Notícias - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Heck: “Os povos indígenas têm uma longa luta pela frente”

02/04/2019

Entrevistas

Residente no Mato Grosso do Sul, o gaúcho Egon Heck tem uma trajetória que quase 50 anos militando em prol da causa indígena. Para ele, que é assessor do secretariado do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), os povos originários vivem um período de grande desafio, com retrocessos em importantes conquistas.  “Nunca aconteceu de um presidente, antes mesmo de tomar posse, dirigir-se de maneira explícita contra os direitos dos povos indígenas, fazendo prevalecer desta forma os interesses dos setores anti-indígenas no governo e na sociedade”, explica, manifestando preocupação com o futuro destes povos.

Acompanhe a entrevista concedida a Frei Gustavo Medella, que é parte da Série Especial sobre a Campanha da Fraternidade, que tem como tema “Fraternidade e Políticas Públicas”.

Site Franciscanos – Qual a importância das Políticas Públicas para a garantia dos direitos dos povos indígenas?

Egon Heck – As Políticas Públicas deveriam ser processos de garantia dos direitos dos povos originários do nosso país, mas infelizmente o que vemos é a histórica omissão do Estado brasileiro com relação à proteção dos direitos dos povos originários, da vida, dos territórios, dos recursos naturais. Tudo isso deveria ser objeto de uma política coerente para com estes primeiros habitantes do nosso país.

Site Franciscanos – Quais as principais dificuldades enfrentadas pelos povos originários atualmente no Brasil?

Egon Heck – Infelizmente são muitos problemas que estes povos enfrentam hoje em dia. Lamentavelmente, estamos num momento da história em que, de uma forma meio cíclica, parece que os interesses anti-indígenas passam de novo a prevalecer contra o direito destes povos. Uma das questões fundamentais que foi e continua sendo objeto principal da solidariedade, do apoio e da presença do CIMI junto aos indígenas é a questão dos seus territórios. Apesar de, em alguns momentos, ter-se avançado minimamente na demarcação dos territórios, principalmente na Amazônia, vemos hoje o anúncio de retrocesso. Nunca aconteceu de um presidente, antes mesmo de tomar posse, dirigir-se de maneira explícita contra os direitos dos povos indígenas, fazendo prevalecer desta forma os interesses dos setores anti-indígenas no governo e na sociedade. Nas últimas décadas, os povos indígenas têm protagonizado lutas importantes para a conquista dos seus direitos. Uma das questões mais importantes foi a conquista do capítulo sete da Constituição, nos artigos 231 e 232, onde o Estado brasileiro reconhece aos povos indígenas os direitos a seus territórios. Um dos principais motivos da luta dos povos indígenas é exatamente a garantia destes territórios originários. Isso, infelizmente, está em retrocesso novamente. Nos três poderes há ações em curso, que claramente têm como objeto a negação dos direitos constitucionais das terras dos povos indígenas. É importante frisar que é uma obrigação do Estado brasileiro demarcar as terras e protegê-las. Isso era para ter sido feito até cinco anos depois da Constituição de 1988. Ou seja, em 1993 era para todas as terras indígenas estarem demarcadas. Já passamos mais de 30 anos da nova Constituição e, infelizmente, temos talvez um terço das terras indígenas ainda para serem demarcadas. Isso significa dizer que os povos indígenas têm uma longa luta pela frente. Para não verem seus direitos sendo cerceados, os indígenas estão quase que diariamente em alguma mobilização regional ou nacional, pedindo atenção da sociedade nacional e internacional, para que possam viver com dignidade e poderem, depois de 519 anos, viver em paz em seus territórios.

Site Franciscanos – De que maneira o CIMI trabalha na luta pelo direito dos indígenas?

Egon Heck – Nós, enquanto CIMI, temos quase 50 anos de presença solidária junto aos povos indígenas, na certeza de que seus direitos, de uma forma ou de outra, serão conquistados e eles poderão fazer parte de nossa sociedade nacional com os seus projetos de bem viver. O que temos feito de maneira mais sistemática é apoiar os povos indígenas e originários, e também dos povos que vivem no campo, principalmente os quilombolas e ribeirinhos e tantos outros extrativistas que vivem no nosso país e que lutam pelos seus direitos. Este apoio é feito através do nosso espaço, que é o Centro de Formação Vicente Cañas, ou através do acompanhamento das assessorias jurídica, de comunicação, teológica, para que estes povos possam efetivamente não só ser uma referência para o futuro, mas participarem da construção desse país que todos nós sonhamos e que, em alguns momentos, quando se esperava um verdadeiro avanço na perspectiva dos direitos consolidados, vemos estes direitos novamente sendo ameaçados. Enquanto CIMI, propomo-nos a estar ao lado deles, seja nos momentos de informação, seja nos momentos de formação e também nos momentos de denúncia das violências, dos sofrimentos, pedindo sempre que aqueles que são solidários com a luta destes povos, também estejam ao lado deles se manifestando, denunciando, apoiando, porque só desta forma é que se poderá avançar na perspectiva da garantia destes direitos.

Site Franciscanos – Qual deve ser o papel do cristão católico diante da questão indígena no Brasil?

