Generosidade, a marca da Família Gabriel
10/10/2023
Distante cinco quilômetros de Xaxim, na sossegada vila rural da Linha do Tigre, mora a família de Frei Augusto Luiz Gabriel. Ali ele cresceu e viveu sua infância e adolescência até tomar a decisão de ir para o Seminário em 2009, quando tinha 14 anos (veja NESTA ENTREVISTA como se deu seu discernimento vocacional).
A saudação de “Paz e Bem” na entrada da casa já dá todas as indicações de como foi o berço que alimentou o menino Augusto, principalmente o alimento do espírito. Família religiosa e praticante, desde cedo Frei Augusto passou a frequentar a igreja e ser também um participante. Mas antes, como conta, aprendeu no seio familiar a rezar. “Sempre antes de dormir, tenho a feliz lembrança de ver meu pai ao pé da cama me ajudando a ‘acertar’ aquela oração decorada. Mesmo depois de entrar para a Vida Religiosa, nos primeiros anos de Agudos, eles me recordavam deste compromisso de sempre rezar. Em minha comunidade, tem-se ainda o bonito costume de rezar o terço em família. A capelinha passa de família em família, uma vez por mês e é um momento bonito de oração com os seus”, recorda o ordenando.
No primeiro dia da Semana Missionária, os seus pais, Domingos Gabriel e Elenir Fátima Roman Gabriel, receberam a equipe do Serviço de Animação Vocacional (SAV) e eu para falar um pouco sobre este momento importante do único filho que está prestes a ser “servidor de Cristo e administrador dos mistérios de Deus”, como diz São Paulo na primeira Carta aos Coríntios. A irmã Tatiana é casada com Luciano Dervanoski e pais da pequena Angela Hellena, a sobrinha querida do tio “coruja”. Tatiana é professora de exatas.
Por muitos anos, seus pais viveram da agricultura familiar. Atualmente, seu Domingos é aposentado, mas de profissão é carpinteiro, pedreiro e define seu trabalho como construção civil, mas “ele faz de tudo”, conta o filho. É difícil encontrar uma família da vila que não tenha contratado seus serviços. Hoje, ainda exerce seu ofício nesta área – mas com menos frequência -, bem como cuida da manutenção da casa e da roça. Dona Elenir trabalha em uma escola infantil da cidade, mas já foi costureira, cozinheira, bibliotecária… Segundo Frei Augusto, a irmã “é o braço direito no cuidado dos pais”.
Generosidade é a marca oficial desta família. Não há visita que saia de sua casa sem um litro de vinho, uma fruta ou doce dos mais variados sabores. Eles fazem isso com tanta normalidade que já é um sacramento! Sacramento do amor, da união, da familiaridade, da generosidade e da gratidão, pela gratuidade das coisas de Deus e da terra que ali cultivam. “Aprendi deles as melhores coisas e continuo aprendendo a cada vez que os visito nas férias e em outras ocasiões. Sem dúvida, meus familiares são muito importantes na caminhada religiosa franciscana, eles também são franciscanos e deixam isso muito claro, com o dizer ‘Paz e Bem’, estampado na área de casa!”, avalia Frei Augusto.
Site Franciscanos – Quando perceberam que o Menino Augusto desejava ser padre?
Dª. Elenir – Eu não sei dizer exatamente quando. O Augusto era uma criança bem agitada, diria elétrica. Ele estava sempre fazendo alguma coisa. E assim ele cresceu até a adolescência, e quando foi na Missa de sétimo dia do meu tio, que era repórter da Rádio Cultura, ele quis conversar com um frade. E a partir daí começou a engrenar e Frei René Zarpelon indicou a ele os encontros vocacionais e depois os estágios. Ele tinha 13 anos.
