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Semana Franciscana: “É diante do caído que decidiremos se somos pessoas de diálogo”

09/10/2021

Notícias

“O caminho para construir a fraternidade: uma conversa sobre a Fratelli Tutti” foi o tema da 2ª Semana Franciscana, nesta sexta-feira (8/10), às 20 horas, que teve a promoção da Província Franciscana da Imaculada Conceição, Conferência da Família Franciscana do Brasil, Instituto Teológico Franciscano e da Editora Vozes.

“Estamos no quinto dia desse encontro virtual, onde Clara e Francisco de Assis nos atualizam e também nos dão pistas para vivermos os nossos dias de hoje”, disse Vigário Provincial, Frei Gustavo Medella, que acolheu o palestrante desta noite Frei James Girardi, OFM, frade da Província da Imaculada e professor do Instituto Teológico Franciscano (ITF) em Petrópolis. Ele reside na Fraternidade São Francisco de Duque de Caxias (RJ).

Frei James, então, explicou que sua reflexão partiu de um seminário que foi promovido no ITF, durante todo um semestre: “É uma encíclica atual, profética, um caminho seguro onde a gente pode firmar o nosso pé dentro da espiritualidade franciscana, da fé cristã e também no diálogo com todas as religiões que apostam na vida”.

Para Frei James, essa encíclica nos provoca e, cada vez que fazemos a leitura dela, aparecem novas ideias, novas provocações para agirmos melhor, para viver melhor no sentido daquilo que o Papa intuiu: tornar a vida no mundo mais fraterna.

O frade explicou que sua reflexão se baseou em dois momentos: primeiro, sobre as inspirações do Papa para escrever esta encíclica: De onde ele se inspira, qual é a fonte? E, no segundo, concentrou-se em dois capítulos: o de número 2 (“Um estranho no caminho”) e o capítulo 6 (“Diálogo e amizade social”. “Eu quis limitar um pouco, porque ela é muito ampla. Nós poderíamos abordá-la em diferentes temas. Inclusive, neste último ano houve uma profusão de lives e estudos sobre a encíclica. Tem muita gente aprofundando e estudando esta encíclica, que para mim é uma encíclica profética”, explicou o frade, concentrando no tema do diálogo.

“Talvez nós tenhamos ainda na memória o dia que o Papa Francisco iniciou o seu Pontificado. Ele inclinou a cabeça diante da multidão e expressou esse desejo: “Rezemos sempre por nós, uns pelos outros, rezemos por todo o mundo para haja uma grande fraternidade’. Esse querer faz parte da vida do Papa Francisco. Ele mesmo diz na encíclica que é uma questão vital”, recordou.

Segundo ele, logo na introdução na encíclica, o Papa se refere a Francisco de Assis como a sua primeira inspiração: “Este Santo do amor fraterno, da simplicidade e da alegria, que me inspirou a escrever a encíclica Laudato si’, volta a inspirar-me para dedicar esta nova encíclica à fraternidade e à amizade social”.

“O Papa Francisco vai descrevendo com alegria atitudes vividas pelo Poverello. Ele diz amar a todos independente de sua proximidade, lembra também o amor do santo a toda a criação e traz em destaque o amor pelos seus semelhantes. Ele recorda um fato na vida de Francisco, que foi ao encontro do Sultão, em plena Idade Média. É quase como decretar uma sentença de morte. Claro que Francisco sabia das consequências do perigo. E esse encontro exigiu dele um grande esforço devido à sua pobreza, aos poucos recursos, à distância, à diferença de língua, cultura e religião”, lembrou o frade, citando o seguinte texto: “No contexto de então, era um pedido extraordinário. É impressionante que, há oitocentos anos, Francisco recomende evitar toda a forma de agressão ou contenda e também viver uma ‘submissão’ humilde e fraterna, mesmo com quem não partilhasse a sua fé”.

