Notícias - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

“Há vida após o luto”

18/03/2013

Entrevistas

Por Moacir Beggo

Mais cedo ou mais tarde, o luto será uma realidade em nossas vidas. Mas a verdade é que nunca estamos preparados para enfrentar o luto. Neste primeiro livro de Frei Gustavo Wayand Medella, “Há vida após o luto” (Livraria Santuário), ele confessa que aprendeu a lidar com essa situação na prática, quando ainda era estudante de Teologia em Petrópolis e tinha entre outras funções atuar no Ministério da Esperança, ou seja, ir celebrar junto às famílias a partida de um ente querido. “Depois de cada celebração, voltava para casa, sentindo um misto de emoção, angústia e também uma forte esperança de que a vida vai para além dos limites que conhecemos”, revela Frei Gustavo, que se ordenou sacerdote no dia 3 de julho de 2011 e hoje está na coordenação da Frente de Evangelização da Comunicação na Província Franciscana da Imaculada Conceição.

Segundo Frei Medella, foi assim que nasceu este livro. “Não pretendo, de forma alguma, oferecer respostas a estas dúvidas tão insondáveis. O que desejo é, à luz da fé, partilhar com você algumas reflexões que trago no coração”, explica este frade petropolitano.  A partir de trechos da Sagrada Escritura e também por obras inspiradas de poetas, músicos, pensadores, Frei Medella oferece “luzes que possam iluminar nosso caminho neste árduo momento de travessia”.

Apaixonado por comunicação, em especial pelo rádio, formou-se em Jornalismo pela Universidade Federal de Juiz de Fora, MG, em 2000 e trabalhou em diferentes veículos de comunicação daquela cidade mineira. Ingressou na vida franciscana em 2002, percorrendo todas as etapas de formação, incluindo os cursos de Filosofia e Teologia. Especializou-se em Comunicação pelo SEPAC/Puc-São Paulo/SP em 2010. Atualmente reside em São Paulo, no Convento São Francisco, bem no centro da capital paulista. Acompanhe a entrevista!

Site Franciscanos – Como nasceu este livro?

Frei Gustavo – Nasceu a partir do serviço que eu prestava, junto com os outros confrades, na nossa Paróquia do Sagrado Coração de Jesus, em Petrópolis, a chamada Pastoral da Esperança. Alguns dias por semana, éramos escalados para celebrar a encomendação dos falecidos, numa celebração de despedida com a família e os amigos daquele que partiu. Estas celebrações sempre mexeram muito comigo. Percebia naquela ocasião uma rica oportunidade de marcar a presença de uma Igreja serva, companheira no sofrimento, portadora de esperança. E então fui amadurecendo a ideia de preparar mensagens que pudessem servir, a partir da fé, de conforto para quem passa por esta dura experiência da perda de uma pessoa amada. Busquei apoio na Sagrada Escritura e também em peças da nossa música e da nossa literatura, sempre na perspectiva de encontrar as sementes de esperança espalhadas em cada acontecimento da vida.

Site – É possível confortar uma pessoa que perdeu um ente querido de surpresa? Como dizer a ela que há vida no luto?

Frei Gustavo – Realmente é uma situação muitíssimo delicada. Penso que humanamente é muito difícil confortar alguém que passa por uma situação assim. Pela fé, precisamos acreditar que toda força, todo conforto, vem de Deus e nós, na medida de nossas possibilidades, podemos oferecer um abraço, um momento de nossa atenção e até mesmo nossas lagrimas para chorar juntos. Na lida com este tipo de perda, cada pessoa reage a seu modo. Uns ficam mais introspectivos, outros procuram se distrair e há também aqueles capazes de transformar a dor em arte. No livro, inclusive, cito a história do compositor e cantor Eric Clapton. Ele perdeu, seu filho de 4 anos, Conor, num terrível acidente, em 1991, quando o menino caiu da janela de um prédio em Nova York: uma dor inimaginável que Clapton transformou na célebre canção “Tears in heaven” (Lágrimas no céu). Tenho certeza de que aquela dor ele carrega até hoje, mas também creio firmemente que, através de música, Clapton conseguiu dar certa vazão à sua dor e também semeou muita luz e esperança na vida de pessoas que passaram por situações parecidas e encontraram nesta composição um alento e aí, mesmo com o coração ferido e apertado, Clapton revelou que existe vida após o luto.

Site – Há uma etiqueta para o luto? Você concorda que frases como “Você precisa ser forte”, “Deus sabe o que faz”, “Foi melhor para ele (a)!”, “O tempo cura todas as feridas” “Você não pode chorar, ele (a) não irá ficar em paz” mais prejudicam do que ajudam?

Frei Gustavo – Eu não condeno o uso de jargões ou lugares comuns deste tipo. Muitas vezes restam como único recurso a quem deseja manifestar sua solidariedade e não sabe como, não encontra palavras. Mas é preciso que se tome cuidado para a palavra dita, em vez de confortar, não leve a pessoa a uma autocobrança desnecessária (Você tem que ser forte!) ou apresente a ela uma visão equivocada de Deus (Foi Deus quem quis assim!).

