos restos.
Dentro deste espírito, Tomás de Celano narra os seus primeiros milagres. A multiplicação do pão Havia no mosteiro um só pão e já apertavam a fome e a hora de comer. A santa chamou a dispenseira e mandou cortar o pão, enviando uma parte para os frades e deixando a outra em casa para as Irmãs. Dessa metade mandou tirar cinquenta fatias, de acordo com o número das senhoras, para servi-las na mesa da pobreza.
A devota filha respondeu que iam ser necessários os antigos milagres de Cristo para que tão pouco pão desse cinquenta fatias, mas a mãe a contestou dizendo: “Filha, faça com confiança o que falei”. Apressou-se a filha a cumprir o mandato da mãe, que foi dirigir a seu Cristo piedosos suspiros em favor das filhas. O pedaço pequeno cresceu por graça de Deus nas mãos de quem o cortava e cada uma da comunidade pôde receber uma bela porção.
O azeite dado por Deus Certo dia, acabou tão completamente o azeite das servas de Cristo, que não havia nem para o tempero das doentes. Dona Clara pegou uma vasilha e, mestra da humildade, lavou-a com as próprias mãos. Colocou-a lá fora, vazia, para que o irmão esmoler a recolhesse, e chamou o frade para ir conseguir o azeite.
O devoto irmão quis socorrer depressa tanta indigência e correu a buscar a vasilha.
Mas essas coisas não dependem de querer e correr, e sim da piedade de Deus. De fato, só por Deus, a vasilha ficou cheia de óleo, pois a oração de Santa Clara foi à frente da ajuda do frade, para alívio das pobres filhas. O frade, crendo que o haviam chamado à-toa, comentou num murmúrio: “Essas mulheres me chamaram por brincadeira, pois, olhe, a vasilha está cheia!”
Padroeira da Televisão
O que transformava o Mosteiro de São Damião num lugar privilegiado de oração era, em particular, a celebração da Liturgia das Horas, oração oficial da Igreja, à qual Clara e toda a comunidade consagravam maior parte do dia e da noite.
Numa noite de Natal, Clara encontrava-se acamada, doente, e não pôde ir à capela rezar as Matinas. Ficou sozinha em São Damião e começou a meditar sobre o pequenino Jesus e, sofrendo muito por não assistir seus louvores, suspirou: “Senhor Deus, deixaram-me aqui sozinha para Vós”. Segundo Celano, nas Fontes Históricas, eis que de repente começou a ressoar em seus ouvidos o maravilhoso concerto que se desenrolava na Igreja de São Francisco. Escutava o júbilo dos irmãos salmodiando, ouvia a harmonia dos cantores, percebia até o som dos instrumentos.
O lugar não era tão próximo que pudesse chegar a isso humanamente: ou a solenidade tinha sido amplificada até ela pelo poder divino, ou seu ouvido tinha sido reforçado de modo sobre-humano. Mas o que superou todo esse prodígio foi que mereceu ver o próprio presépio do Senhor. Quando as filhas vieram, de manhã, disse a bem-aventurada Clara: “Bendito seja o Senhor Jesus Cristo, que não me deixou quando vocês me abandonaram. Escutei, por graça de Cristo, toda a solenidade celebrada esta noite na Igreja de São Francisco”.
Devido a esse fato, o Papa Pio XII declarou Santa Clara padroeira da Televisão por decreto de 14 de fevereiro de 1958
Ardente Amor ao Crucificado
Confiando na presença do Senhor e no sacrário e no ostensório, Clara conseguiu expulsar os sarracenos de seu convento. Normal que uma filha de São Francisco tivesse especial carinho para com a Eucaristia.
Segundo Tomás de Celano, em a Legenda de Santa Clara, Clara “ensinava as noviças a chorar o crucificado dando junto o exemplo do que dizia. Muitas vezes, ao exortá-las a isso em particular, vinham-lhe as lágrimas antes de acabarem as palavras”.
