Durante décadas, alguns ramos da Ordem Franciscana trabalharam para restabelecer o sentido original de fraternidade na Ordem. Em um rescrito, publicado no dia 18 de maio de 2022, o Papa Francisco respondeu aos apelos por maior igualdade entre membros ordenados e não ordenados de instituições religiosas clericais. Frei Ivair Bueno de Carvalho, ao ser eleito presidente da Fundação Imaculada Mãe de Deus de Angola, em julho último, é o primeiro irmão leigo a assumir um cargo superior na Fundação desde a publicação do rescrito. Para o Ministro Geral, Frei Massimo Fusarelli, a mudança “nos ajudará a reconhecer melhor o fato de que somos realmente uma fraternidade de pessoas iguais entre si e o que nos une é seguir a Regra franciscana.

Este rescrito altera o cânon 588, §2, do Código Canônico, permitindo, em casos individuais, que membros não-ordenados sejam eleitos ou nomeados superiores locais ou superiores maiores de Instituto religioso.

Frei Ivair Bueno de Carvalho é natural de Sorocaba (SP). Nasceu em 31 de janeiro de 1973. Filho de Aparecido Benedito Bueno e de Therezinha de Carvalho Bueno, entrou na Ordem dos Frades Menores através da Província da Imaculada Conceição do Brasil, em 1993. Fez a Primeira Profissão religiosa em Rodeio (SC), no dia 9 de janeiro de 1998, e Profissão Solene no dia 30 de julho de 2005. Estudou Filosofia no Instituto São Boaventura, em Curitiba (PR), e Teologia no Instituto Teológico Franciscano, em Petrópolis (RJ).

Em 2001 foi enviado como missionário em terras angolanas, trabalhando em Luanda, Malanje e Kibala. Retornou ao Brasil por um tempo e regressou a Angola em 2009. Antes de ser eleito presidente da FIMDA neste ano, ele foi guardião da Fraternidade Santo Antônio, Noviciado São José, em Kibala (Cuanza Sul).

Site Franciscanos – Como você recebeu esta indicação dos irmãos para ser presidente da FIMDA?
Frei Ivair – Primeiramente gostaria de agradecer a Deus pelo dom da vida e da vocação, o Pai das misericórdias que derrama suas bênçãos sobre cada um de seus filhos e filhas. Sempre que somos convidados e convocados pela vocação que nos é dada e confiada, de maneira especial como Frade Menor, irmão da Penitência, nos colocamos à disposição da Ordem, da Igreja e dos irmãos.

Há três anos, no Capítulo anterior, havia pedido para ficar apenas mais um triênio na missão, pois minha mãe está bem doente, devido à idade e o “bendito Alzheimer”. Por isso, gostaria de ficar um pouco mais próximo dela e da família para acompanhar mais de perto esse final da vida de quem me deu a vida e me despertou à fé em Deus, Pai todo amoroso e misericordioso. Mas, como ela mesma diz: “Com Deus não se brinca e depois que se coloca a mão no arado não se deve olhar para trás”. Com isso se percebe as mãos de Deus conduzindo a história.

Senti no coração um aperto bem grande com as eleições acontecendo, mas ao mesmo tempo sentia a mão de Deus e a força do Espírito Santo na confiança que os irmãos depositaram em mim. Percebe-se nitidamente como o Senhor nos conduz e o como nos deixamos guiar por Ele; não fazemos a nossa própria vontade, mas a vontade d’Aquele que servimos de coração e mente pura. Com certeza todo esse ministério assumido como irmãos concorrerá para o bem daqueles que amam a Deus.

Site Franciscanos – Hoje, como presidente da Fundação, quais os principais desafios da missão?
Frei Ivair – Primeiro desafio é sermos realmente franciscanos, Irmãos e Menores, vivendo com maior radicalidade a nossa opção batismal como consagrados a Deus, no serviço fraterno aos irmãos na Igreja e no mundo. O segundo desafio é a nossa autossustenção. Temos que, cada vez mais, voltarmos às nossas origens e viver do trabalho de nossas próprias mãos, como nos pede São Francisco. Abraçar de maneira clara e exemplar a pobreza de Espírito e de fato. O terceiro desafio é o cuidado com a boa formação humana, cristã e franciscana dos irmãos que o Senhor nos tem dado por inspiração divina.

