“Jesus Comunicador, o grande catequista”, uma aula de Moisés Sbardelotto
28/08/2021
No quinto dia (27/8) da Super Semana da Catequese da Editora Vozes, os participantes deste evento on-line e gratuito ganharam uma formação caquética do jornalista e escritor Moisés Sbardelotto (@msbardelotto), autor entre outros livros de “Comunicar a fé: por quê? Para quê? Com quem?” (Vozes, 2020).
Na sua acolhida, Natália França citou que Moisés é mestre e doutor em Ciências da Comunicação pela Unisinos. É professor da PUC Minas e palestrante, tradutor e consultor em Comunicação para diversos órgãos e instituições civis e religiosos.
Jesus Comunicador, o grande catequista
Para o autor, o tema de hoje é central para todo (a) catequista. “É impossível pensar qualquer processo catequético se a pessoa de Jesus não se faz presente. Ele é o grande catequista de todos nós”, disse Sbardelotto, explicando que o objetivo é tentar essa aproximação da comunicação de Jesus e, ao mesmo tempo, como o seu modo de se comunicar nos inspiram também no trabalho catequético, que é a missão do catequista e da catequista.
Segundo ele, o ponto central está na Evangelii gaudium, do Papa Francisco. “De forma bastante clara, esse documento fala justamente da alegria do Evangelho, da alegria de evangelizar. E lá ele vai lembrar desse aspecto central de nossa fé quando diz, repetindo uma frase que é de Bento XVI, ‘Ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa (…) Aqui está a fonte da ação evangelizadora. Porque, se alguém acolheu este amor que lhe devolve o sentido da vida, como é que pode conter o desejo de o comunicar aos outros?'”
Segundo o palestrante, todo catequista e toda catequista precisam fazer esse encontro com a Pessoa de Jesus, experimentar esse discipulado, essa amizade, essa convivência com a Pessoa de Jesus. “Porque, vai dizer o Papa, se alguém acolheu esse amor que lhe devolve o sentido da vida, como é que pode conter o desejo de comunicar aos outros? Então, também para todo missionário, para toda missionária, mas particularmente para quem é catequista e atua nas várias dimensões da catequese, justamente o encontro com a Pessoa de Jesus faz, digamos assim, transbordar a própria pessoa de sentido, de vida, de amor, e, a partir desse transbordamento, a pessoa passa a comunicar para os demais”, explicou.
Para o autor, o novo Diretório para Catequese, que foi lançado no ano passado pelo Pontifício Conselho da Nova Evangelização, vai reiterar isso também, aproximando já da catequese. “Ele vai dizer: ‘O ato de fé nasce do amor que deseja conhecer cada vez mais o Senhor Jesus, que vive na Igreja; por esta razão, iniciar os crentes na vida cristã equivale a introduzi-los no encontro vivo com Ele. Evangelizar não é, primeiramente, transmitir uma doutrina. É antes tornar Jesus presente e anunciá-lo'”.(n.4, 29)
“Então, a experiência fundamental é de uma comunicação. Jesus que se comunica conosco, com cada catequista e, a partir dessa transformação na vida do catequista, comunica isto com os seus catequizandos”, destacou Sbardelotto. Segundo ele, a iniciação dos novos fiéis na vida cristã passa justamente por essa introdução no encontro vivo, nessa caminhada de fé, nessa experiência de fé com uma pessoa. “Não é tanto pensar, não é tanto decorar os elementos da doutrina, mas é experimentar essa relação com uma pessoa que é a Pessoa de Jesus”, enfatizou.
Linguagem do povo, encarnada e inculturada
O primeiro aspecto que Moisés destaca é essa linguagem que Jesus usa e a forma como os Evangelhos nos apresentam essa comunicação de Jesus. “Afinal, Jesus não deixou nada escrito, nenhum monumento em honra a ele mesmo, ao contrário de outros imperadores, reis, enfim, personalidades da história. Tudo que sabemos de Jesus, nós sabemos por causa de um processo de comunicação que passa por outras pessoas que experimentaram esse encontro com Jesus: os apóstolos, Maria Madalena, enfim, toda aquela comunidade que seguia Jesus e vai relatando isso ao longo da história, por escrito, pela tradição oral, até chegar a nós”, explica.
