Notícias - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Missionários falam sobre a Missão

05/01/2015

Notícias

 

Frei Alexandre (esq.), Frei Evaristo e Frei Angelo

Por Moacir Beggo

Ao professar solenemente em 2009,  Frei Afonso Katchekele Quessongo ingressou definitivamente na Ordem dos Frades Menores e fez história na Fundação Imaculada Mãe de Deus de Angola.

No Capítulo Provincial de 2009, então missionários em Angola, Frei Evaristo Spengler, Frei Angelo José Luiz e Frei Alexandre Magno deram um panorama sobre a Missão. 

Site Franciscanos – Como foi chegar à Missão de Angola?
Frei Evaristo Spengler – Quando cheguei à Missão, em maio de 2001, ainda era tempo de guerra. Malange, cidade do Interior de Angola, sofria com os ataques e tinha uma série de restrições por parte da ONU, inclusive de horários, nos locais onde se podia passar. Não podíamos ir às aldeias fora do horário das 9 até às 17 horas. Em outras áreas nem era permitido o acesso. A guerra terminou em abril de 2002. Foi quando descobrimos o território onde estava a nossa Missão. Da sede, em Luanda, até o final, a distância é de 450 quilômetros. Em 30 anos de guerra, as estradas de terra desapareceram por falta de manutenção, assim como as pontes foram destruídas enquanto o governo perseguia a Unita ou vice-versa. O cenário era de muita fome nas aldeias. O povo plantava, mas nunca chegava a colher porque tinha de fugir devido aos ataques. A plantação nem chegava a ser colhida. Isso causava muita fome e insegurança. Mesmo em termos de evangelização, não se podia ter muita coisa organizada. Só com o fim da guerra é que se começou a estruturar um pouco a parte pastoral através dos catequistas das aldeias. Aliás, a fé do povo foi alimentada neste período pelos catequistas, mesmo sem informações, sem material de liturgia, sem material de catequese. Havia um grupo muito grande que esperava, no final da guerra, ser batizado, fazer a primeira comunhão, receber a Eucaristia. O papel de um catequista, nas aldeias, é fazer a oração da manhã com o povo, dar a catequese, fazer o culto dominical. É ele que mantém a vida cristã na comunidade. Quando os missionários chegam, celebram a Eucaristia e ministram os sacramentos.

Site Franciscanos – E esse modelo permanece até hoje?
Frei Evaristo – Permanece até hoje. É o modelo do catecumenato. Num período de quatro anos, eles preparam a pessoa que quer receber os sacramentos de iniciação.

Site Franciscanos – Frei Evaristo falava do final da guerra?
Frei Evaristo – Com final da guerra, o povo voltou para as suas aldeias e começou a reconstruir as casas, refazer as roças e se criou, assim, uma certa estabilidade. Hoje, quando se pergunta se existe fome, a resposta é: não existe mais. Plantam aquele mínimo para a subsistência, como mandioca, abóbora, milho, batata, banana, abacate, mamão e outras frutas. A terra é fértil e boa. A alimentação também é feita à base de peixes.
Frei Alexandre – Tive que esperar seis meses para receber o visto de entrada no país. Quando cheguei, em julho de 2002, fiquei em Luanda e peguei um pouco deste controle que havia e que Frei Evaristo falou, porque foi justamente alguns meses depois do final da guerra. Morava numa paróquia em Luanda, coordenada por um sacerdote que não era franciscano. Muito rica, essa paróquia abrigava as pessoas que saíram do Interior, fugindo da guerra, e ficaram residindo na capital. Era interessante ver a mistura étnica muito grande naquele bairro. Quando tivemos o Congresso Eucarístico Nacional, um ano depois, os cantos foram feitos em cinco, seis e até sete idiomas, por causa desta diversidade. Mas tudo com uma relação muito próxima e fraterna. Em 2003, tive a oportunidade de participar do mutirão missionário em Malange, com os frades estudantes e os frades de Viana. Um momento que nos marcou foi a alegria com que nos acolheram nas aldeias. Eles nos disseram assim: “Agora, acreditamos que a guerra acabou”. A presença dos missionários lhes dava esta certeza. Foi um momento muito forte, de muitos testemunhos. Para fazer isso, tivemos de andar 250 quilômetros, fazendo um trecho de carro, outro de bicicleta ou moto e a pé.
Frei Evaristo Spengler – A propósito deste mutirão, lembrei de um fato: havia uma mulher grávida que veio para se casar. Ela, o marido, que era catequista, e alguns filhos. Esperaram todo o tempo da guerra para isso. Ela saiu na sexta-feira de manhã e na sexta-feira à tarde sentiu dores do parto. Parou numa aldeia e teve o bebê. No sábado, o catequista colocou-a nas costas e, carregando  o bebê nos braços, caminhou o dia inteiro, o domingo todo, até chegar no local na segunda. Tudo para se casar.
Frei Alexandre – Esse povo esperou esse período todo para receber os sacramentos. Foram os catequistas que alimentaram isso. Depois do mutirão, retornamos a Luanda. Foi uma experiência marcante para os frades angolanos.