Comunicações – A Fundação vive um bom momento vocacional. Fale sobre esse celeiro vocacional na missão?
Frei Ivair – Sempre acreditei que o carisma franciscano já se encontrava e se encontra em todos os lugares do mundo, pois ser franciscano é uma opção de vida, livre e espontânea. É como se fosse um carvão aceso coberto de cinzas. Num primeiro momento parece que está tudo apagado, mas com um sopro volta a acender o nosso carisma, aqui em Angola, bastou um sopro do Espírito do Senhor e seu Santo modo de operar para que as vocações começassem a eclodir. O Espírito de São Francisco já se encontrava nas terras de Angola, faltava o sopro do testemunho dos irmãos. E aqui tenho que agradecer de maneira especial a Província que aceitou o convite “África nos chama”, do Ministro geral John Vaughn, e enviou os primeiros confrades para cá.

Na atualidade temos vocação de quase todas as províncias de Angola e de quase todas as etnias que este país contém. Isso, cada vez mais, vai nos revelando que o Espírito continua a dissipar “‘as cinzas de muitos corações” de irmãos angolanos, os quais deixam se conduzir inflamados por este modo de vida. Ser Franciscano vale a pena.

Site Franciscanos – Como você recebeu o rescrito do Papa Francisco que autoriza irmãos leigos serem superiores?
Frei Ivair – Creio que o Papa Francisco é um ser humano inspirado e tem sempre a preocupação de voltar às origens. A origem de nossa Ordem como nos mostra o artigo primeiro das Constituições Gerais: “A Ordem dos Frades Menores, fundada por São Francisco de Assis, é uma fraternidade na qual os irmãos, … pela profissão, dedicam-se totalmente a Deus”. Ou seja, nossa Ordem é uma fraternidade de irmãos. A Igreja é que nos inclui como um instituto clerical, como nos diz o artigo terceiro parágrafo segundo da mesma Constituição. Com o rescrito do Papa, temos a possibilidade de voltarmos às nossas origens. Os ministérios que exercemos segue nos dando a graça de continuarmos sendo Irmãos e Menores.

Site Franciscanos  – A Fundação caminha para se tornar uma Custódia?
Frei Ivair – Desde que o Espírito Santo continue a despertar boas e santas vocações franciscanas, acreditamos que a tendência é se expandir e aquecer novos corações para o seguimento de Cristo ao modo de Francisco. Com isso, o sonho de se tornar uma Custódia pode vir a se realizar. Com certeza temos que ir amadurecendo. Quanto mais vivermos com fidelidade o nosso carisma, com o tempo e ao tempo de Deus, com a nossa ajuda e empenho, a Custódia virá. Deus está conosco depende de nós.

Site Franciscanos – Como se deu o seu discernimento vocacional. Por que escolheu ser franciscano e missionário?
Frei Ivair – Tive a graça de nascer em uma família do interior, onde a fé cristã é transmitida de maneira oral. Minha avó, Ana Ferraz (vó Dalina), que se alfabetizou depois dos 60 anos de idade só para ler a Sagrada Escritura, um dia me falou de São Francisco, que era pobre e vivia andando pelo mundo como missionário, a exemplo de Jesus Cristo. Esse São Francisco foi crescendo e se desenvolvendo dentro de minha vida, até que, por graça e inspiração divina, percebi que deveria colocar-me à disposição do Senhor e entrei no seminário para me consagrar como irmão na Ordem dos Frades Menores, com o intuito de ser um pouco parecido com São Francisco. Por isso, desde o início sempre quis partir em missão, de maneira especial na África. Com o passar dos anos na formação, a graça divina foi me conduzindo até que, em 2001, tive a oportunidade de vir para cá. De início, o que me chamou a atenção foi que, apesar da guerra, a fé, a alegria, a celebração eram sempre muito vivas e participativas. O desejo do Sagrado esteve e está sempre latente nos trabalhos apostólico-missionários, tanto da parte dos missionários quanto do povo.

