Frei Walter Hugo: “Francisco de Assis é a minha paixão”
16/10/2019
Moacir Beggo
Mineiro de Diamantina, Frei Walter Hugo de Almeida nasceu no dia 14 de junho de 1936 e foi ordenado sacerdote no dia 12 de dezembro de 1971. É o quarto de dez irmãos. Após estudos primários, ingressou, ainda adolescente, como operário numa indústria de Diamantina. Com 16 anos, quando então se mudou para Juiz de Fora (MG), preparou-se para servir no Exército, onde ficou por quatro anos até largar a vida militar para seguir São Francisco de Assis.
De família de artistas mineiros, sua paixão foi sempre os livros, mormente nas áreas das letras, no mundo da poesia, literatura em geral e pesquisa na área de história. Escreveu os livros “Joly, um cavalinho de Madeira”, “Retalhos da Vida”, “Rimas da Vida”, “Jardim de Deus”, “Sementeira de Deus” e prepara mais dois livros: um sobre Santo Antônio de Sant’Ana Galvão e outro sobre Santa Clara de Assis.
Seu mais novo trabalho é o livro “Benê, um menino travesso”, que não é uma autobiografia mas suas lembranças de infância serviram de inspiração. “Em versos leves, conto a história de Benê, que é gente boa. Deus vê o coração”, escreveu na sua dedicatória para este jornalista.
Para ele, escrever é quase uma necessidade biológica. Sua vida recende à poesia. E poesia não é coisa de quem vive na lua, mas assunto sério, concreto. Segundo ele, numa ditatura, os artistas poetas são os primeiros a serem exilados: são atualíssimos e engajados.
“A realidade do poeta é a do espírito e não a da matéria”, lembra ele.
Acompanhe a entrevista
Site Franciscanos – O que o levou a escrever este livro “Benê, um Menino travesso?
Frei Walter: Tentei traduzir, em linguagem literária, por vezes, com lastros de fantasia, uma mensagem que, em certo dia, ouvi, no catecismo de Dona Cocota, a minha catequista: “Como se vive, se move e tudo continua igual”, que é uma frase de Santo Agostinho. Eu tinha seis anos de idade. Mas, Benê não é uma autobiografia. Contudo, tem muita influência de minha infância.
Site Franciscanos – Como Frei Walter se define?
Frei Walter: Sou um homem feliz! Realizado, o quanto se pode dizer. Realizado como cristão; como frade franciscano há 53 anos; como padre, há 48 anos. Tenho 83 anos de idade, e graças a Deus, com saúde de corpo e alma. Minha única doença é o pecado de todos nós…
Site Franciscanos – Qual a raiz dessa sua veia artística?
Frei Walter: Vem do berço. Meu avô materno era um homem de cultura.Não ficava sem a biblioteca da casa: romances, livros de poesia, volumes alusivos à Sagrada Escritura, etc. Foi regente de banda. Tive tio violonista; tio que tocava lindamente uma clarineta; tia que dedilhava com arte um bandolim; o irmão mais velho foi um grande poeta, trovador, Jefferson Leão de Almeida; tenho primos compositores, romancistas, cronista, cartunista, que foi produtor de programa da TV Globo. Meus pais e avós, até ao dar nomes aos filhos e netos, eram influenciados pela história, pela literatura…
Desde criança já fazia versinhos, escrevendo a carvão, na parede da cozinha… Na época de lua cheia, passava o dia criando trovinhas para cantar na brincadeira de roda e ciranda, debaixo do grande cedro da praça. Era costume de antigamente…
Site Franciscanos – Como vai a Língua Portuguesa?
Frei Walter: Uma lástima. Eu lamento como professor da área há mais de quarenta anos. A Internet, até certo ponto levou a isso, por causa do mau uso dela. Ela é um engodo!… Língua se aprende no esforço, não na facilidade como é hoje. Língua, cultura se aprendem, sobretudo, pela leitura. Lendo um livro desde a capa até o ponto final. Nada substitui a leitura-leitura!… O Google está matando nossa gramática, e muita coisa mais… O jovem virou escravo do computador, do celular. Quem manda, infelizmente, é a máquina. Esses inventos se tornaram um vício, uma droga.
Site Franciscanos – Quantos anos esteve como professor em Agudos?
Frei Walter: Agudos me marcou em todos os aspectos. Paisagem maravilhosamente bucólica; os mestres que tive no Seminário eram humanos, dedicados, zelosos, davam prêmio ao esforço e daquela disciplina que nos exigiam. Mais tarde, voltei a Agudos, como professor, diretor e guardião do gigante Seminário Santo Antônio. Sentia-me plenamente seguro da bagagem recebida. Somando o tempo em que fui seminarista lá com meu tempo de serviço, são 28 anos de Agudos, uma vida! Agudos foi e é a minha paixão! Dói-me não vê-lo mais como seminário, escola, casa de formação. É a vida!… A história traça coisas…
Site Franciscanos – Como nasceu sua vocação?