Site Franciscanos – Hoje, a realidade já mudou?

Frei Alexandre – Estou em Malange há quase dois anos. Neste momento, o governo pediu à Igreja de Angola para ajudar na reconstrução da rede de escolas e da saúde. Hoje, existe um grande esforço dos missionários para investir nessas áreas. Da parte da Igreja, temos o compromisso de reabilitar as escolas destruídas da Missão e construir novas. O Estado deverá entrar com a colocação dos professores e o equipamento das salas de aula. O que a Igreja de Angola já fez neste sentido é uma coisa formidável. E claro, junto com isso, há o desafio de formar os professores para superar algumas práticas pedagógicas ultrapassadas, como a palmatória, e a pouca freqüência às aulas. Neste sentido, todo um trabalho tem de ser refeito.

Site Franciscanos – Neste quadro de pós-guerra, a violência é muito grande?
Frei Alexandre – Eu imaginava uma Angola mais violenta do que no Rio de Janeiro, mas surpreendentemente não encontrei isso. Lá não se ouve tiros, coisa comum nas cidades brasileiras. Mas o perigo existe e é preciso um investimento muito grande em educação para isso não acontecer.

Site Franciscanos – Como é o trabalho da Missão?
Frei Angelo – O trabalho na cidade, onde nós estamos, é tipicamente urbano. O bairro de Palanca faz parte da Grande Luanda, como Viana, onde o Frei Alexandre morou. Os problemas também são de uma cidade grande, como falta de hospitais, falta de escolas, de saneamento básico. Isso é em toda Luanda, principalmente na periferia, onde nós moramos. As populações saíram das zonas rurais durante a guerra e vieram para a capital. O governo aceitou que as pessoas ocupassem a periferia de forma irregular. Então, hoje, a periferia é um mar de casinhas e enfrenta os problemas de um crescimento irregular.
Frei Evaristo – Praticamente um terço da população de Angola está em Luanda.
Frei Angelo – A Grande Luanda tem 5 milhões de habitantes atualmente. E ali também temos falta de estruturas nas paróquias, nas comunidades, faltam salas de aula para catequese, para reuniões. Há muitas matrículas de crianças para a catequese, mas não temos condições de acolher todo mundo. A Igreja urbana também tem essa característica de o pessoal ir à procura dos sacramentos iniciais: Batismo, Primeira Comunhão e Crisma. Casamento é outra história, pois tem a questão da bigamia.
Na cidade, temos a preparação das lideranças, mas é muito rotativa, pois eles entram, depois arrumam empregos ou escola para estudar e já não podem mais dar catequese. Temos de procurar outro. Já no interior, as lideranças são fixas.

Site Franciscanos – Como é a Igreja de Luanda?
Frei Angelo – A Igreja de Luanda basicamente, assim como em todo o país,  coordenada por missionários estrangeiros. Então, não existe uma linha de pastoral definida. Cada missionário traz a experiência pastoral do seu país.

