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“Espiritualidade e bem-estar” no quarto dia da Semana de Catequese

27/08/2021

Notícias

Autora de diversos livros de catequese, publicados pela Editora Vozes, a psicóloga Francine Porfírio foi a convidada do quarto dia (26/8) da 2ª Super Semana de Catequese, um evento da Editora Vozes que é on-line e gratuito, pelo canal YouTube da Editora Vozes, todos os dias às 19 horas, até 29 de agosto.

Natália França apresentou Francine (facebook.com/francine.porfirio) como especialista em Psicologia Clínica na abordagem da Análise do Comportamento (FEPAR) e pesquisadora e palestrante sobre comportamento moral, habilidades sociais, práticas parentais/educacionais e cultura da não violência (com ênfase na prevenção de comportamentos antissociais).

Francine falou neste encontro sobre “Espiritualidade e bem-estar”, um tema tão denso que estamos vivendo hoje. Segundo Francine, esse tema tem muito a ver com a sua experiência dentro da clínica. “Tenho recebido pessoas com diferentes tipos de sofrimento e são sofrimentos que associo bastante ao atual momento que todos nós enfrentamos, um momento de muitas restrições, muitas perdas, um momento sensível também, que levou as famílias a se sentirem inseguras e a terem no seu espaço de casa uma invasão de outros espaços. Pais trabalhando em casa, filhos estudando em casa e a própria dinâmica familiar acontecendo no meio desses contextos. E a catequese vindo para responder a esses anseios em que nós todos estamos buscando sentido. Ressignificar todas essas experiências é um grande desafio”, explicou a convidada.

Para ela, falar de espiritualidade é falar sobre o convite que todos nós recebemos para interpretar esses fenômenos tão sensíveis sem perder o nosso vínculo da vida como dom de Deus, apesar das dificuldades. “E falar de espiritualidade nesta perspectiva é falar também de bem-estar. Como nos sentir bem hoje com tantas dificuldades? Como cultivar também nas nossas percepções, vendo as notícias, vendo os acontecimentos e também passando pelas nossas próprias experiências difíceis? Como encontrar nessas experiências fontes de esperança? Então, falar de espiritualidade e bem-estar me veio como um convite, talvez, à minha missão junto a vocês nesta noite”, acrescentou Francine.

“Quando a gente fala em saúde mental, esse termo nada mais é que pensar na saúde das nossas emoções, na saúde dos nossos pensamentos e na saúde física também. E a espiritualidade é uma via transversal a todas essas dimensões aos seres humanos. Quando a gente tem uma relação com nosso próprio espaço físico tão confusa, dentro de tantas tarefas que a gente tem que executar – sou catequista em casa, sou mãe em casa, sou profissional em casa e sou esposa em casa -, todos esses papéis sobrepostos acabam nos levando a ter uma rotina ainda mais densa, em que uma atividade se concatena com a outra e a gente se vê nesse processo estressante continuamente. Como encontrar momentos de descanso nesse caos?”, pergunta Francine.

Segundo ela, uma das coisas importantes de se fazer – e “aqui é a parte de desgourmetizar a espiritualidade” – é a gente se conectar com o processo de fazer as coisas. “As atividades que já fazem parte da rotina, precisam ser feitas com atenção focada, atenção plena. Qual o efeito disso no nosso organismo?”, questionou Francine, usando a analogia do corpo como um carro em constante viagem. “A vida é essa viagem. A gente sempre está trabalhando, objetivando chegar ao destino. O nosso objetivo é o que colocamos sempre na perspectiva futura. Se a gente só faz as coisas esperando que aquela atividade acabe, sabendo que depois daquela atividade só teremos outra, nosso carro nunca para, sempre está em movimento. E o problema de não parar é que você acaba perdendo as pequenas oportunidades que a vida lhe dá de ver as paisagens pela janela: De parar no mirante e sentir o vento no rosto, de descer desse carro para colocar combustível porque ninguém merece andar com o combustível baixo se preocupando se vai chegar até o fim do dia. É o caso de fazer a manutenção desse carro, até mesmo uma limpeza, para que a gente tenha um carro gostoso de se dirigir. Essa é a nossa vida. E diria que o sentido da vida é uma construção constante que não se faz chegando aos objetivos; se faz no processo do dirigir. A espiritualidade nada mais é que a atenção plena ao que fazemos enquanto dirigimos o carro. Vai tomar o seu banho? Não entre no seu banho preocupando em terminar logo porque daqui a pouco tem outras tarefas. Às vezes você nem percebeu o cheiro do sabonete no seu corpo, a água batendo na sua pele… O banho aconteceu podendo ser uma experiência para reduzir o seu estresse, para te ajudar também a ver essa paisagem, a se desligar um pouco das preocupações, e você perdeu essa oportunidade”, ensinou.