Site – Quando se encontra uma pessoa de luto é preciso dizer alguma coisa? Não é melhor seguir a tradição judaica: “Não fale com enlutados até que eles falem primeiro com você”?

Frei Gustavo – Esta recomendação traz em si muita sabedoria. O bom silêncio remete ao respeito, à reverência diante de um mistério tão insondável quanto a morte. Estar junto, oferecer o carinho, o convívio, a amizade e o abraço em uma ocasião como esta pode comunicar mais do que o uso de muitas palavras. Penso que, nestas ocasiões, mais do que buscar razões para o acontecido ou tentar encontrar explicações lógicas, é deixar que o coração fale e este, por muitas vezes, pode se manifestar em um silêncio eloquente e emocionado.

Site – Todos temos uma certeza absoluta: vamos morrer. Mas, por que, em nossa sociedade a morte é vista como algo a ser evitado, postergado?

Frei Gustavo – Creio que vivemos em um ambiente que nos convida ao imediatismo, ao consumo rápido e intenso dos prazeres e experiências que a vida nos coloca à disposição. É o sistema capitalista, pautado na superprodução e no hiperconsumo. Com o fim de nossa vida terrena, vai-se junto nossa condição de consumidores: deixamos de consumir para sermos consumidos pela terra e aí está o grande drama, encontra-se o germe do pavor que a morte exerce sobre a consciência de muitas pessoas. No entanto, a proposta cristã nos convida a olhar além, a perceber no transcendente a harmonia que nos reintegra a Deus, naquilo que vai para além do material, do palpável e do presente. Em Cristo, temos a certeza de que a morte tem a última palavra sobre nossa existência, mas a vida que se perpetua no bem que fizemos, no amor que espelhamos, na solidariedade que cultivamos, tudo isto inspirado pelo próprio Jesus Cristo, que fez de sua vida uma doação incondicional e total em favor da humanidade.

Site – Como é a morte na visão franciscana?

Frei Gustavo – São Francisco encarou a morte com total esperança e chegou a chamá-la de novo nascimento, o nascimento definitivo para Deus. No Cântico das Criaturas, em que o santo louva a Deus por todos os bens da natureza, por seus irmãos e irmãs, pelo perdão e pela paz, Francisco também reserva um espaço para louvar ao Criador pela Irmã Morte. No chamado Trânsito de São Francisco, celebrado sempre na noite do dia 3 de outubro, os franciscanos e franciscanas do mundo todo fazem memória da passagem de São Francisco para vida eterna, onde, nu sobre a terra nua, o Santo de Assis se entrega com confiança aos braços amorosos de Deus. Portanto, a morte, na visão franciscana, não tem nada que remeta ao medo, ao pavor, mas é compreendida como o coroamento de toda uma vida consagrada a Deus, às pessoas e à criação. Curioso ressaltar que, ainda hoje, entre os franciscanos, há o costume de se celebrar o recreio (festa de confraternização com comida e bebida) entre os frades quando um irmão parte desta vida para o encontro final com Deus.

 Site – Você tem medo da morte?

Frei Gustavo – Pergunta embaraçosa… Nunca parei para pensar se tenho medo ou não. Também não faço ideia de como reagirei quando, porventura, imaginar que ela esteja próxima. No entanto, em meu dia a dia, tento cultivar a fé e a confiança de que, após esta breve passagem por este mundo, uma vida maravilhosa nos espera. Isso me enche de conforto e esperança, mas também não me exime de trabalhar firme e com garra para buscar construir, no aqui e agora, o mundo de paz e justiça sonhado por Deus. Se tenho medo de morrer, não sei, mas tenho certeza de que gosto muito de viver!

Site – Como os padres e teólogos se preparam para dar a última bênção?

Frei Gustavo – Acredito que a ênfase preparatória seja concentrada em duas dimensões: a filosófico-teológica e a pastoral. Na primeira dimensão, tanto no curso de Filosofia quanto no de Teologia, aqueles que se preparam para exercer o ministério ordenado são provocados a refletir profundamente sobre muitos conceitos próprios da vida humana, como a finitude, o sofrimento, o mistério do ser, o sentido da vida, o fim dos tempos e diversos outros temas tratados pela Filosofia e a Teologia. O segundo aspecto seria a aplicação prática de tais conceitos, na lida com as pessoas que sofrem com a morte de alguém próximo, no convívio com as próprias experiências de perda e nas muitas solicitações que aparecem no decorrer do exercício da missão. E tenho convicção de que a lida neste exercício precisa ser necessariamente marcada num profundo aprendizado constante e diário, na acolhida, na escuta, no diálogo, com as pessoas que vivem a dor de perder alguém que amam. A conjugação harmoniosa destes dois aspectos, penso eu, vai levar o padre, diácono ou ministro leigo a oferecer uma assistência qualificada e evangélica àqueles que sofrem com a morte de um ente querido.