Frei Gustavo – É mais ou menos por conta de cada pároco?
Frei Angelo – Cada grupo de religiosos ou religiosas que está junto no projeto,  imprime as suas características. As congregações fortes fazem grandes colégios, com 20, 30 salas para atender ao povo.

Site Franciscanos – São particulares?
Frei Angelo – Não são bem colégios particulares. São colégios que o governo paga os professores e o diretor. A administração fica por conta da congregação das irmãs e as crianças colaboram com uma mensalidade pequena para a manutenção diária, dos lanches etc. E as Igrejas organizam muitas escolas de explicação. É uma escolinha para crianças que não conseguem vaga na escola regular. O sistema é assim: se a criança tem 6 anos e ela não conseguiu uma vaga para entrar na escola regular, não entra mais. Só vai entrar com 12 anos, quando começa a alfabetização de adultos. Não é como no Brasil. Então, tem muita criança fora do sistema escolar. A Igreja monta salas e saletas para atender a essas crianças.

Site Franciscanos – E Angola é um país jovem?
Frei Angelo – Sim, 60% têm até 18 anos. E é um povo participativo e interessado em aprender. Na sede paroquial temos 17 grupos de jovens só de uma comunidade. Todas as comunidades têm vários grupos de jovens, grupos de catequeses, pastorais familiares, Jufra, OFS. Depois temos os trabalhos sociais que são as escolas. Na cidade, na Escola Santa Teresa, temos 1.600 crianças. Depois, uma tem 300, outra tem mais ou menos 500 crianças. Só na nossa paróquia, em Luanda, temos três creches que estão funcionando e o projeto “Nossos Miúdos”, que é um trabalho com menores abandonados. As crianças ficam perto daqueles depósitos de lixo, onde pegam pequenos objetos e se alimentam. Muitos não têm família. Então, Frei Márcio faz um trabalho de reintegração na família. Fica com eles, recupera, coloca na escola e cria uma auto-estima na criança. Uma vez por mês a criança tem de visitar a família, nem que seja um tio, um avô, uma avó. Tem que visitar. Quando fazem 17 anos, eles passam para outra casa. Eles vão morar sozinhos num quartinho, onde mora uma família. Eles têm de começar a tocar a vida deles. Esse projeto “Nossos Miúdos” também tem uma padaria, onde fazem pães, vendem e ajudam no auto-sustento da casa.
Frei Alexandre  – O Frei Márcio conseguiu resultado de retorno à família muito grande.
Frei Angelo – Também apoiamos a campanha de adquirir pequenas máquinas para a geração de renda. A gente está criando uma consciência de que passou esta fase da guerra, do dar, de distribuir comida, roupa, enfim, uma fase mais assistencialista. Foi necessário isso durante a guerra. Mas agora precisamos dar outro passo, embora o povo ainda dependa desta prática, de que temos de levar comida etc.
Frei Evaristo – Isso porque na época da guerra havia os caminhões de alimentação da ONU, que passavam a comida para a Cáritas e ela distribuía para as missões. Na missão de Malange, cerca de 2 mil pessoas almoçavam diariamente lá. Era um trabalho de socorro imediato. E hoje o trabalho é de estruturação.
Frei Ângelo – Queremos criar pequenas cooperativas para a geração de renda, junto com as mulheres que são agentes de saúde da Pastoral da Criança. É uma forma de elas ganharem dinheiro para ajudar no sustento da família e também atender à Pastoral da Criança. Essas máquinas fazem fraldas, sacolas de plásticos, sacos de lixo. Essa matéria-prima tem muito em Angola, porque existe uma fábrica de plástico.
Frei Evaristo – Na área de educação, em Malange, ainda durante a guerra, começamos um trabalho de alfabetização de adultos nas aldeias, porque os catequistas liam muito mal. Conseguir lideranças que possam estudar e ensinar é muito difícil. No início tínhamos um grupo de 13 alfabetizadores voluntários, mas depois conseguimos a contratação deles. Hoje são 23 professores e cerca de 500 jovens e adultos que fazem essa alfabetização.
Frei Alexandre – Com o final da guerra, começou-se um trabalho de preparação da terra. As pessoas se organizaram em cooperativas e os frades gerenciavam três tratores da Diocese para preparar os funcionários que faziam este tipo de trabalho. Com isso, houve um aumento considerável na preparação e na produção.
Frei Evaristo – No início, eles recebiam a terra e preparavam, recebiam a semente, tudo na mão. Com o passar dos anos, foram se tornando cooperativas. Cada ano, eles guardam uma parte do que colheram para vender e outra para pagar a colheita seguinte, além de comprar a semente. Hoje há várias pequenas cooperativas organizadas, que plantam mandioca, milho, feijão, batata doce e batata.
Frei Angelo – Quando Frei Wilson estava lá, enchia o caminhão de abacaxi e levava para a feira. As “mamás” compravam tudo para revender. Mandioca, carvão… Só que isso não é bem o nosso trabalho lá. Mas ajuda aliviar quando estamos em crise financeira.