Para Sbardelotto, essa comunicação que chega até nós, dois mil anos depois, nos apresenta uma linguagem de Jesus bastante marcada por a sua relação com pessoas concretas. “Uma linguagem que é encarnada – afinal ele é o Deus encarnado -, mas encarnada na vida desse povo, na experiência desse povo, e inculturada, afinal Jesus viveu num período histórico, numa região do globo específica. Então, Jesus fala e se comunica dentro desse universo. E, portanto, hoje nosso desafio é como traduzir essa experiência localizada no tempo e no espaço para dois mil anos depois? Outro espaço, outra geografia, no nosso país”, provoca.
Sbardelotto busca nos Evangelhos para ver os discípulos e as primeiras comunidades cristãs comunicam quem é Jesus. Os primeiros relatos vão dizer ‘Os discípulos aproximaram-se, e perguntaram a Jesus: «Por que usas parábolas para falar com eles?» Jesus respondeu: «Porque a vocês foi dado conhecer os mistérios do Reino do Céu, mas a eles não. (…) É por isso que eu uso parábolas para falar com eles: assim eles olham e não veem, ouvem e não escutam nem compreendem’. (Mt 13. 10-17)”.
“Então, claro, como falar de Jesus sem as suas parábolas, um elemento básico, digamos assim, para a comunicação de Jesus?”, pergunta Moisés. Segundo Moisés, as parábolas estão cheias de elementos da vida cotidiana: ovelhas, campo, pérola, fermento, moeda, videira, moeda, videira, figueira. “Quer dizer, elementos da vida cotidiana daquele povo, daquela cultura onde ele estava. Mas ao mesmo tempo, a partir desse cotidiano, Jesus dá o salto e transforma todos esses elementos em símbolos, metáforas, imagens do Reino de Deus, da pessoa do Pai, desse pai, desse pai e mãe amorosos. Por isso, a teologia de Jesus é concreta, não é uma teologia, digamos assim, que fica elucubrando questões teóricas. Não! Ela é concreta, encarnada, ela é prática, acessível, por isso os pescadores, as pessoas simples daquela época podiam entender o que Jesus estava dizendo”, observa.
Para Sbardelotto, por trás da simplicidade da linguagem havia uma profundidade imensa de sentidos, de símbolos, de significados. “Mas ao mesmo tempo a parábola, embora pareça simples, singela, acessível, é um pouco aquilo que Jesus diz ali: ‘olhem e não vejam, ouçam mas não escutem’. Por quê? Porque a parábola diz tudo a quem se dispõe a ouvir, mas pode não diz nada para quem fecha o ouvido. Então, a parábola é um gênero de linguagem, vamos dizer assim, que depende muito de quem está ouvindo o relato. É uma relação que se estabelece entre quem está contando a parábola e quem está ouvindo. Então, se a pessoa ouve, embora fale de questões do cotidiano, se a pessoa fecha o ouvido e não tenta ou faz de propósito para não entender o significado do que está por trás do relato, ela não vai entender nada. Mas para quem se dispõe ouvir, aqueles símbolos simples, as imagens, vão revelar um universo riquíssimo de sentidos e significados”, explicou.
Moisés exemplificou com a parábola do Filho Pródigo, lembrando que, na tradição judaica, a figura do pai ou do filho mais velho são muito relevantes. “A parábola do Filho Pródigo como a gente conhece é uma parábola que questiona, que surpreende, que subverte. É o pai que dá toda a atenção para aquele filho que viveu uma vida desregrada e gastou todas as riquezas. É algo bastante cotidiano, mas é uma história, um fato, uma narração que subverte as expectativas dos próprios ouvintes. Para aqueles ouvintes, eles esperariam que o filho mais velho receberia mais atenção, seria elogiado pela sua cultura. Mas não, Jesus subverte a realidade, as expectativas, para mostrar um outro olhar sobre a realidade, um outro olhar sobre Deus. Não mais um Deus vingativo, justiceiro, castigador, não! Mas Deus que é pai, um Deus que ama, um Deus que recebe de braços abertos aquele filho, faz uma festa para aquele filho que se perdeu”, explica, lembrando que todas as parábolas são narrativas abertas.