Sr. Domingos – Aos 14 anos ele foi para o Seminário de Agudos, um lugar que já conhecíamos por ter um afiliado ali. Nós não tínhamos condições de comprar todo o enxoval e torcíamos para que ele não desistisse. Com um mês no Seminário, ele ligou e disse: “Compre a passagem que vou embora”. Mas estava brincando. Ele estava gostando muito de estar ali. A partir daí nós o acompanhamos e dávamos força para continuar.
Site Franciscanos – Mas desde cedo, quando ensinaram ele rezar, foi lançada a semente da vocação?
Sr. Domingos – A força do nono dele, que era zelador do calendário de Santo Antônio, ajudou muito. Ele a nona rezavam muito. Quando era criança, meu pai chamava todos para a cozinha “escutar a missa”. Depois quando crescemos, tínhamos que ir para as celebrações. A fé já tínhamos antes e depois passamos para os filhos.
Dª. Elenir – Desde muito cedo eu aprendi a rezar pelas vocações com minha catequista. Sempre rezava. E depois com os filhos, desde cedo falávamos destas possibilidades e diversos caminhos. Também me recordo que nunca deixei de participar das Missas e isso só aumentou quando casei com o Mingo.
Site Franciscanos – Como foi o ingresso no seminário?
Sr. Domingos – Na hora que ele partiu, parece que levou um pedaço do nosso coração. Durante mais ou menos vinte dias, a gente sentia falta dele na casa.
eDª Elenir – Nós criávamos bezerros. No dia que ele foi, reuniu eles e deu comida e água para os “bichinhos”, do qual sempre foi muito apegado. Depois olhou para nós e disse: “Não falem nada. Eu não quero chorar. Eu quero ir, mas é muito difícil”. Daqui até Xaxim, nenhum dos três conseguiu falar uma palavra. Daí a gente chegou na matriz, olhei para aquela igreja e falei assim: “Deus, me dê forças!”. Na casa paroquial, conversei com os outros meninos que iriam também para o seminário. Mas no fundo estava fugindo da situação. Quando vi a van preta fechar as portas, a ficha caiu. Depois, quando eu ia trabalhar, esperava encontrar a casa com ele, mas ela estava fechada. Dava uma tristeza…
Site Franciscanos – Então, ele também animava a casa?
Sr. Domingos – Ele colocava os óculos escuros, o chapéu grande e não deixava o rádio por nada. Ouvia o dia inteiro! Ele até dizia que queria ser cantor (risos).
Dª Elenir – Ele ia até tirar leite das vacas com o rádio ligado! E os cachorros estavam sempre com ele. Quando eu comecei a trabalhar fora, ele tinha 13 anos. Com isso, ele ficou o dono da casa. Ficou um menino muito caprichoso. A metade do dia que ficava em casa, lavava a roupa dele e passava. Dobrava e deixava toda organizada no guarda-roupa.
Site Franciscanos – Com o tempo a saudade foi diminuindo?
Dª Elenir – Nós íamos sempre visitá-lo. O período mais difícil foi no Noviciado porque os noviços não podem receber visitas. No dia que ele veio para o Noviciado, despedimos dele e eu comecei a chorar. Um senhor me disse: “Não deve chorar, pois ele está num bom caminho”. Com o tempo, com as visitas, fomos conhecendo mais como era vida dos franciscanos.
Site Franciscanos – Como está o coração para receber este momento na vida de Frei Augusto?
Sr. Domingos – Uma alegria imensa. Não tem outra palavra para definir isso, senão felicidade. Ele atinge um ponto importante de sua caminhada. E é uma caminhada que ele se sente feliz, o que importa para nós.
Dª Elenir – É muito gratificante ver como começamos nossa vida. Criamos nossos filhos na pobreza: as roupas que usavam eram de doações, nunca tinham uma guloseima. Mas do nosso jeito conseguimos criar eles e eu sempre peço perdão a Deus porque, como ficava mais com eles, eu era uma pessoa dura com eles, talvez reflexo da situação que fui criada. Ver minha filha bem encaminhada e ver o Augusto agora, parece que não é verdade que passamos necessidades. A gente não passou fome. Porque nós plantávamos o que precisávamos para comer, mas sempre tudo muito simples. Hoje, com a graça de Deus, tudo melhorou!