Site Franciscanos – Como um empresário, por exemplo, pode ajudar a missão?
Frei Angelo – Se ele tem como declarar o que ele está doando, ele pode mandar. Nós não precisamos declarar o que ganhamos.
Site Franciscanos – Por qual motivo optou-se pela formação inicial em Angola
Frei Alexandre – A própria Conferência Episcopal nos pediu isso. O ideal é que nós recebamos os valores do Evangelho e do franciscanismo dentro da nossa cultura. Quando estávamos estudando Teologia, refletia-se que a “gente pensa a partir de onde nossos pés pisam”. Porém, nem todas as etapas fazemos lá, como o Noviciado, por causa da impossibilidade numérica de formadores. Se tivéssemos formadores suficientes, o Noviciado seria em Angola.

Frei Gustavo – Como está sendo a experiência de Noviciado no Brasil?
Frei Alexandre – Inicialmente já tivemos três grupos fazendo o Noviciado em Rodeio (SC). Eles saíram muito satisfeitos pela acolhida da Província. Os que vêm para cá voltam encantados com o Brasil. O estrangeiro que tem a possibilidade de conhecer nosso país, volta encantado com a cordialidade do brasileiro. Não foi diferente com os nossos frades. Eles guardam muitas recordações.
Frei Angelo – A questão cultural está por trás de tudo isso. São jovens e tirá-los simplesmente do Continente para o seminário, onde tem mais estrutura, tudo isso já foi feito. Essas experiências, contudo, não deram certo. Levamos uma vez o grupo para a Zâmbia, onde existe um Instituto da Ordem, para cursar Filosofia. Não deu certo. Tivemos realmente que voltar atrás e fazer o nosso ato penitencial. E depois o fato de a formação inicial ser Angola, junto com a gente, é ver um pouquinho dos nossos frutos, né? Do esforço, da presença, do testemunho nosso lá. É gratificante você ver que estão querendo seguir esta proposta de vida. Acho que isso estimula o missionário. São filhos espirituais e estão aí. No futuro vão tocar isso aqui.
Frei Evaristo – A gente falava que é uma orientação dos bispos, mas é também uma orientação da Ordem Franciscana.
Frei Alexandre – É também uma função de mão dupla. Porque neste encontro do dia-a-dia, a partir daquilo que se faz, do tipo de comida, também somos formados por eles. Porque a gente convive nesta troca e realmente existe um encontro de culturas. Uma coisa é pregar para fora. Então, nós vamos sendo mais africanos, angolanos também, por estar com eles, conviver com eles.

Site Franciscanos – Onde é feito o estudo de Filosofia?
Frei Angelo – Eles atualmente estudam com os salesianos, que têm um Instituto Superior. O curso de Filosofia dura três anos e o Curso de Teologia é feito no Seminário Maior da Arquidiocese de Luanda.
Frei Alexandre – Os salesianos pediram o apoio de outras congregações porque eles sozinhos não tocariam este projeto. Nós ainda temos essa dívida com eles, pois não contamos com frades suficientes para este trabalho. Mas esperamos que, com este novo reforço (a ida de novos frades neste ano), possamos participar também deste instituto como coordenadores.

