“Parem de nos matar!”, pedem os jovens franciscanos
18/07/2019
Rio de Janeiro (RJ) – O primeiro dia das Missões Franciscanas da Juventude no Rio de Janeiro não será esquecido tão cedo pelos 600 jovens que se encontraram na Catedral São Sebastião nesta quarta-feira, 17 de julho. O grupo de jovens das Paróquias Nossa Senhora Aparecida e Nossa Senhora da Conceição de Nilópolis conduziu a mística do dia, denunciando a violência que hoje ceifa vidas no país e, principalmente, no Rio de Janeiro. “Parem de nos matar!”, pediram os jovens durante a dinâmica da tarde. Esse pedido ganhou força e, mais à noite, levou os jovens à comoção com a representação teatral das mortes de jovens nos últimos anos, especialmente a de Marcus Vinícius, de apenas 14 anos, que foi assassinado a caminho da escola, no Complexo da Maré, zona norte do Rio de Janeiro. Sua mãe, a empregada doméstica Bruna Silva, de 36 anos, emocionou os 600 jovens ao mostrar a camisa ainda ensanguentada do seu filho.
Depois de ouvirem o depoimento da mãe de Vinicius, os jovens acenderam velas e deixaram o salão de Eventos para continuarem a mística no altar da Catedral. Um quadro de dois metros trouxe um Cristo negro crucificado, representando todos os tipos de preconceito e violência que são cometidos. Essa cruz foi carregada em procissão da Catedral até o Convento Santo Antônio.
Durante todo o trajeto, os jovens continuaram denunciando todas as formas de exclusão, desigualdades e as causas profundas que levam o povo a viver em condições de vida precárias. Antes de entrarem na capela do Convento, os jovens pintaram as mãos com uma tinta vermelha para imprimiram a marca na cruz. Na frente do Convento, os frades esperaram os jovens com bacias de água para lavarem as mãos. Já era mais de 22 horas quando teve início a Adoração do Santíssimo.
Segundo Frei Diego Melo, animador vocacional da Província Franciscana da Imaculada Conceição e coordenador das Missões, foi um dia intenso, marcado pelo reencontro e pela saudação de Paz e Bem. “Um dia marcado pela oração inicial, que já nos colocou dentro da dinâmica e no tom do lema dessas Missões: ‘Profetas do diálogo e do respeito: ternura que acolhe a paz, com o vigor que supera a violência’. Frei Diego se referia à oração inicial das 15 horas, que começou no interior do Catedral e terminou no Salão de Eventos. O grupo de jovens de Nilópolis acolheu os participantes destas Missões com um abraço. Eles, contudo, estavam caracterizados de migrantes, LGBTs, índios, negros, mulheres, favelados. Cada jovem explicou a sua representação, terminando com o grito de todos: “Parem de nos matar”.
Na entrada do salão, os jovens franciscanos receberam uma frase escrita para meditar e um grãozinho de incenso para queimar diante do Crucifixo de São Damião.
COMOÇÃO
A encenação da morte de Marcus Vinicius foi feita pelo jovem Vítor Hugo, que se emocionou muito e levou os jovens às lágrimas. “Eu achei que seria só um evento aqui. Não. É um evento que a gente fala de Jesus, de Deus, de amor”, disse Bruna. “Gente, está difícil para criar um filho no mundo de hoje, onde o ódio prevalece. Eu acredito que o meu filho, quando ele foi tombado, levantou muitos outros filhos. Hoje, a minha luta é pelo meu filho, é pela minha filha, pelas filhas de todo mundo, é por vocês que estão aqui. A gente tem que se unir”, disse Bruna, que cria uma filha de 13 anos.
“Sempre falava para o Marcus se esconder quando visse uma operação policial. Ele me dizia: ‘Não mãe, eles não atiram em estudante, não!’ Meu filho foi morto com a roupa e o material de escola. Não dá para a gente cruzar os braços. Não dá para deixar que morram mais Marcus Vinicius a caminho da escola. Não podemos aceitar mais Marias Eduardas mortas dentro da escola. A gente não pode aceitar o genocídio de nossos filhos. A gente cria os nossos filhos com toda a dificuldade, aí eles denigrem a nossa imagem para justificar o injustificável”, criticou.
“A gente sabe que o Estado entra lá na favela para trabalhar. Mas a gente quer que o Estado trabalhe a favor da gente. Eles estão ali para nos proteger, para guardar a nossa vida, mas são eles que estão nos matando”, lamentou, mostrando a camisa de Marcus Vinicius quando foi assassinado. “Essa é a blusa verdadeira dele. Não é de uma peça de teatro. É original. Essa blusa me dá força. A gente não pode aceitar blusas como essas. Ela é uma vergonha para o Estado e para o Brasil. A gente quer nossos filhos vivos para o bem desse país, para o bem nosso. Se não for eles, vamos ser somente idosos”, disse.
“A gente vai combater esse ódio. Nós somos mães e vocês são nossos filhos. A gente não quer que mais Marcus Vinicius sejam tombados pelo estado. A gente quer que sejam o futuro. O meu luto é a luta”, ressaltou Bruna.
COMPROMISSO
Segundo Frei Diego, Bruna está representada na cruz que tem o nome de Marcus, o nome de José, o nome de Antônio, os nomes de tantos jovens, de tantas pessoas que estão sendo crucificadas. “Só que para nós a cruz, que era símbolo de derrota, tornou-se símbolo de vitória. Para você também, Bruna. A dor do teu luto está se transformando em luta e nessa luta você não vai ficar sozinha. Nós, como jovens, nos comprometemos a partir de hoje a dizer sim à vida, a dizer não às armas. A não apoiar aqueles que pregam o extermínio dos pobres, dos negros, dos favelados. Bruna, não posso me comprometer sozinho e queria que esses jovens, a partir de hoje, fossem solidários à tua dor, fazendo-se instrumentos da paz e renunciando a todo tipo de violência, de guerra e divisão. Se vocês, jovens, estão de acordo com essa proposta, sinalizem levantando as velas”, pediu Frei Diego. As velas se levantaram todas. “Marcus Vinicius está vivo nessas luzes que agora se levantam. Que essas luzes te ajudem, Bruna, a passar pela dor, pela escuridão, e a se transformarem em ressurreição”, desejou Frei Diego.
“Vamos pregar o amor. Façam sempre o bem. Deixo o meu amor para vocês. Com certeza, vou casa mais fortalecida hoje. Do luto para luta. A gente quer uma vitória de amor e não vamos desistir, não”, despediu-se Bruna.
Frei Diego estava feliz com o interesse dos jovens pelas Missões. “Aqui nós somamos mais de 600 jovens. E por que essa juventude está aqui reunida? Para fazer uma experiência de missão, de doação, de encontro, de compaixão, de solidariedade, encontro com Deus e com os irmãos. Tudo o que foi preparado com carinho por uma equipe enorme, que tem por objetivo proporcionar cinco dias de uma experiência missionária. Tudo o que vocês estão vendo aqui, foi pensando e sonhado há muito tempo. Então, o que queremos dizer é: Sejam muito bem-vindos!”, desejou o coordenador das Missões.
Neste segundo dia das Missões, os jovens continuam na Catedral, onde terão um dia de formação. De manhã terão palestras e à tarde, as oficinas. Às 17 horas, Frei Diego preside a Missa de Envio dos jovens para as nove Paróquias franciscanas no Estado do Rio de Janeiro.
Equipe de Comunicação das Missões
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