Muitas horas, ela passava diante do Santíssimo. Eram confidências feitas ao esposo tão próximo sob as aparências do pão imaculado. Francisco insistia sempre que houvesse muito cuidado para com as coisas do altar. Queria que tudo fosse impecável quando destinava a tocar o corpo e o sangue do Senhor Jesus.
Celano conta melhor: “Quão grande foi o devoto amor de Clara pelo Sacramento do Altar demonstram-nos os fatos. Durante a grave doença que a prendeu à cama, fazia-se erguer e sustentar colocando apoios. Assim, sentada, fiava panos finíssimos, com os quais fez mais de cinqüenta jogos de corporais que, colocados dentro de bolsas de seda ou de púrpura, destinava a diversas igrejas do vale e das montanhas de Assis”.
As contemplativas, como é o caso das Irmãs de Santa Clara, têm como centro de sua vida religiosa a Capela do Santíssimo.
A Visita e o Trânsito do Pai Francisco
Depois de receber as chagas de Nosso Senhor, Francisco precisava partilhar o fato com uma pessoa: Clara. Então, determinou que o levassem até São Damião. Fora lá que o Crucificado lhe tinha falado pela primeira vez. Lá estavam as irmãs pobres de Clara. Sabia Francisco que se tratava de um viveiro de almas escolhidas e abençoadas por Deus. Para abriga-lo foi construída uma cabana perto do conventinho. Ali, Francisco haveria de se proteger do sol porque seus olhos não suportavam mais a claridade forte. Contam as lendas que os morcegos não abandonavam sua cabana.
Clara se dispôs a preparar ataduras, fios, emplastros, feitos com ervas medicinais, chinelos de tecido para os pés chagados do Pai. Podemos bem imaginar a alegria e a tristeza vividas pelas irmãs. Não cessavam de rezar pelo Pai tão doente e tão repleto de graças do amor do Senhor. Foi nesse quadro de exultação e dor que Francisco teria composto o Cântico das Criaturas.
Todo abrasado de fervor o cantor das criaturas, já quase cego, vivendo mais no céu do que na terra, perto de suas irmãs estimadas, apresentou a Deus um dos mais belos louvores que já subiram da terra até o céu.
No final de setembro de 1226, o Santo manifestou o desejo de terminar seus dias na Porciúncula. Lá tudo havia começado e lá a Irmã Morte o visitou. A Páscoa de Francisco se deu a 3 de outubro de 1226.
As clarissas de São Damião tiveram a alegria de receber o corpo de Francisco por alguns instantes. Antes de entrar na cidade, o cortejo tomou um atalho que conduzia até São Damião. Entre sentimentos de alegria e de tristeza, as irmãs beijavam suas mãos abençoadas e enfeitadas com as chagas do Senhor.
Com a morte e o sepultamento de Francisco, encerrava-se a convivência de Clara com o exemplo vivo do Evangelho.
Como o Sumo Pontífice Visitou Clara
Segundo Tomás de Celano, Clara estava muito doente depois de quarenta anos vivendo em extrema pobreza. “O vigor de corpo, castigado nos primeiros anos pela austeridade da penitência, foi vencido no final por dura enfermidade, para enriquecê-la, doente, com o mérito das obras. A virtude aperfeiçoa-se na enfermidade”, diz o biógrafo.
Quando a enfermidade começa a se agravar, Clara recebe a visita do Cardeal de Óstia, padroeiro e protetor da família franciscana. Tratava-se do Cardeal Reinaldo de Segni, que mais tarde seria o Papa Alexandre IV. Foi ele que obteve do Papa a confirmação do Privilégio da Pobreza.