Site Franciscanos – A Fundação Imaculada Mãe de Deus vive um momento de expectativas como o país?
Frei Angelo – A gente tem expectativas, está otimista junto com o povo. Também está contaminado com esta ebulição em Angola. A gente espera que façam estradas, que as coisas melhorem, porque daí as distâncias ficam menores. Por exemplo, de Luanda a Malange, são 450 quilômetros e com asfalto dá para ir e voltar no mesmo dia. É claro que o povo tem outras necessidades também. Mas é uma estrutura necessária para se viver, para o povo ir e voltar, para a agricultura escoar sua produção para a cidade. Tem lugares que o amendoim apodrece porque não há meio para transportá-lo. Via mar não dá, via rio não dá. Então, a gente vive esse momento de expectativa.
Frei Evaristo – E a Missão, tanto em Luanda como em Malange, está investindo muito em educação. O grande desafio agora é preparar bem estes professores para que dêem um ensino de qualidade. Acredito que pela educação é que vai passar também muito da reconstrução humana do país. Neste sentido, há dois aspectos importantes: a saúde e a educação. Lá ainda há muito paludismo. O animal que mais mata no mundo é um mosquito. Então, por falta de saneamento e condições básicas de saúde, muitas missões estão envolvidas neste trabalho de saúde.
Frei Alexandre – Muita coisa já foi feita. Nós e o povo vivemos uma expectativa muito grande. Internamente, na Fundação, vivemos um momento muito feliz, também nas relações interpessoais.

Site Franciscanos – O que muda na Missão depois do Capitulo Provincial de 2006?
Frei Evaristo – O Capítulo Provincial (em novembro de 2006) assumiu oficialmente a Missão e, neste sentido, ela entra na estrutura global da Ordem Franciscana. E vai fazer com que mais Províncias enviem frades para lá. Conseguiu-se também um número maior de frades para Angola visando estruturar todas as fases da formação, de modo especial a reestruturação do Postulantado, tendo em  vista o Noviciado da Missão. Com isso, os candidatos não precisariam mais sair de Angola para fazerem este ano de experiência no Brasil.
Frei Ângelo – A Fundação vivia no anonimato e era conversa de poucos. No Capítulo, a gente sentiu que a Missão é um assunto freqüente. Todos comentam e perguntam. Há um interesse maior dos frades. Podemos dizer que a Fundação saiu do anonimato, do sonho, da paixão de um pequeno grupo que estava lá levando a coisa adiante, como voluntários – vocês estão lá porque  querem –, e agora está na boca do povo, como se diz.
Frei Alexandre – O Capítulo também assinalou que a iniciativa de ir para a Missão não passa só pelos frades, mas pelo próprio governo da Província. A gente vê realmente que a Missão é de todos e o carisma missionário não é exceção de alguns. Mas é um carisma do franciscanismo. É um momento belo que se vive neste contexto.
Frei Evaristo – Alguns perguntam por que ir a Angola se nós temos também uma África dentro do Brasil, ou se temos tanta pobreza no Brasil? A questão não é a necessidade de Angola porque temos também aqui. É porque a Igreja nasceu missionária. E a Ordem Franciscana também nasceu missionária. Ou nós somos missionários ou nós somos franciscanos. Quer dizer, na Igreja há várias formas de sermos missionários, mas este missionário ‘ad gentes’ é uma característica essencial da Ordem Franciscana.

Site Franciscanos – Qual o principal desafio da Missão hoje?
Frei Ângelo – Vejo assim que um dos grandes desafios – nós estamos lá com um objetivo: semear a Ordem Franciscana – é como vamos dar esse testemunho em Angola, um país em que está em ebulição, sofrendo mudanças e transformações profundas e culturais? E não é um processo, assim, lento como o que outros países viveram. É uma transformação violenta, rápida, do dia para a noite você tem coisas novas. Todo mundo está vivendo isso. Se a gente não se cuidar, também vai entrar um pouco dentro deste ritmo e corre-se o risco de se descaracterizar como frades, como Ordem Franciscana. Então, acho que um dos grandes desafios é como que a gente vai estar diante de tudo isso?. Como que a gente vai viver junto com o povo essa transformação, como a gente vai prepará-los e vai também, junto, se preparar para poder não ser engolido por esse progresso ilusório, por essa reconstrução, que no fundo traz benefícios, sim, mas para um grupo de privilegiados.