“Tanto é que dois mil anos depois nós continuamos refletindo sobre esses textos e esses textos continuam nos trazendo novos sentidos novos significados, ajudando-nos entender realidades que nem eram pensáveis naquela época, por exemplo, uma pandemia do coronavírus. E a gente vai ler certas parábolas e elas nos ajudam a também a entender e dar sentido para isso que estamos vivendo hoje. Então, são narrativas inconclusas, digamos assim. Não têm um ponto final e ao mesmo tempo são polissêmicas, tem inúmeros significados e sentidos possíveis. Depende de cada leitura, de cada momento que façamos essa leitura, no contexto em que vamos fazer essa leitura. Por isso, o ouvinte é ativo nesse processo”, acrescentou.
Segundo Sbardelotto, Jesus dialoga com essas multidões por meio das parábolas para revelar a verdade. “Não traz a verdade pronta. É um processo de comunicação, um diálogo que o ouvinte, a outra pessoa, é fundamental para que esse sentido e esse significado profundos venham à tona”, explica.
Ele lembra que no Diretório de Comunicação da Igreja do Brasil há um capítulo inteiro sobre catequese e liturgia que também vai dizer isso: “Jesus cria uma linguagem simples e direta para comunicar o Reino de Deus, falando por meio de parábolas. Aproxima-se da mulher, da criança, do órfão, do pobre, do sofredor, do centurião, com uma atitude acolhedora e aberta. Ao agir dessa forma, Jesus desperta nas pessoas confiança e segurança para que elas possam revelar suas fores, seus sonhos, sua riqueza interior e seus projetos (n.44)”.
“As pessoas abrem a sua vida para Jesus, a partir desse diálogo que se estabelece, portanto, a partir desses relatos”, ressalta.
Em outra citação do Evangelho, Lc 4, 17-19, a primeira palavra proferida por Jesus é quando ele anuncia a sua missão. Então, ele está lá na sinagoga, no sábado, ele sobe o ambão para fazer a leitura do texto bíblico. Então, o Evangelho de Lucas vai dizer: “Abrindo o livro, Jesus encontrou a passagem onde está escrito: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção, para anunciar a Boa Notícia aos pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos presos e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos, e para proclamar um ano de graça do Senhor”.
“Então, aqui a gente tem a síntese da missão de Jesus, aquilo que ele veio comunicar para nós. Em primeiro lugar é algo bom e algo inovador, algo novo, algo que desperta o interesse das pessoas. E aqui estão elencados os públicos alvos de Jesus: os pobres, os presos, os cegos, os oprimidos. A gente pode também traduzir essas categorias sociais para hoje. Quem são os pobres de hoje? Quem são os presos de hoje? Quem são os cegos de hoje? Quem são os oprimidos de hoje? Literalmente, mas também simbolicamente”, esclarece. “E essa comunicação de Jesus, que em primeiro lugar é libertadora, recupera a saúde plena e integral das pessoas, anuncia algo que é de grande alegria: um ano de graça. O jubileu, como se diria, um ano de festa, um ano de perdão, de paz, de amor. Um tempo de graça que Jesus vem anunciar para todos nós. Esse é o núcleo, digamos assim, da comunicação de Jesus, dessa linguagem dele”, enfatiza Moisés.
Sbardelotto cita os Atos (At 10,34-38) onde outro relato vai mostrar como a comunicação de Jesus foi interpretada. É quando Pedro vai fazer um de seus primeiros discursos públicos como cabeça da Igreja: “(…)Vocês sabem o que aconteceu em toda a Judéia, a começar pela Galileia, depois do batismo pregado por João. Eu me refiro a Jesus de Nazaré: Deus o ungiu com o Espírito Santo e com poder. E Jesus andou por toda parte, fazendo o bem”.