Outra sugestão é tomar a leitura orante da Bíblia como exemplo de fazer com atenção e foco. “Quando a gente faz esse movimento orante, nada mais estamos fazendo que lendo a Palavra com total atenção. A gente ensina isso na catequese e a gente também tem que fazer isso. Se ler a bíblia já é uma constante atividade que procuramos manter na rotina, vamos fazer dessa forma orante. Se se alimentar é parte do dia, e precisamos ter no mínimo três refeições, vamos comer com atenção. Vamos comer de uma forma orante, de uma forma que nos faça sentir gratidão pela comida que temos no prato, sentir sabor, perceber nos paladares diferentes do meu prato qual deles me agrada mais hoje. Se agraciar e se permitir, sentir a vida”, continuou Francine.

AJUDA DA ESPIRITUALIDADE

A espiritualidade pode ajudar na prevenção e suporte para o bem-estar da saúde mental. “A espiritualidade é bastante associada, inclusive, ao aumento da imunidade e ao enfrentamento de situações adversas com mais qualidade. Por exemplo: pacientes oncológicos que estão enfrentando a doença crônica do câncer, quando eles têm uma espiritualidade desenvolvida tendem a reagir melhor ao tratamento, também de uma forma mais resiliente, apegando-se também às suas crenças e à sua percepção otimista que pode dar certo, apesar de às vezes o diagnóstico médico não ser tão otimista. A beleza da espiritualidade é que ela amplia nossa percepção. E a gente não fica mais restrito aos fatos, aos eventos, esperando talvez situações catastróficas que possam nos atingir”, explicou a convidada.

“Quando nós não temos uma espiritualidade bem desenvolvida, a gente acaba caindo na armadilha de responder às coisas que nos acontecem às vezes sob controle só das nossas emoções, ou seja, sinto-me irritado, sinto-me magoado, me sinto estressado e aí eu reajo às circunstâncias perdendo a chance de me sentir de outras formas  porque eu não consigo me conectar com o evento que está me acontecendo, ou o contrário pode ser também verdade: eu fico tão conectado com o evento que eu acabo analisando apenas objetivamente o fato. Aí todas as questões, até as afetivas, dos meus sentimentos, são deixadas de lado”, disse.

Francine deu um exemplo para clarificar: “Os valores cristãos, que todos nós aqui seguimos, eles vêm principalmente dos mandamentos, e aqui escolho ‘Amar ao próximo como a ti mesmo’. Com base nesse mandamento nós aprendemos – a catequese ensina – a seguir a nossa missão cristã nos colocando a serviço do próximo. E colocar-se a serviço do próximo abre um leque de comportamentos, como: ouvir, estar disponível, auxiliar, acolher, confortar. Vamos supor que na nossa paróquia, nós tenhamos essa postura de disponibilidade de serviço e devido a essa postura e às necessidades que vão surgindo às nossas paróquias, eu acabe sendo sempre chamado para ajudar, colaborar e me colocar disponível. Chega uma hora que, por mais que eu goste de fazer isso, por mais que corresponda aos meus próprios valores, isso pode cansar, isso pode me sobrecarregar, isso pode fazer deixar, às vezes, prioridades minhas de lado. Aí a gente perde a referência do mandamento ‘amar o próximo como a ti mesmo’. O amor próprio, o amor a mim mesmo, é uma referência para eu saber amar o próximo”, explicou Francine.