Site Franciscanos – De qualquer forma, vocês já têm uma boa base em 16 anos?
Frei Angelo – Nestes 16 anos, a gente já marcou presença e começa a criar um jeito franciscano de estar, fazer, de coordenar, de viver lá com eles. Aos poucos, a gente vai criando estas características, essa maneira de ser nossa. Agora, em 16 anos, contudo, temos uma missão “adolescente”, e o adolescente sonha muito. Às vezes comete certas irresponsabilidades. Então, a Fundação, em 16 anos, está passando para uma fase mais “adulta”, vamos dizer assim.
Frei Evaristo – A busca não é de dar rumo ao povo, mas de estarmos juntos com o povo e sermos menores e servidores entre eles. Assim, como Francisco, anunciando a paz e o bem. Assim, buscando fomentar os valores do Evangelho no meio da cultura.

Site Franciscanos – Quanto tempo será necessário para a missão de Angola ser independente?
Frei Evaristo – Para você ter uma idéia, só depois de muitos anos os franciscanos do Egito conseguiram abrir uma missão no Sudão. Na África do Sul tem uma Província estruturada há muito tempo e estão abrindo uma missão na Namíbia. A Ordem reforçou uma frente missionária no Quênia, que abrange dez países. Então, não temos a pretensão de logo ir para fora, mas de fato estruturar o franciscanismo e a Ordem dentro de Angola neste momento. “Partir em missão” é uma coisa para o futuro, não é o pensamento de agora. O pensamento de agora é “ir em missão para Angola”. Quer dizer, no futuro, a Missão vai dar este passo. A Ordem já tem presença missionária em mais da metade dos países da África, e essa presença é crescente porque tem vocações. A exceção é o Norte da África, onde a maioria é mulçumana. O Congo democrático tem a maior província da África, com praticamente 200 frades num país. Em todos os países da África subsaariana as vocações são florescentes. Então, se espera num futuro que todos os países da África possam ter missionários a partir das missões africanas.
Frei Alexandre – Em outros países verificamos que antes de 50 anos essa autonomia não aconteceu. Então, acho que a gente não pode criar falsas expectativas achando que daqui a 20, 30 anos isso vai acontecer. Nós devemos criar uma estrutura que possibilite fazer com que os frades depois consigam, com os recursos locais – não só vocacionalmente mas materialmente – levar essa Fundação adiante.

Site Franciscanos – Como você sente o apoio da Província?
Frei Evaristo – Desde o início, quando os frades partiram para Angola, tinham uma certeza no coração de que não estavam indo sozinhos. Estavam indo em nome da Província e com o respaldo da Província. Foi sempre a Província que nos sustentou, a Província que nos socorreu no momento de doença. É ela que reza muito e faz campanhas em prol das Missões. Por exemplo, no ano passado, houve uma campanha grande para que se pudesse colocar uma Bíblia na mão de todos os catequistas das comunidades. E até tenho que fazer um agradecimento muito grande a todas as pessoas que colaboraram nesta campanha. E a outra parte da campanha foi para kits escolares para ajudar as crianças que não podiam comprar o material escolar.
Frei Angelo – A última campanha foi um pedido  à Província para conseguir doadores de pequenas máquinas, pequenos aparelhos, de fazer estas sacolas plásticas que a gente recebe nos mercados. A gente sempre recebeu apoio da Província e agora vê que a Província começa a se envolver também no apoio à Evangelização.
Frei Alexandre – Cada dia, cada noite, as nossas orações e nossos agradecimentos na intenção da Província e de nossos benfeitores.
Frei Evaristo – Nem todo mundo pode ser missionário mas todo mundo pode rezar pelas missões, apoiar as vocações para as missões.