“Vejam que belíssima essa frase! Pedro sintetiza quem foi Jesus e o que ele comunicou na sua vida inteira. Quem foi Jesus? Alguém ‘que andou por toda a parte fazendo o bem’. Que belo epitáfio para cada um de nós se pudermos usar um dia: Quem foi Moisés? Quem foi Natália? Quem foi o João? Quem foi a Maria? ‘Alguém que andou por toda a parte fazendo o bem’. É a síntese da comunicação de Jesus, que o próprio Pedro anuncia para aquelas primeiras comunidades”, ilustra o palestrante.
O que a gente tem nesse primeiro relato. Em primeiro lugar a boa nova que Jesus anuncia é concreta e palpável. Muda a vida dos cegos, muda a vida dos pobres, dos oprimidos. Todos se sentem representados nessa boa nova para cada um que está ouvindo o anúncio de Jesus. E Jesus usa todo o seu corpo. É uma linguagem encarnada. Se pegarmos os relatos do Evangelho, nós temos Jesus que toca, que abraça, que chora, que soa sangue, que perde seu sangue na cruz, que sua, sem dúvida, porque caminha por tantas regiões da atual Palestina. Saliva, fala muito, cura com cuspe para fazer o barro e colocar nos olhos do cego. Os vários afetos e outros elementos da natureza, o barro como falei, o pão, o vinho, os peixes.
Segundo o jornalista, a comunicação encarnada de Jesus passa pelo corpo, pelas sensações, pelos sentidos, pelas experiências palpáveis e, ao mesmo tempo, é uma comunicação inculturada dentro da cultura daquele povo. “Então, se a gente pega os relatos do Evangelho, as parábolas, os discursos e tudo aquilo que Jesus fez e disse, é uma comunicação cheia de cores, de cheiros, de sabores. E é uma comunicação que passa pelo corpo inteiro do próprio Jesus, como diz Pedro: ‘Jesus andou por toda a parte fazendo o bem’. O Papa Francisco sempre fala dessa interrelação entre mãos, cabeça e coração. Para que aquilo que a gente faça, a gente faça conscientemente, portanto usando a cabeça; e faça com amor, portanto usando o coração, mas ao mesmo tempo que tudo aquilo que a gente pense, a gente pense a partir daquilo que se faz com as nossas mãos e partir daquilo que se sente com o coração. Mãos, cabeça, coração e pés porque Jesus se põe em movimento, caminha e comunica essa boa nova para vários públicos, para várias pessoas em várias situações diferentes. Jesus não se cansa. Jesus é incansável nesse sentido, nessa missão de anunciar a boa nova para quem quer que seja e estiver disposto a ouvi-lo”, detalhou.
O Diretório de Comunicação, nesse sentido, vai dizer que a imagem de Jesus é a imagem viva do amor de Deus e de seu desejo de relacionar-se com o ser humano, expresso nos gestos, nas emoções e nos comportamentos qe caracterizam Jesus o amor misericordioso e primoroso para com os rejeitados, os pobres, os marginalizados, os sofredores, o que não é uma mera representação do amor de Deus, mas sua atualização (n.43)
“Com toda essa comunicação de Jesus, Jesus comunica, no fundo, um Deus que é amor, um Deus que ama. Um Deus que se distancia daquele Deus muitas vezes apresentado no Antigo Testamento com outro tipo de comunicação: um Deus dos exércitos, um Deus da vingança, um Deus que destrói, um Deus que mata. Não, Jesus traz e revela a partir desses relatos que são humanos, também localizados em certas culturas e certos lugares. Jesus vem trazer uma outra face de Deus, a face verdadeira de Deus, que é amor e quer se relacionar com o ser humano. Jesus mostra isso com seus gestos, com seu comportamento, com sua vida.
Estilo comunicativo pedagógico
Para o palestrante, a gente pode falar que não se trata só de uma linguagem, de um conteúdo que Jesus vem trazer, mas Jesus comunicador vem trazer, no fundo, um estilo de comunicação, que ao mesmo tempo é um estilo pedagógico e, por isso, a gente pode dizer que Jesus foi o grande catequista, porque essa comunicação é uma comunicação que busca fazer com que essas pessoas conheçam, experimentem, vivam esse amor de Deus que ele comunica com seus gestos e suas palavras.