“Nós sabemos que desse encontro houve um diálogo. Um percebeu no outro os valores. O sultão percebeu em Francisco um homem bom e puro, e Francisco percebe também no sultão um homem bom, religioso, homem de fé. Ali que nesse encontro há uma ponte, como diz o Papa Francisco. Havia, sim, um muro enorme, mas Francisco consegue romper esse muro e constrói essa ponte entre ele e o sultão. Sai dali feliz”, acrescentou Frei James.

Segundo o frade, a atitude de Francisco ensina que para construir uma fraternidade universal é preciso dialogar de forma permanente com as diferenças. “Porque dialogar com quem pensa igual, e tem a mesma fé, cultiva os mesmos valores, ainda que às vezes seja difícil, torna-se um diálogo mais interno. O desafio do diálogo está em dialogar sempre com alguém diferente”.

“Cultivar essa cultura do encontro, construir pontes, proximidade, hospitalidade. O diálogo é a possibilidade dessas aspirações serem concretizadas. Então, o Papa Francisco ainda afirma que as questões relacionadas à fraternidade e amizade social sempre estiveram em suas preocupações. Francisco é essa fonte primeira de inspiração para o Papa dedicar uma encíclica que trate desse tema”, acrescentou.

Para o frade, outra fonte importante e que o Papa destaca para essa inspiração fundamental foi o encontro com o Grande Imã Ahmad Al-Tayyeb, em Abu Dhabi, em 2019, quando nasceu um documento sobre a Fraternidade Humana. Segundo o Papa, como escreve na encíclica, “não se tratou de mero ato diplomático, mas de uma reflexão feita em diálogo e de um compromisso conjunto. Esta encíclica reúne e desenvolve grandes temas expostos naquele documento que assinamos juntos”.

No primeiro capítulo – “As sombras do mundo fechado” – da encíclica, Frei James destacou algumas tendências que dificultam o desenvolvimento dessa fraternidade proposta pelo Papa.

Segundo ele, a história dá sinais de regressão, ressurgem nacionalismos fechados, exacerbados, ressentidos e agressivos. Isso não só no Brasil, mas em todo o mundo. Diz o Papa na encíclica: “Nesta luta de interesses que nos coloca a todos contra todos, onde vencer se torna sinônimo de destruir, como se pode levantar a cabeça para reconhecer o vizinho ou ficar ao lado de quem está caído na estrada?”

Mas, como lembra o Papa, há esperança: “A esperança é ousada, sabe olhar para além das comodidades pessoais, das pequenas seguranças e compensações que reduzem o horizonte, para se abrir aos grandes ideais que tornam a vida mais bela e digna. Caminhemos na esperança!”

UM ESTRANHO NO CAMINHO

O Papa Francisco abre este capítulo com a parábola do Bom Samaritano. “Judeus e samaritanos não se entendiam. Os judeus rejeitavam os samaritanos, e estes estavam cada vez mais afastados das Leis de Deus. Jesus coloca em cena um sacerdote, um levita e um samaritano. Os dois primeiros são figuras ligadas ao culto do templo; o terceiro é um judeu cismático, considerado como um estrangeiro, pagão e impuro, isso é, o samaritano”, lembra Frei James.

“A inclusão ou exclusão da pessoa que sofre na margem da estrada define todos os projetos econômicos, políticos, sociais e religiosos. Dia a dia enfrentamos a opção de ser bons samaritanos ou viandantes indiferentes que passam ao largo. E se estendermos o olhar à totalidade da nossa história e ao mundo no seu conjunto, reconheceremos que todos somos, ou fomos, como estes personagens: todos temos algo do ferido, do salteador, daqueles que passam ao largo e do bom samaritano”.

Segundo Frei James, para não entrar nesse campo do fundamentalismo, é preciso abertura ao diferente. “É diante do caído que decidiremos se somos pessoas de diálogo. Acolher uma pessoa é também acolher a sua diferença”, disse.