Sabendo do estado de Clara, o Papa Inocêncio IV,que residira com a Cúria em Perúsia no período de 1251 a 1253, foi logo visitar a serva de Cristo com os cardeais, como conta a Legenda: “Entrou no mosteiro, foi ao leito, chegou a mão à boca da doente para que a beijasse. Ela a tomou agradecida e pediu com maior reverência para beijar o pé do Apostólico. Depois pediu com rosto angelical ao Sumo Pontífice a remissão de todos os pecados. Ele exclamou: “Oxalá precisasse eu de tão pouco perdão!”
A irmã Inês veio de Monticelli, onde era abadessa, para visitar a Irmã Clara. Ao ver o estado dela, chorou muito. E foi consolada pela irmã: “Irmã caríssima, apraz a Deus que eu me vá; tu, porém, deixa de lado o pranto, porque chegarás junto do Senhor logo depois de mim, e Ele te concederá um grande consolo antes que eu me aparte de ti”. Na realidade, Inês morreu logo depois.
O Trânsito Final
Tomás de Celano relata que no final pareceu debater-se em agonia durante muitos dias, nos quais foi crescendo a fé das pessoas e a devoção do povo. Também foi honrada diariamente como verdadeira santa por visitas freqüentes de cardeais e prelados. O admirável é que, não podendo tomar alimento algum durante dezessete dias, revigorava-se o Senhor com tanta fortaleza, que ela confortava no serviço de Cristo todos que a visitavam.
No leito de Clara, a presença dos frades: Frei Junípero, Frei Ângelo e Frei Leão.
O biógrafo diz que, no momento da partida, Clara conversava com sua alma nestes termos: “Vai segura, porque tens um bom companheiro de viagem. Vai, porque aquele que te criou, também te santificou e cuidando de ti, como uma mãe cuida de seu filho, te amou com terno amor. Senhor, sede bendito porque me criaste”.
A agonia durou uma noite inteira. Na manhã de 11 de agosto de 1253, Clara entrava na glória e ia encontrar-se com o Amado Esposo de sua alma. Nas portas do paraíso seria recebida pelo Pai Francisco.
Exéquias e Canonização
Segundo a Legenda de Santa Clara, logo após a sua morte, as pessoas “afluíram em tamanha multidão que a cidade parecia deserta”. Até o podestá, ou prefeito, apresentou-se imediatamente “com um cortejo de cavaleiros e uma tropa de homens armados”. E, no dia seguinte, moveu-se a corte pontifícia inteira. Foi, então, que o papa e os cardeais, “achando que não era seguro nem digno que tão precioso corpo ficasse longe dos cidadãos, levaram-no honrosamente para São Jorge, com hinos de louvor, ao som das trombetas e com solene júbilo” (LSC 37).
Logo depois, a igreja de São Jorge foi reformada e ampliada, transformando-se na Basílica de Santa Clara, que ainda estava em obras quando, no dia 3 de outubro de 1260, seu corpo foi solenemente transladado. Lá ficou até 1850. O sarcófago foi descoberto no dia 30 de agosto desse ano, e aberto no dia 23 de setembro.
A partir daí, cavou-se uma cripta no solo da basílica e se cuidou de apresentar o corpo da Santa, revestido de hábito e deitado sobre um colchão, dentro de um precioso relicário, para que os peregrinos pudessem venerá-la. Tudo isso ficou pronto no dia 30 de outubro de 1872.
Clara foi canonizada no ano de 1255, pelo Papa Alexandre IV, já que o Papa Inocêncio IV morreu em dezembro de 1254. O anúncio solene foi feito na antiga cidade de Anagni, conquistada pelos romanos no século IV aC. Não se sabe exatamente a data, mas há uma corrente que coloca como marco o dia 15 de agosto, festa da Assunção.
Antes de partir, Clara deixou a sua bênção:
Eu vos abençôo, ainda viva, e
e abençoar-vos-ei depois da morte;
quanto posso vos bendigo,
E mais do que posso vos abençôo com todas
As bênçãos com as quais o Pai das misericórdias
Abençoa e abençoará os seus filhos
Do céu e da terra.