Sbardelotto toma outro trecho do Evangelho de Mateus (7, 28-29) para fundamentar sua fala: -Quando Jesus acabou de dizer essas palavras, as multidões ficaram admiradas com o seu ensinamento, porque Jesus ensinava como alguém que tem autoridade, e não como os doutores da Lei. “Interessante, Jesus faz o discurso e as multidões reconhecem nele alguém quem tem autoridade. Mas quem tinha autoridade sobre o ensino, a Palavra de Deus na época eram os doutores da Lei. Eles, contudo, não eram reconhecidos como pessoas que tinham autoridade. Jesus colocava em prática o que ele comunicava. Não era só um discurso, ao contrário dos doutores da lei, que eram só discurso, palavras bonitas, mas a prática desses doutores da lei era outra coisa. Não, Jesus ensinava com alguém que tem autoridade”, explicitou.
No relato de Emaús, uma nova síntese belíssima de quem foi Jesus, segundo Sbardelotto. E no relato de Emaús, aqueles dois discípulos estão indo embora tristes. Quando Jesus pergunta: o que vocês estão conversando, eles dizem: “Sobre Jesus, o Nazareno, que foi um profeta poderoso em ação e palavras diante de Deus e de todo o povo (Lc 24,19)”.
“Jesus foi um ‘profeta poderoso em ação e palavras’. Essa união entre ação e palavra não é só mero discurso. O discurso é colocado em prática, é vivido na vida concreta de Jesus. Portanto, na sua ação ele é reconhecido com um rabi, como um mestre porque ele ensna com a vida. Por isso que os cristãos são chamados a seguir Jesus e não ouvi-lo apenas. Não ler Jesus. Seguir Jesus porque caminha, faz coisas, vive de um modo específico e, portanto, é no seguimento, na convivência que a gente vai aprender com a vida de Jesus”, ensina.
Sbardelotto diz que Jesus consegue ser alguém de autoridade, unindo duas dimensões que também são fundamentais para todo catequista: magistério e ministério. “O magistério, quer dizer alguém acima, que fala com autoridade, que tem uma boa comunicação, que sabe o que está falando, mas ao mesmo tempo o ministério, o minos, menos, inferior, que se coloca no nível das pessoas, que se coloca a serviço das pessoas. Quer dizer, tudo aquilo que foi dito magisterialmente tem que ser colocado em prática ministerialmente no serviço, no amor ao próximo”, ressaltou.
Portanto, continua o palestrante a comunicação de Jesus foi muito pautada sempre pelo testemunho e pela coerência. “Jesus nunca foi incoerente. Tudo aquilo que ele disse, ele viveu, colocou em prática. E ele continua comunicando até hoje pelo seu testemunho; muitas vezes as pessoas não conhecem os discursos de Jesus mas sabem o que ele fez: o sofrimento dele na cruz, a entrega dele pelos discípulos, o amor dele pelas pessoas. E isso fala muito mais: o testemunho. É uma vida que comunica vida para todos. Vida em abundância. Uma vida que se doa. Derrama até a última gota de sangue pelos outros, por amor, por entrega. Uma vida que comunica vida. E isso todos os catequistas e todas as catequistas são chamados e chamadas também a viver na sua prática catequética, orientou.
O Diretório Nacional de Catequese também vai dizer isso: “A Revelação tem sua plenitude na pessoa de Jesus Cristo, em suas obras e palavras, em sua vida (…) A Igreja (…) transmite a Revelação e anuncia a Salvação através do mesmo processo pedagógico de palavras e obras, sobretudo nos sacramentos (…) o exercendo o ministério da Palavra da qual faz parte a catequese (n.22)”.
“Então, a catequese é chamada a assumir esse mesmo processo pedagógico de palavras e obras. Os sacramentos são isso. A leitura da Palavra e, ao mesmo tempo, o gesto, algo simples e palpável, mas todo o processo catequético tem que ser isso. Processo catequético não só marcado por palavras, não só por discursos, não só por teorias, mas obras, experiências concretas do amor de Deus, do amor ao próximo, do serviço, da acolhida, do perdão, por obras. Essa é a Comunicação pedagógica de Jesus”, ressaltou.