Frei Walter: Jamais pensara em ser padre, franciscano. Aliás, minha mãe me disse, um dia: nunca rezei para filho meu ser padre. Embora, meus pais e avós sempre foram muito religiosos. Vale dizer, meu tronco foi e é de seiva sagrada! Meu avô materno foi vicentino a vida toda, até a longevidade… Foi sacristão até aos 87 anos. Em nossa casa, meus pais moravam com ele e herdamos a grande casa colonial. Era a casa dos pobres, a qualquer hora. Em casa não se cozinhava somente para os de casa, mas para sobrar e matar a fome dos pobres que a nós recorriam. Vivi isso, em minha infância… Minhas vovós eram referência. Elas foram referência de amor e caridade no nosso bairro e, principalmente, em nossa rua. Ninguém, em minha infância, nunca precisou de me mandar ao catecismo ou à missa. Sempre fui porque eu quis, e até procurava. Desde oito anos entrei na Conferência Vicentina. Mais tarde fui Legionário de Maria. Como se percebe, sempre fui voluntarioso, senhor de mim mesmo! Tudo fiz e faço, porque quero, e com dedicação! Acredito, amo as coisas que a vida, a estrada me propõem! E as administro, à luz do meu ideal, de minha fé. Em vários poemas tenho registrado isso, nas entrelinhas.
Pelos fins de 1957, fazendo carreira no Exército, em Juiz de Fora, numa missa, no dia de Cristo Rei, presidida por um frade dominicano, morador da cidade, durante o sermão, senti em minha mente e coração: E se eu fosse isso?!… Foi como se uma pedrada me tivesse ferido; e, de fato, sangrou-me até hoje! Reconheci ter sido um chamado de Deus! Daí para frente vem história e mais história, peripécias para conseguir desligar-me do Exército, de namoro indo para noivado, até conseguir um seminário… Foi difícil, pois os reitores de seminário tinham preconceito contra gente grande, militar… Mas, uma ideia eu tinha: Não quero ser padre destes de batina preta! Não por preconceito. Vou encontrar. Cheguei a escrever para José Mojica, no México. Por fim, depois de relutância, Agudos me deu boa notícia… Graças ao Frei Marcelo Gomes de Castro… Grande exegeta, em Petrópolis…
Site Franciscanos – Vale a pena ser franciscano?
Frei Walter: Sim, vale e muito! Se tivesse que recomeçar, recomeçaria novamente. Sou de enfrentar qualquer subida no caminho! E sempre acredito vencê-la. Sei que é Deus o vencedor! A vontade fica com ele, eu a administro, e certo da coroa… Francisco de Assis é a minha paixão! Amo tudo que encontro pelo caminho e que traga a marca de Francisco.
Site Franciscanos – O que lhe causa medo hoje?
Frei Walter: Conheço-me. Nada me causa medo! Sigo valores. E quando um valor, ou valores, por exemplo: a fé, o ideal são alimentos, nunca o medo vence. O que poderia, quem sabe, causar-me medo e trazer veneno, eu o gerencio com o antídoto da verdade!…
Site Franciscanos – Que esperança tem no seu país?
Frei Walter: Nunca é tarde, há de surgir alguém, homens que hão de deixar que o Senhor modele o seu coração, sua missão sagrada: a Política.
Site Franciscanos – Qual o futuro da educação hoje?
Frei Walter: Educação se pauta pela disciplina. Sem essa, não se encontra a ordem, somente a desordem, a confusão. O provérbio diz: – É de pequenino que se torce o pepino… Dizia Ghandi: – Sem Deus não se encontra o caminho da verdade. Educação não é acúmulo de conhecimentos, mas sabor que vem do Alto… A Palavra de Deus, carta que vem do Céu, ilumina a natureza, a maravilhosa criação do Senhor!
Site Franciscanos – O que acha do Pontificado de Francisco?
Frei Walter: Ele é um iluminado! Veio na época certa! Deus tem o domínio do caminho, o poder sobre tudo e todos! O mundo espera muito dele, e eu também… Não seremos abandonados! Oremos por ele, pelos seus assessores!
Site Franciscanos – Quais seus ídolos na poesia e na literatura?
Frei Walter: Na prosa, Graciliano Ramos; João Guimarães Rosa, a quem sempre caprichei, fazendo a exegese de suas obras. Na poesia, Jorge de Lima. Para mim, um poeta completo, abrangente… Aprecio muito Cecília Meireles.
Site Franciscanos – Como o sr. define o mineiro?
Frei Walter: Mineiro é amor pelo chão! Amor à cultura, um apaixonado pela democracia, enfim, pela política. Ele traz política no sangue… Mineiro é um místico; amante da poesia, da cultura e é propenso ao romântico, mas atua em todos os gêneros da música. Na verdade, ele traz poesia nas veias!… Uma marca do mineiro é o valor família; mineiro é cozinha!… É tempo. Tempo para um mineiro é conversa, confabulação, fraternidade; tempo é gente, é pessoa. Para o mineiro, tempo não é dinheiro!… Embora fosse fundador de bancos… ironia da história… Mas, também com tanto ouro, diamante, ferro, pedras preciosas, teve que se defender, UAI!… Mineiro é apaixonado pela economia, até nas palavras, corta-as por parcimônia… A mágica do mineiro é esta: Ele fica assuntando para depois agir! Ele quer sempre fisgar o peixe… ter segurança.
Site Franciscanos – O senhor mora numa casa de formação; o que diria para um jovem que quer seguir os passos do Poverello de Assis?
Frei Walter: Cristalizar na mente e no coração, na vida, uma imensa paixão pelo Santo Evangelho! Cultivar, com ardor, um grande amor pela oração, fazer dela a celebração total, sagrada da vida, sobretudo, da convivência fraterna… Jamais fugir de uma crise, dificuldade no caminho, mas, iluminar tudo e a todos. Nada se perde, tudo deve ser transfigurado. Todas as coisas concorrem para o bem daquele que ama, já dizia Paulo de Tarso!… A oração é o país da Luz. O homem, o jovem, deve ser um apaixonado, quando a causa é nobre! Deve lutar com denodo! Ser cabeçudo, ir à batalha, combater o bom combate, acreditar, guardar a fé, e ter certeza da coroa.