Francine pede para não cair na armadilha de achar que falar objetivamente – ‘hoje não posso’, ‘hoje não dá’, ‘me desculpe eu também não estou bem’, ‘será que a gente pode conversar depois’, ‘olha essa atividade dentre as que eu tenho para desenvolver vai ser demais para mim, vai reduzir meu tempo com a família’ – significa estar no lado oposto do valor cristão.

“Então, a espiritualidade para ser um fator de prevenção para a saúde mental, ela deve ser vivida de uma forma plena e completa. A partir do momento que ajudar as pessoas acaba se tornando uma tarefa, um dever, algo que tenho que cumprir para ter uma boa autoimagem, para fazer por merecer, ter o reconhecimento da minha comunidade, a gente não consegue sentir o prazer absoluto de estar a serviço”, observou.

LUTO NA PANDEMIA

Francine também falou de como é difícil lidar com luto numa situação de pandemia, quando nem se pode despedir dos entes queridos. Segundo ela, o velório é um rito muito importante para que possamos celebrar a vida dessa pessoa, os aprendizados que tivemos com ela. Por isso, a importância do processo de despedida, uma vez que a gente não consegue viver esse momento.

“Quando a gente pensa nas fases do luto, indo da negação até a aceitação, a gente tem que compreender que ressignificar a morte envolve também a nossa própria interpretação sobre a perda e aqui entra a espiritualidade cristã que a gente cultiva, de que a morte não é o fim, de que nós temos uma perspectiva bastante otimista, de que a partir dessa passagem nós teremos a oportunidade de um reencontro e de que a passagem da morte nos leva para mais próxima do criador”, explicou Francine.

“Este conforto que vem da doutrina que orienta nossa fé, é um conforto que nos auxilia para elaborar a nossa interpretação sobre essa perda”, disse, lembrando que essa perda também é resultado de um momento que poderia ser mais fácil se houvesse amparos melhores das nossas políticas: “Fica mais difícil a gente aceitar que o nosso ente querido se foi vítima dessa circunstância, desta doença ainda misteriosa”, acrescentou.

“A compreensão da morte nos auxilia a interpretá-la de uma forma um pouco mais sensível, sendo o passo principal para que a gente possa trabalhar esse luto, o contato com as nossas emoções. Quando eu mencionei da negação à aceitação, os processos que a gente tem que passar são principalmente de conexão e de entendimento de nossos sentimentos. Por isso eu contextualizei aqui que a perda de um ente querido para a Covid, por exemplo, é uma perda ainda mais difícil de a gente tentar compreender. Então, compreender talvez não seja a palavra e sim interpretar e buscar significado na vida daquela pessoa que partiu e o significado daquela pessoa que partiu ecoa nas vidas das pessoas que ficam e que carregam o legado, da aprendizagem, dos valores, dos momentos compartilhados. Viver o luto talvez de uma forma diferente como, quem sabe, velar essa pessoa a distância, com a família, não deixar o momento passar sem a oportunidade de as pessoas falarem sobre essa perda. Usar as redes e até mesmo as videoconferências para reunir a família para falar dessa perda, porque esse movimento ritualístico aconteceria de forma presencial. Uma vez que isso foi roubado, a sugestão pode ser mais um fator de conforto para essa família. A sugestão que eu lhes dou é sempre de entrar em contato com essas emoções, de sentir a perda, de expor essa perda para sua rede de apoio, de compartilhar essa dor e não viver essa dor de um modo solitário. De trazer a presença dessa pessoa que partiu para as nossas vidas de formas diferentes, até que a nossa dor se permita se tornar saudade, evitando que a morte seja um tabu, mas seja compreendida sobre o viés da nossa espiritualidade cristã como passagem”, sugeriu.

Francine também deu dicas práticas para cuidar da saúde mental. Mas ela chamou a atenção logo no início: “Uma coisa que eu acho importante dizer é que nós não podemos pensar que cuidamos de nossa espiritualidade, cuidamos das nossas emoções, cuidamos da nossa vida social e cuidamos do nosso corpo, de uma forma individualizada. Uma coisa se reflete na outra”, disse.