Segundo o Diretório Jesus se revela na vida e na história humana, respeitando capacidades e modos de ser. “Então, esse é o desafio de todo catequista e toda catequista. Ele tem que ser uma vitrine, um modelo, em primeiro lugar de como é seguir Jesus. E ao mesmo tempo alguém que está inserido na vida de seus catequizandos, na história deles. Na história pessoal, familiar, respeitando a capacidade de cada um e o modo de ser de cada um. Afinal, a gente sabe a diversidade que temos não só numa mesma turma de catequese, mas no processo catequético. Crianças, adolescentes, casais, adultos. Então, a capacidade e o modo de ser de cada um, como Jesus fez na sua época”, esclareceu.
O Diretório da Catequese da Santa Sé, esse novo, vai dizer dois aspectos centrais para a catequese hoje, dentro desse contexto da nova evangelização. “São três. Eu estou trazendo dois. O primeiro é uma catequese em saída, mas a gente já falou de Jesus que andou por toda parte. Quer dizer uma catequese que se ponha em saída, em movimento junto com os catequizandos (as). O segundo elemento é uma catequese marcada pela misericórdia. E aí o Diretório vai dizer: ‘A nova evangelização não pode deixar de recorrer à linguagem da misericórdia, feita de gestos e de atitudes, antes ainda que de palavras (…) toda a ação catequética é sustentada pela misericórdia (…). Além disso, se a misericórdia é o núcleo da Revelação, há de ser também a condição do anúncio e o estilo da sua pedagogia’ (nn. 51-52)”, pontuou Sbardelotto.
Segundo ele, Jesus nos comunica um Deus que é amor, um Deus que é misericórdia: “Então também o método pedagógico, o método comunicativo da catequese, tem como eixo central essa mesma misericórdia, esse amor de Deus, que se comunica com gestos e atitudes, que a gente aprende em Jesus vendo os gestos e atitudes feitos por ele, mas hoje cada catequista também é chamado a praticar esses mesmo gestos e atitudes nas realidades de hoje e, partir desse exemplo, acompanhar os catequizandos. Não só os catequistas, mas todos os cristãos, a comunidade como um todo”.
A terceira dimensão é o diálogo. “Uma das formas, especialmente na cultura contemporânea, no Brasil que nós temos hoje, tão marcado pelos discursos de ódio, pela agressão, pela agressividade, de pôr em prática essa misericórdia é o diálogo. Então, o Diretório da Catequese vai dizer: ‘No tempo da nova evangelização, a Igreja deseja que também a catequese acentue este estilo dialógico, para que seja mais facilmente manifesto o rosto do Filho que, como com a Samaritana junto ao poço, fica a dialogar com cada ser humano, para o conduzir com sua suavidade à descoberta da água viva (cf. Jo 4,5-42). Neste sentido, a catequese eclesial é um autêntico ‘laboratório’ de diálogo’ (n.54)”, explicou Moisés.
“Que bela metáfora, que bela imagem se os nossos encontros catequéticos pudessem ser sempre esse laboratório de diálogo, de escuta, de respeito, de paciência, nunca de agressividade, nunca de soberba! Uma linguagem pacífica, como a de Jesus com a samaritana, por exemplo, nessa primeira imagem que o Diretório traz”, observou, exemplificando também o relato de Emaús, quando Jesus vai ao encontro dos discípulos que estavam tristes e os escuta. “Então, no caminho catequético, todo catequista é chamado a ir ao encontro de seus catequizandos, onde eles estiverem. Não esperar que os catequizandos venham. Mas ir lá onde estão, na alegria, na tristeza, na dor, na esperança. Ir ao encontro desses discípulos onde eles estão”, ilustrou. “E Jesus se insere nessa conversa ministerialmente, escutando. Ele não começa falando, ele escuta. Pergunta e dá espaço para os discípulos falarem de suas dores, de suas tristezas, das suas decepções. Segundo o Papa Francisco, ao comentar este evangelho, quando esteve no Brasil, disse: ‘Precisamos de uma Igreja que saiba dialogar com aqueles discípulos que, fugindo de Jerusalém, vagam sem meta (…) com a desilusão de um cristianismo considerado hoje um terreno estéril, infecundo, incapaz de gerar sentido'”.