Angola e a guerra

Com o fim da ditadura em Portugal (25 de abril de 1974), abriram-se perspectivas imediatas para a independência de Angola. O novo governo revolucionário português abriu negociações com os três principais movimentos de libertação (MPLA – Movimento Popular de Libertação de Angola, FNLA – Frente Nacional de Libertação de Angola e UNITA – União Nacional para a Independência Total de Angola). A independência de Angola não foi o início da paz, mas o início de uma nova guerra aberta. Muito antes do Dia da Independência, a 11 de Novembro de 1975, já os três grupos nacionalistas que tinham combatido o colonialismo português lutavam entre si pelo controle do país. Cada um deles era apoiado por potências estrangeiras, dando ao conflito uma dimensão internacional.

Em maio de 1977, um grupo do MPLA encabeçado por Nito Alves, desencadeou um golpe de Estado e provocou um banho de sangue. No final deste ano, o MPLA realizou o seu 1º Congresso, onde se proclamou como sendo um partido marxista-leninista, adoptando o nome de MPLA-Partido do Trabalho.

A guerra continuava a alastrar por todo o território. Agostinho Neto morreu em Moscovo a 10 de setembro de 1979, sucedendo-lhe no cargo o ministro da Planificação, o engenheiro José Eduardo dos Santos.

A partir de 1989, com a queda do bloco da ex-União Soviética, sucederam-se em Angola os acordos de paz entre a Unita e o MPLA, seguidos do recomeço das hostilidades. Em Junho de 1989, em Gbadolite (Zaire), a Unita e o MPLA estabeleceram uma nova trégua. A paz apenas durou dois meses.

Em fins de abril de 1990, o governo de Angola anunciou o reinício das conversações diretas com a Unita, com vista ao estabelecimento do cessar-fogo. No mês seguinte, a Unita reconhecia oficialmente José Eduardo dos Santos como o Chefe de Estado angolano. O desmoronar da União Soviética acelerou o processo de democratização. No final do ano, o MPLA anunciava a introdução de reformas democráticas no país. A 11 de maio de 1991, o governo publicou uma lei que autorizava a criação de novos partidos, pondo fim ao monopartidarismo. A 22 de maio os últimos cubanos saíram de Angola.
Em 31 de maio de 1991, com a mediação de Portugal, EUA, União Soviética e da ONU, celebraram-se os acordos de Bicesse (Estoril), terminando com a guerra civil desde 1975, e marcando as eleições para o ano seguinte.

As eleições de setembro de 1992, deram a vitória ao MPLA (cerca de 50% dos votos). A Unita (cerca de 40% dos votos) não reconheceu os resultados eleitorais. Quase de imediato sucedeu-se um banho de sangue, reiniciando-se o conflito armado, primeiro em Luanda, mas alastrando-se rapidamente ao restante território.

A Unita restabeleceu primeiramente a sua capital no Planalto Central com sede no Huambo (antiga Nova Lisboa), no leste e norte.

Em 1993, o Conselho de Segurança das Nações Unidas embargou as transferências de armas e petróleo para a Unita. Tanto o governo como a Unita acordaram em parar as novas aquisições de armas, mas tudo não passou de palavras.

Em novembro de 1994, celebrou-se o Protocolo de Lusaka, na Zâmbia entre a Unita e o governo de Angola. A paz parecia mais do que nunca estar perto de ser alcançada. A Unita usou o acordo de paz de Lusaka para impedir mais perdas territoriais e para fortalecer as suas forças militares. Em 1996 e 1997 adquiriu grandes quantidades de armamentos e combustível, enquanto ia cumprindo, sem pressa, vários dos compromissos que assumira através do Protocolo de Lusaka.

Entretanto, o Ocidente passara a apoiar o governo do MPLA, o que marcou o declínio militar e político da Unita. Em dezembro de 1998, Angola retornou ao estado de guerra aberta, que só parou em 2002, com a morte de Jonas Savimbi (líder da Unita). Com a morte do líder histórico da Unita, este movimento iniciou negociações com o Governo de Angola com vista à deposição das armas, deixando de ser um movimento armado, e assumindo-se como mera força política.