“Práticas são as mais variadas possíveis dentro dessa perspectiva, mais ampla, mais completa e mais integral da nossa vida. Por exemplo, cuidar da sua alimentação é cuidar também da saúde de suas emoções, porque nós temos inclusive hoje um entendimento da nutrição afetiva, que trabalha com os nutrientes que ajudam o nosso corpo a compensar os hormônios responsáveis pelo bem-estar, que combatem os hormônios do estresse. Comer certas coisas aumenta a endorfina, aumenta um pouquinho mais de ocitocina, que são hormônios responsáveis por nossas sensações de bem-estar. Cortisol e adrenalina demais no corpo reduzem sentimentos de bem-estar, produzem ansiedade e depressão. Quando coloco as coisas dessa forma, minha sugestão de práticas são: conecte-se com seu momento, porque essas pausas vão ajudar seu corpo a entender que ele não precisa produzir constantemente cortisol e adrenalina. Seu corpo vai entender que essas pausas são momentos de relaxamento. O relaxamento ajuda o seu corpo a trabalhar num nível saudável de estresse. O estresse não é nosso inimigo. Ele é necessário para que a gente sempre esteja funcionando acordado, trabalhando, tendo aí a energia necessária para enfrentar a vida. Ele só é maléfico para o nosso corpo quando ele é demais, produzido em excesso, sem pausas para que o nosso corpo metabolize bem todas essa descarga de hormônios que se tornam toxinas. As toxinas desses hormônios produzem sintomas, dores de cabeça, síndrome do colo irritável: ‘ou o intestino está preso ou está solto, nunca está bom’. A gente começa com dores musculares e a gente se torna aquele paciente poliqueixoso que vai para os diferentes médicos da vida, dizendo: ‘Ai, estou com dor de cabeça constante; estou com torcicolo’. E a gente não vê o pacote completo. O pacote completo é que esses sintomas são produto de um mesmo mecanismo da sua rotina”, alertou.

NA CATEQUESE

Francine falou ainda como propor um espaço de fortalecimento da espiritualidade e do bem-estar na catequese. “A catequese já produz esse movimento de uma forma natural. A partir do momento que a gente leva os nossos catequizandos a terem um contato com a Palavra de uma forma orante. A partir do momento que a gente também faz celebrações nos encontros de catequese, celebrações das quais colocamos uma música ambiente, nós trabalhamos o contexto do momento, nós posicionamos os catequizandos de uma forma que eles vejam também os elementos litúrgicos que selecionamos. Nós trabalhamos os sentidos desses elementos litúrgicos que fazem parte dessa decoração, que tem um significado. Isso tudo é exercício de espiritualidade, de conexão com esse ambiente que me acolhe, que é o espaço da catequese. Sempre que a gente faz com que esse catequizando se conecte com o que está acontecendo, a gente faz esse exercício de ressignificar a experiência de eu estar aqui. O movimento da catequese renovada vem ao encontro de uma espiritualidade prática. O catequista não pode perder de vista isso. Viver a espiritualidade a cada momento, encontrar na vida os seus diferentes milagres, encontrar na vida os diferentes sinais que Deus nos manda”, completou.

CONHEÇA A CONVIDADA

Psicóloga e especialista em Psicologia Clínica na abordagem da Análise do Comportamento (FEPAR). Especialista em Assessoria Linguística (ITECNE). Especialista em Pedagogia: Gestão e Docência (PUCPR). Mestranda em Educação (UFPR). Assistente editorial na IESDE. Revisora e preparadora textual (copidesque) de obras nacionais e traduzidas (inglês e espanhol). Leitora crítica profissional, com experiência na análise de materiais didáticos, acadêmicos e, especialmente, literários. Consultora educacional com experiência em Planos Curriculares. Experiência de consultoria em Pastoral Escolar e Ensino Religioso. Assessora editorial (análise de originais e parecer para editoras). Escritora com publicações didáticas e literárias. Pesquisadora e palestrante sobre comportamento moral, habilidades sociais, práticas parentais/educacionais e cultura da não violência (com ênfase na prevenção de comportamentos antissociais).