“Então, hoje também nós vivemos uma cultura que o cristianismo já não faz mais sentido. Estéril, infecundo, incapaz de gerar sentido. Mas continuamos tendo desafios de conseguir dialogar com as pessoas de hoje, desde as crianças e os adultos. Principalmente os adultos que já trazem outras marcas, outras experiências de fé. Mas esses três verbos: encontrar as pessoas onde elas estão, escutá-las e, a partir daí, dialogar. Quer dizer, também anunciar a verdade, mas em primeiro lugar a partir da escuta, reconhecendo que muitas vezes os nossos públicos, os nossos catequizandos, vivem realidades duras de sofrimentos, decepções com a própria Igreja, más experiências, mas mesmo assim estão buscando ali uma experiência de fé. Que no nosso processo catequético a gente possa seguir esse exemplo de Jesus de acolhida, de escuta e de diálogo”, desejou.
Concluindo para começar: Jesus comunicador, ontem, hoje e sempre
“Falar de Jesus comunicador, a gente está fazendo isso há dois mil nos e não terminamos. Certamente, não terminaremos pelos próximos anos. Falar de Jesus que se comunica é falar de um Jesus que comunicou ontem, continua se comunicando hoje e seguirá se comunicando conosco sempre. ‘Eu estarei convosco até os fins dos tempos’.
É importante terminar essa nossa conversa trazendo aquilo que eu trouxe no início. Todo processo catequético nasce em Jesus e, no fundo, Jesus é o verdadeiro catequista. Nós tentamos ajudá-lo nesse processo, melhor ainda se não O atrapalharmos. Nós, catequistas humanos, precisamos estar numa perfeita união com ele. Aprender com ele, conviver com ele, para que o nosso processo catequético com os nossos catequizandos favoreça essa comunicação com Jesus. E na Evangelii Gaudium (nn 11-12) o Papa vai dizer isso: ‘Jesus Cristo pode romper também os esquemas enfadonhos em que pretendemos aprisioná-Lo, e surpreende-nos com a sua constante criatividade divina (…). Jesus é ‘o primeiro e o maior evangelizador’. Em qualquer forma de evangelização, o primado é sempre de Deus, que quis chamar-nos para cooperar com Ele e impelir-nos com a força do seu Espírito (…) Pede-nos tudo, mas ao mesmo tempo dá-nos tudo’. O trabalho catequético é desafiador, mas ao mesmo tempo nos dá, nos fortalece, nos inspira, nos impele com a força de seu Espírito, mas reconhecendo também que nós somos sempre os catequizandos de Jesus. Os discípulos de Jesus sempre. Embora, em certos momentos, como na catequese, nós assumamos um papel de catequistas, mas em nome do grande Catequista, do primeiro Catequista que é Jesus.
CONHEÇA O CONVIDADO
Moisés é jornalista, graduado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, mestre e doutor em Ciências da Comunicação – Unisinos. É professor da PUC Minas. É palestrante, tradutor e consultor em Comunicação para diversos órgãos e instituições civis e religiosos. Foi membro da Comissão Especial para o Diretório de Comunicação para a Igreja no Brasil – CNBB. De 2008 a 2012 coordenou o escritório brasileiro da Fundação Ética Mundial (Sti ung Weltethos), fundada por Hans Küng, com sede no Instituto Humanitas Unisinos – IHU. É autor de “E o Verbo se fez rede: religiosidades em reconstrução no ambiente digital” (Paulinas, 2017), “E o Verbo se fez bit: A comunicação e a experiência religiosa na internet” (Santuário, 2012) e “Comunicar a fé: por quê? Para quê? Com quem?” (Vozes, 2020). É colunista das revistas brasileiras Família Cristã e O Mensageiro de Santo Antônio.