O testemunho de inspiração divina dado pelos confrades foi ganhando raízes e rostos; fomos ganhando pais, mães e irmãos e o espírito franciscano começou a florir com os nossos irmãos angolanos. A implantação da Ordem começou a frutificar.
Hoje, o que continua a inspirar, não só a mim, mas a todos os irmãos, é a entrega total a Deus no seguimento de Nosso Senhor Jesus Cristo, partilhando a nossa espiritualidade franciscana na vida fraterna, na vida de oração e devoção, no trabalho, na alegria e na esperança. O Francisco, pobre e missionário, seguidor de Jesus Cristo, que minha avó me ensinou, está cada vez mais vivo e presente em todos os seres e afazeres em terras angolanas e em todo mundo.

Site Franciscanos – Fale um pouco de sua vida e sua família?
Frei Ivair – É meio complicado falar de si mesmo. Prefiro que os que conviveram comigo, vivem comigo, falem sobre mim. Uma coisa é certa: procuro ser um Frade Menor de nome e de fato.
Meu pai se chamava Aparecido Benedito Bueno. Chamou-se Aparecido porque minha avó perdeu o primeiro filho. O seguinte, meu pai, foi consagrado a Nossa Senhora Aparecida, daí vem o nome de Aparecido Benedito. Minha mãe se chama Therezinha de Carvalho Bueno. Nascemos no Bairro Mato Dentro, um lugar a uns 20 km distante de Sorocab. Toda a nossa infância foi no sítio. A casa onde nascemos era de pau a pique barreada. Atrás de casa passava um córrego onde lavávamos roupa, tomávamos banho, pegávamos água etc. Lembro-me que comprávamos poucas coisas na cidade, pois produzíamos quase tudo, arroz, milho, feijão, verduras etc. Somos sete irmãos, 3 homens e 4 mulheres. Eu sou o quarto. Hoje, todos os meus irmãos vivem na cidade. Minha mãe está bem debilitada de saúde. Minhas irmãs cuidam dela, de maneira especial a irmã mais velha.

Site Franciscanos – Como o religioso Frei Ivair se define?
Frei Ivair – Servo inútil.

Site Franciscanos – Qual a importância dos missionários nesse trabalho evangelizador?
Frei Ivair – O nosso próprio nome, Frades Menores, já dá uma qualificação ao nosso modo de Evangelizar, ou seja, como irmãos e menores. Isto revela o modo franciscano de entender e vivenciar o Cristo Pobre, Humilde, Crucificado e Ressuscitado. Este Cristo se manifesta, de maneira especial, na pessoa dos mais desfavorecidos, pobres, marginalizados e em toda a criação. Como dizia São Francisco na Regra não Bulada: “Todos os frades preguem com as obras”. Isto implica que estejamos sempre em conformidade com o Cristo da nossa fé e de nossa práxis ao pregar a Paz e o Bem, como nos pede Francisco, e zelando pela justiça. O frade menor está na dinâmica do “evangelizar-se para evangelizar”.

Site Franciscanos – O que você diria para os frades leigos que querem se tornar missionários em Angola?
Frei Ivair – Deus nos deu a graça da vocação franciscana e, por conseguinte, de sermos missionários. Aos que aqui quiserem vir para esta missão, sejam bem-vindos, pois podem partilhar a vida cristã e a fé com aqueles que se encontram conosco e nos dá a certeza de que estamos no caminho certo. Nos caminhos da vida, a Vida se faz Caminho conosco e o Reino de Deus vai acontecendo nos pequenos gestos diários da Fraternidade onde vivemos e ao povo a que servimos. Os irmãos que vierem, clérigos ou não, sejam bem-vindos.
Que o Senhor permaneça conosco e que nós permaneçamos com Ele. Estamos juntos e Paz e Bem!

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Comunicação da Província da Imaculada