Notícias - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

O exemplo concreto do Fórum Grita Baixada nas Políticas Públicas

15/04/2019

Entrevistas

São Paulo (SP) Estamos encerrando a Série Especial sobre a Campanha da Fraternidade. Em 17 entrevistas, abordamos diversos aspectos das Políticas Públicas e suas áreas de atuação: saúde, educação, segurança, assistência social, povos indígenas.

Para encerrar a Série, trazemos o exemplo concreto vindo da Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro. “O Fórum Grita Baixada é o nome dado a um coletivo de entidades de direitos humanos e sociais das Dioceses de Nova Iguaçu e Duque de Caxias, Igrejas Evangélicas, Organizações Não Governamentais (ONGs) e pessoais individuais, cujos objetivos em comum são a discussão, a formação, o incentivo à organização, a articulação e a mobilização, assim como a busca de soluções conjuntas da sociedade civil para problemáticas sociais e relativas aos direitos humanos nos municípios da Baixada Fluminense”. (Relatório “Um Brasil dentro do Brasil pede socorro”).

O Fórum é um grande exemplo de como a sociedade pode se mobilizar para ajudar na formulação de Políticas Públicas mais eficazes, de acordo com a realidade de cada região. Nesta última entrevista da Série, conversamos com Adriano de Araújo, coordenador executivo do Fórum Grita Baixada.

Acompanhe a entrevista concedida a Frei Gustavo Medella:

Site Franciscanos – Quando e em que contexto nasceu o Fórum Grita Baixada?

Adriano de Araújo – O Fórum Grita Baixada nasceu como um espaço de discussão, formação, incentivo à organização e mobilização popular em busca de soluções conjuntas da sociedade civil sobre os problemas sociais e de direitos humanos na Baixada Fluminense. O Fórum Grita Baixada foi criado a partir da preocupação com o aumento dos índices de violência na região, sobretudo nos últimos anos. Em 2012, a falta de resposta por parte das autoridades motivou a solicitação de uma reunião com o governo do Estado do Rio. Na época, o secretário de Segurança Pública era o Mariano Beltame. Ele participou da reunião e fez um pronunciamento dizendo que nunca tinha ouvido a Baixada Fluminense gritar tão alto, demandando Políticas Públicas no campo da segurança. Justamente a partir desta fala, surgiu a ideia de, junto com outras organizações da sociedade civil da Baixada, aglutinar estas organizações em torno de um fórum dedicado à Segurança Pública dando o nome de Grita Baixada, no desejo de gritar em alto e bom tom que a Baixada Fluminense existe e não pode ser invisibilizada. Infelizmente, um número muito grande de assassinatos e de mortes acontece na Baixada, superando inclusive os índices da cidade do Rio de Janeiro, mas a Baixada simplesmente não é objeto de preocupação de Políticas Públicas por parte dos governos.

Site Franciscanos – Desde a criação, quais foram as principais conquistas do Fórum?

Adriano de Araújo – Quando consideramos o campo da segurança pública, é sempre difícil falar em grandes conquistas, afinal os indicadores de violência no Brasil e, em particular no Rio de Janeiro, aumentam bastante. O índice de assassinatos, homicídios, mortes, provocadas por agentes públicos, aumentou – inclusive agora, no período da intervenção federal. Considerando este aspecto, sempre ficamos muito cautelosos ao falar em conquistas nessa área. Mesmo assim, temos motivos significativos para comemorar e fortalecer a nossa luta. Em 2015, lançamos um relatório chamado “Um Brasil dentro do Brasil pede socorro“, onde denunciamos a situação de violência na Baixada. Ele causou uma grande repercussão. Fizemos o lançamento na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, chamando a atenção de diversas autoridades para a situação da Baixada Fluminense. Mediante este relatório, o Fórum Grita Baixada percorreu diversas Universidades e Centros de Pesquisa para apresentar estes dados e cobrar o Poder Público. Também participamos de várias Audiências Públicas – estaduais, municipais e federais. Estivemos na Câmara dos Deputados, em Brasília, no final do ano passado, falando da situação da violência local. Tudo isso tem feito com que a Baixada Fluminense tenha mais atenção. Há um ano, lançamos um documentário chamado “Nossos mortos têm voz”, produzido pela Quiprocó Filmes e apoiado por diversas organizações. Neste filme, contamos a história real de mães e familiares de vítimas da violência do Estado, que têm como um dos pontos principais a chacina que aconteceu no dia 31 de março de 2015, na Baixada Fluminense, quando 29 pessoas foram assassinadas. Este filme está sendo exibido e debatido em escolas públicas do município de Queimados, na Baixada, em diversas igrejas – católicas e evangélicas – em rodas de conversa, grupos de jovens e cursos pré-vestibular comunitários. O filme, que tem as mães como protagonistas, serve de forma muito significativa como denúncia ao genocídio da juventude pobre e negra da Baixada e, ao mesmo tempo, serve como uma ferramenta de cobrança de Políticas Públicas no campo da segurança, com o olhar específico para a Baixada Fluminense.

Site Franciscanos – Para você, qual a relação entre fé e cidadania?

