Posvenção: o cuidado com os sobreviventes do suicídio
24/09/2019
Érika Augusto
São Paulo (SP) – A cada morte por suicídio, estima-se que até 135 pessoas sejam impactadas. São familiares, amigos, colegas de trabalho, pessoas que conviviam e mantinham algum tipo de relação com a pessoa vitimada. Porém, o luto por suicídio possui características próprias, que demandam um cuidado especial, que é chamado de posvenção.
Segundo Karen Scavacini, cofundadora e coordenadora do Instituto Vita Alere de Prevenção e Posvenção do Suicídio, esse processo ajuda as pessoas envolvidas a passarem pelo luto por suicídio, ressignificando sua vida após a perda. Segundo a especialista, o luto por este tipo de morte tende a ser mais duradouro, além da probabilidade das pessoas envolvidas também desenvolverem tendência suicida.
Scavacini afirma que o suicídio está sempre envolto em dúvida, culpa e preconceito e o fato de falar sobre o assunto pode ajudar muitas pessoas. “Dentro das questões de morte, o suicídio entra como o maior dos tabus. As pessoas têm muito medo de falar sobre o assunto, pois elas acreditam que podem incitar alguém a cometer suicídio. Só que quanto mais falamos abertamente sobre o assunto, mais ajudamos as pessoas”, explica a especialista.
Além de cursos e palestras sobre o tema, o Instituto Vita Alere promove o concurso literário “Memória Viva”, que está em sua terceira edição. O livro “Histórias de sobreviventes do suicídio” foi organizado a partir do material enviado nas primeiras edições do concurso.
A escrita como processo de cura
Após perder sua filha caçula, Terezinha do Carmo Guedes Máximo descobriu na escrita uma forma de expressar seus sentimentos e ajudar outras pessoas que passaram pela mesma experiência. Marina, sua filha caçula, faleceu em março de 2017, vítima de suicídio. Ela tinha 19 anos e vinha de um quadro grave de depressão, diagnosticado em novembro de 2016.
Os textos de Terezinha ganharam um blog, chamado No m’oblidis. “Foi uma mensagem que a Marina deixou no perfil do WhatsApp: “Si us plau no m’oblidis“, que quer dizer “Por favor, não me esqueça” em catalão.
Para Terezinha, colocar os sentimentos no papel ajudou a entender o que ela estava vivendo. “Depois que a Marina morreu, fiquei perdida e sozinha, não tinha com quem conversar. Nos grupos de apoio que eu frequentava, descobri que escrever era terapêutico. Então, comecei a escrever para aliviar um pouco meu sentimento. Junto com meu marido, Joseval, resolvi fazer o blog e publicar os meus textos falando desta dor. Quero mostrar para outras pessoas, que passam pelo mesmo problema, que elas não estão sozinhas”, afirma a autora.
Além do blog, o casal coordena o Grupo de Apoio a Enlutados por Suicídio em São Bernardo do Campo (SP). Para ela, ouvir e partilhar o sentimento dos sobreviventes é uma forma de superar a perda. “O grupo de apoio é um lugar de pertencimento, porque no grupo somos acolhidos e acolhemos, então mostramos para o outro – através da troca de experiências – que eles não estão sozinhos e que os sentimentos que acompanham este luto fazem parte deste processo. O luto por suicídio é um luto diferente, somos chamados de sobreviventes, porque é uma tragédia que acontece e lutamos todos os dias para sobreviver. O nosso luto apresenta culpa, vergonha, medo, raiva, rejeição, além dos sentimentos relacionados à perda”, descreve a coordenadora.
A posvenção é o tema que encerra a série de entrevistas sobre “Setembro amarelo e a prevenção ao suicídio”, produzida pela Província Franciscana através da Frente de Evangelização da Comunicação.
Ouça as entrevistas com Karen Scavacini e Terezinha do Carmo Guedes Máximo, disponibilizadas em áudio no Soundcloud, Spotify, Deezer e outros agregadores de podcast.