Para ele, diálogo deve ser construído por todas as partes envolvidas. “O diálogo deve evitar a anulação do outro. Dialogar com as diferenças é o grande desafio”.

Frei James ilustrou com a seguinte citação da Fratelli tutti: “O diálogo social autêntico pressupõe a capacidade de respeitar o ponto de vista do outro, aceitando como possível que contenha convicções ou interesses legítimos. A partir da própria identidade, o outro tem algo para dar, e é desejável que aprofunde e exponha a sua posição para que o debate público seja ainda mais completo. Sem dúvida, quando uma pessoa ou um grupo é coerente com o que pensa, adere firmemente a valores e convicções e desenvolve um pensamento, isto irá de uma maneira ou outra beneficiar a sociedade; mas só se verifica realmente na medida em que o referido desenvolvimento se realizar em diálogo e na abertura aos outros. Com efeito, ‘num verdadeiro espírito de diálogo, nutre-se a capacidade de entender o sentido daquilo que o outro diz e faz, embora não se possa assumi-lo como uma convicção própria. Deste modo torna-se possível ser sincero, sem dissimular o que acreditamos, nem deixar de dialogar, procurar pontos de contato e sobretudo trabalhar e lutar juntos'”.

Frei James lembrou que o Papa Francisco cita o grande compositor brasileiro Vinicius de Moraes, na canção “Samba da Bênção” (1962), para falar da cultura do encontro. “A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro na vida”, diz o compositor citado pelo Papa. “Já várias vezes convidei a fazer crescer uma cultura do encontro que supere as dialéticas que colocam um contra o outro”, diz o Papa.

A imagem do poliedro também é usada para fundamentar a reflexão. O poliedro tem muitas faces, muitos lados, mas todos compõem uma unidade rica de matizes, porque “o todo é superior à parte”. O poliedro, lembra o Papa, representa uma sociedade onde as diferenças convivem integrando-se, enriquecendo-se e iluminando-se reciprocamente, embora isso envolva discussões e desconfianças. Na realidade, de todos se pode aprender alguma coisa, ninguém é inútil, ninguém é supérfluo. Isto implica incluir as periferias. Quem vive nelas tem outro ponto de vista, vê aspetos da realidade que não se descobrem a partir dos centros de poder onde se tomam as decisões mais determinantes.

“Que nós possamos criar sensibilidades por esse estilo de vida que se aproxima, ouve, olha, conhece e tenta entender o diferente. E diante da realidade do eu e do tu, poder crescer para o nós,  fazendo nascer a fraternidade comum e a amizade social. O mundo aberto exige de nós irmos mais além. Mais além da própria família, mais além do grupo social que temos, da nossa teia de relações. Ir além para construir uma cultura do encontro, construindo pontes que nos levem de forma concreta a viver hoje e no futuro uma melhor fraternidade e amizade social”, completou, concluindo com a conclusão do Papa:

“Neste espaço de reflexão sobre a fraternidade universal, senti-me motivado especialmente por São Francisco de Assis e também por outros irmãos que não são católicos: Martin Luther King, Desmond Tutu, Mahatma Mohandas Gandhi e muitos outros. Mas quero terminar lembrando uma outra pessoa de profunda fé, que, a partir da sua intensa experiência de Deus, realizou um caminho de transformação até se sentir irmão de todos. Refiro-me ao Beato Carlos de Foucauld.  O seu ideal de uma entrega total a Deus encaminhou-o para uma identificação com os últimos, os mais abandonados no interior do deserto africano. Naquele contexto, afloravam os seus desejos de sentir todo o ser humano como um irmão, e pedia a um amigo: «Peça a Deus que eu seja realmente o irmão de todos». Enfim queria ser «o irmão universal». Mas somente identificando-se com os últimos é que chegou a ser irmão de todos. Que Deus inspire este ideal a cada um de nós. Amém”.

A Semana franciscana termina hoje, sábado, com um momento celebrativo, diretamente do Santuário Frei Galvão, Guaratinguetá (SP)