Sr. Domingos – Mas nós nunca deixamos de trabalhar. Sempre lutamos.
Site Franciscanos – Como era o Augusto nos estudos?
Dª Elenir – Ele sempre foi um aluno aplicado. Nunca me chamaram para reclamar dele. Só uma vez e outra vez, quando jogou a bola em cima da escola. Mas não foi nada demais. Nos estudos, ele era muito atencioso. Cobrava dos colegas da turma. Na classe dele tinha uma menina muito humilde e as outras meninas não davam atenção para ela. Ele sempre estava perto dela. Fazia os trabalhos com ele. Quando tinha uma bicicleta que não usava mais, levou para a amiguinha dele. Isso me chamou a atenção.
Sobre sua vida, vou contar uma coisa que nunca contei para ninguém. Quando estava grávida do Augusto, vindo de Xaxim um dia, saindo da cidade com as compras, passou um carro e deu carona para mim porque só tinha lugar para uma pessoa. As pessoas do carro falaram que estavam a trabalho para o Frei Ludovico Garmus, e eu disse assim: “A nossa comunidade pode ser orgulhar de ter um padre”. Uma senhora, não sei se era uma irmã, disse assim: “Era pra se orgulhar, mas a gente precisa ter mais freis na comunidade”. Naquele momento, o Augusto se mexeu na minha barriga. E aquilo ficou marcado para mim. Eu lembro do lugar que estávamos na estrada, de tudo. Hoje, esse momento na minha vida fica mais claro.
Site Franciscanos – Como são os irmãos Augusto e Tatiana?
Tatiana – Eu sou a irmã mais velha. Temos 6 anos de diferença e ajudei cuidar de meu irmão quando éramos pequenos. O Augusto sempre foi forte e eu sofria pra carregá-lo, pois era magrinha. A diferença de idade serviu para que pudesse proteger e cuidar dele. Na escola, na maioria das vezes, estudávamos em turnos diferentes, pois a Escola Luiz Lunardi de Vila Tigre só tinha uma turma de cada série.
Sempre gostamos muito de esporte e se divertíamos jogando bola. Quando comecei a namorar o Luciano, eu era nova (tinha 13 anos) mas o Augusto não arredava o pé, era ciumento, e muito protetor.
Ambos somos geniosos, não gostamos de ceder, de perder, mas para que isso não acontecesse sempre demos o nosso melhor em tudo que iríamos fazer. Nos afazeres que nossos pais nos davam, nas tarefas da escola e, principalmente, no esporte. Quando fazia faculdade na cidade de Chapecó, voltava para casa próxima à meia-noite, no inverno gelado. O Augusto sempre deixava um ‘litrão’ de água quente para que pudesse me esquentar.
Tenho muito orgulho em dizer que tenho um irmão frei, que trilhou e trilha um ótimo caminho e também sou muito feliz pela sua escolha de vida, em transmitir a Palavra de Deus. Sempre acreditei nele, admiro sua coragem de ter saído de casa tão novo e ter feito uma brilhante escolha para sua vida. Sei o que sofreu e batalhou para chegar até aqui.
Hoje, o WhatsApp facilitou a nossa vida. Sempre que um precisa do outro conversamos, seja para jogar conversa fora ou acalmar o coração um do outro. A distância, muitas vezes, sufoca a falta de um abraço apertado. Nas datas comemorativas, fazemos vídeos para compartilhar.
Augusto, que Deus sempre te acompanhe, proteja, ilumine e guie seus passos. Sempre que precisar pode contar comigo e com a nossa família, que te ama muito. Seja luz na vida das pessoas e que você sempre possa ter resiliência para auxiliar as pessoas que precisarem de você.
Moacir Beggo