Egon Heck – A função de todo cristão, de todo católico, é lutar e garantir a vida com dignidade para todos, com justiça e paz. Porém, como vemos, as Políticas Públicas estão em processo de retrocesso, fato que coloca em risco uma política de saúde indígena, que tinha um sub-sistema próprio para atender a estes povos em suas especificidades, em sua cultura, sua maneira de ver a vida, e agora coloca em risco a saúde de muitos povos. O mesmo acontece com a Política de educação indígena, diferenciada conforme a cultura de cada povo. Infelizmente, vemos recentemente o Ministério da Educação em franco retrocesso com relação a conquistas históricas que haviam sido conseguidas pelos povos indígenas em inúmeros encontros e conferências nacionais, em debates regionais. Da mesma forma, a Política de Segurança. A Fundação Nacional do Índio, que deveria ser um órgão fundamental para desempenhar esta função de garantia dos direitos destes povos, não só foi totalmente esvaziado de suas possibilidades de atuação, como foi levado ao Ministério da Agricultura, onde estão os grandes adversários e negadores dos direitos dos povos indígenas. Dessa forma, vemos que como cristãos, como católicos, resta-nos a nossa solidariedade, partilha, resistência destes povos e, principalmente, a construção de uma sociedade que reconhece a sua pluralidade e que quer conviver e respeitar as diferentes culturas. São 305 povos, portanto, 305 culturas diferentes que estão em nosso país. Devemos nos orgulhar dessa diversidade e apoiar as Políticas Públicas e as políticas dos povos, ajudá-los para que possam dar um passo adiante na conquista dos seus direitos e possam contar com todos os cristãos e católicos que tenham um coração aberto para o outro, um coração aberto para as culturas, à diversidade religiosa, cultural, social, econômica. Com certeza, hoje, os povos indígenas têm na Igreja Católica, em sua ação organizada, seja pelo CIMI, seja pelas dioceses e prelazias, seu maior aliado nos tempos atuais. Isso, sem dúvida, foi conquistado a partir de uma ação coerente, lúcida, corajosa, que fez com que vários dos nossos companheiros de trabalho no CIMI, por exemplo, tenham seu sangue derramado por esta causa. Cabe a todos nós também sermos solidários com os missionários que estão na área, com os membros do CIMI, presentes em todo território nacional, em apoio aos povos indígenas, porque eles assim esperam. Esperam nossa presença solidária, querem nosso compromisso com a causa indígena, querem nosso compromisso com a paz e o bem viver destes povos.

ESPECIAL SOBRE A CAMPANHA DA FRATERNIDADE


Ouça a entrevista:


Confira todas as entrevistas:

Tema e Lema da CF | Entrevistado:     Dom Leonardo Ulrich Steiner

Bispo Auxiliar de Brasília e secretário-geral da CNBB.

Conceito de Políticas Públicas | Entrevistado: Robert Soares do Nascimento

Agente de Pastoral, compõe o Núcleo em Educação e Direitos Humanos da UNISAL (Centro Universitário Salesiano de São Paulo) e participa do Grupo de Trabalho de Justiça Restaurativa da Comarca de Americana (SP).

Política como exercício do bem comum | Entrevistado: Felix Fernando Siriani

Formado em Gestão de Políticas Públicas, especialista em Pedagogia Social, Pastoral Escolar e mestrando em Mudança Social e Políticas Públicas.

Doutrina Social da Igreja | Entrevistado: Prof. Dr. Fernando Altemeyer Junior

Chefe do Departamento de Ciência da Religião da PUC-SP.

As ações e ensinamentos de Jesus como inspiração para políticas em favor da cidadania |Entrevistado: Francisco Orofino

Leigo, professor de Teologia Bíblica em Nova Iguaçu (RJ) e assessor do CEBI (Centro de Estudos Bíblicos) e do ISER Assessoria (Instituto de Estudos da Religião).

Os franciscanos e o engajamento político | Entrevistado: Frei Vitorio Mazzuco

Mestre em espiritualidade e coordenador da Pastoral Universitária da USF.

A importância dos Movimentos Sociais na busca do bem comum | Entrevistado: Dom Guilherme Werlang

Bispo da Diocese de Lages (SC) e presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Ação Social Transformadora da CNBB.

Políticas Públicas na área da saúde | Entrevistado: Fernando Pigatto

Presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e Representante da Confederação Nacional das Associações de Moradores (CONAM).

Políticas Públicas na segurança | Entrevistado: Ricardo Bedendo

Jornalista e Mestre em Ciências Sociais, integra o núcleo de Estudos de Violência e Direitos Humanos da Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).

Políticas Públicas e Assistência Social | Entrevistada: Rosangela Pezoti

Doutora em Serviço Social, responsável pelas áreas técnica e de articulação política do Sefras – Serviço Franciscano de Solidariedade.

Políticas Públicas em favor dos negros | Entrevistado: Frei David Raimundo Santos

Presidente da Educafro (Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes).

Importância da participação nos espaços de controle social | Entrevistada: Valdênia Paulino

Advogada, integra o Centro de Direitos Humanos de Sapopemba (SP)

Políticas Públicas em favor dos índios e dos povos originários | Entrevistado: Egon Heck

Assessor do secretariado do Conselho Indigenista Missionário – Cimi.

Políticas Públicas e Juventude | Entrevistada: Anna Luiza Salles Souto

Coordenadora da área de Democracia e Participação do Instituto Pólis.

Políticas Públicas e na área da educação | Entrevistado: Professor Dilnei Lorenzi

Pró-Reitor de Ensino, Pesquisa e Extensão da Universidade São Francisco (USF).

Saúde e o bem comum | Entrevistado: Pe. Christian de Paul de Barchifontaine

Assessor Internacional dos Camilianos na Área da Saúde, Relações Públicas das Organizações Camilianas.

O exemplo concreto no Rio de Janeiro | Entrevistado: Adriano de Araújo

Sociólogo, coordenador do Fórum Grita Baixada.