Adriano de Araújo – O Fórum Grita Baixada tem a característica de dialogar com todas as religiões, e também com as pessoas sem religião. Temos trabalhado nesta perspectiva suprapartidária e plurirreligiosa. Pessoalmente, como cristão, acredito que a fé alimenta minha perspectiva de cidadania. Minha fé num Deus vivo, que se fez Homem, é a base de sustento da minha militância e do exercício da cidadania. A crença, na perspectiva da fraternidade, de que somos todos irmãos criados por um Deus, ilumina a minha visão de cidadania, de humanidade, de que um outro mundo, de fato, é possível. Um mundo com justiça, solidariedade, humanidade, não uma busca egoística, para interesses pessoais, interesses que acabam se sobrepondo, muitas vezes, aos interesses da maioria. Contudo, essa pergunta precisa ser compreendida e contextualizada. Vimos nas últimas eleições uma pluralidade de perspectivas que embaralham as noções de fé, religião e posicionamento político. Há uma confusão muito grande. Temos observado católicos praticantes, que professam sua fé em Deus, em Jesus crucificado, mas não veem problemas em apoiar discursos violentos, de segregação dos mais pobres ou de pessoas historicamente postas à margem da sociedade. Outro aspecto que eu acho importante considerar é que a palavra cidadania. Embora seja muito utilizada, em determinados locais há pessoas que não conhecem o significado real da palavra. Temos nas favelas e periferias da Baixada Fluminense pessoas para as quais a palavra cidadania é apenas uma junção de letras, totalmente desprovida de sentido. Temos uma presença muito grande de violência policial, agentes do Estado, que executam outros jovens e outras pessoas, escolas que ficam sem funcionar em função dessa violência, crianças que passam a noite e madrugada ao som de tiros, profissionais de educação que sequer conseguem trabalhar em condições dignas. Ou seja, são territórios em que a palavra cidadania não faz sentido, porque eles não conhecem de fato o que é se sentir cidadão. Não sabem o que é integrar uma cidade onde a cidadania seja algo real, não somente exercer o voto a cada quatro anos. Acredito que é o nosso desafio, para que possamos viver a cidadania, mas uma fé que exija de nós uma postura cidadã, uma postura de participação nas Políticas Públicas, um senso crítico. E não simplesmente fingir que estes problemas não existem e não se interessar pela resolução dos mesmos. Para mim, a relação entre fé e cidadania é uma relação fundamental, que alimenta meu modo de ver a vida e também o trabalho desenvolvido no Fórum Grita Baixada, apesar desta pluralidade religiosa que temos lá.

Confira o trailer do documentário “Nossos mortos têm voz”:

ESPECIAL SOBRE A CAMPANHA DA FRATERNIDADE


Ouça a entrevista:


Confira todas as entrevistas:

Tema e Lema da CF | Entrevistado:     Dom Leonardo Ulrich Steiner

Bispo Auxiliar de Brasília e secretário-geral da CNBB.

Conceito de Políticas Públicas | Entrevistado: Robert Soares do Nascimento

Agente de Pastoral, compõe o Núcleo em Educação e Direitos Humanos da UNISAL (Centro Universitário Salesiano de São Paulo) e participa do Grupo de Trabalho de Justiça Restaurativa da Comarca de Americana (SP).

Política como exercício do bem comum | Entrevistado: Felix Fernando Siriani

Formado em Gestão de Políticas Públicas, especialista em Pedagogia Social, Pastoral Escolar e mestrando em Mudança Social e Políticas Públicas.

Doutrina Social da Igreja | Entrevistado: Prof. Dr. Fernando Altemeyer Junior

Chefe do Departamento de Ciência da Religião da PUC-SP.

As ações e ensinamentos de Jesus como inspiração para políticas em favor da cidadania |Entrevistado: Francisco Orofino

Leigo, professor de Teologia Bíblica em Nova Iguaçu (RJ) e assessor do CEBI (Centro de Estudos Bíblicos) e do ISER Assessoria (Instituto de Estudos da Religião).

Os franciscanos e o engajamento político | Entrevistado: Frei Vitorio Mazzuco

Mestre em espiritualidade e coordenador da Pastoral Universitária da USF.

A importância dos Movimentos Sociais na busca do bem comum | Entrevistado: Dom Guilherme Werlang

Bispo da Diocese de Lages (SC) e presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Ação Social Transformadora da CNBB.

Políticas Públicas na área da saúde | Entrevistado: Fernando Pigatto

Presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e Representante da Confederação Nacional das Associações de Moradores (CONAM).

Políticas Públicas na segurança | Entrevistado: Ricardo Bedendo

Jornalista e Mestre em Ciências Sociais, integra o núcleo de Estudos de Violência e Direitos Humanos da Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).

Políticas Públicas e Assistência Social | Entrevistada: Rosangela Pezoti

Doutora em Serviço Social, responsável pelas áreas técnica e de articulação política do Sefras – Serviço Franciscano de Solidariedade.

Políticas Públicas em favor dos negros | Entrevistado: Frei David Raimundo Santos

Presidente da Educafro (Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes).

Importância da participação nos espaços de controle social | Entrevistada: Valdênia Paulino

Advogada, integra o Centro de Direitos Humanos de Sapopemba (SP)

Políticas Públicas em favor dos índios e dos povos originários | Entrevistado: Egon Heck

Assessor do secretariado do Conselho Indigenista Missionário – Cimi.

Políticas Públicas e Juventude | Entrevistada: Anna Luiza Salles Souto

Coordenadora da área de Democracia e Participação do Instituto Pólis.

Políticas Públicas e na área da educação | Entrevistado: Professor Dilnei Lorenzi

Pró-Reitor de Ensino, Pesquisa e Extensão da Universidade São Francisco (USF).

Saúde e o bem comum | Entrevistado: Pe. Christian de Paul de Barchifontaine

Assessor Internacional dos Camilianos na Área da Saúde, Relações Públicas das Organizações Camilianas.

O exemplo concreto no Rio de Janeiro | Entrevistado: Adriano de Araújo

Sociólogo, coordenador do Fórum Grita Baixada.