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Marco Bartoli explica “se é possível um texto escrito há 800 anos ser válido ainda hoje”

29/09/2023

Entrevistas, Notícias

Um dos maiores especialistas na vida e obra de São Francisco e Santa Clara de Assis, o historiador Marco Bartoli foi o convidado do quarto dia (28/9) da Semana Franciscana, evento on-line, sempre às 20 horas. Ele foi convidado para falar do tema: “Celebrar os 800 anos da Regra: o que ela nos diz hoje?”, ele que esteve recentemente no Brasil para uma série de eventos da Família Franciscana e da Editora Vozes,

Frei Gilberto da Silva, professor do Instituto Teológico Franciscano (ITF), foi o mediador do encontro e falou da alegria de rever seu professor Marco Bartoli. “Ele  ensina com amor, com sabedoria. É referência nos estudos da vida e santidade de Santa Clara”, disse Frei Gilberto. Segundo ele, Marco Bartoli é professor de História Medieval na Livre Universidade de Maria Santíssima Assunta (Lumsa), em Roma, e de história do franciscanismo na Pontifícia Universidade Antonianum, além de citar algumas de suas sobras impressas. Ele é membro do conselho diretivo da Sociedade Internacional de Estudos Franciscanos de Assis e do Comitê para a Edição Nacional das Fontes Franciscanas.

Frei Sandro Roberto da Costa, reitor do ITF, lembrou que esta Semana é promovida pela Editora Vozes, Instituto Teológico Franciscano (ITF), Província Franciscana da Imaculada Conceição, Conferência da Família Franciscana do Brasil (CFFB), a Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana (ESTEF) e Universidade São Francisco (USF).

A seguir, a íntegra da palestra: 

A pergunta que me foi dada para mim nesta noite é ‘Celebrar os 800 anos da Regra: o que ela nos diz hoje?’. A referência, com certeza, é o dia 29 de novembro 1223 quando a Regra dos Frades Menores foi aprovada pelo Papa. Mas a pergunta nesse sentido é esta: “É possível que um texto escrito há 800 anos seja válido ainda hoje?”

A pergunta que fazemos está atrás de todas as perguntas:  “Esta Regra reflete e comunica o espírito – e aqui entendemos como espírito a finalidade, o propósito, a intenção íntima de Francisco?’. A resposta a esta pergunta, com certeza, é a Regra que chamamos Bulada, que reflete a intenção de Francisco. Mas para perceber melhor a intenção de Francisco, é útil considerar as etapas geradoras do texto da Regra.

Por isso, eu acho importante que voltemos lá nos inícios da Regra, porque podemos pensar que toda a vida de Francisco foi a procura de uma Regra para viver com os seus frades.

Lembramos brevemente, o primeiro passo dado, o propósito, aquele que em latim dizemos Propositum, apresentado a Inocêncio III em 1209.

A segunda etapa, aquela que nós chamamos de Regra não Bulada, que foi escrita ao longo dos anos a partir de 1209 até 1221, mas não foi aprovada pelo Papa.

O terceiro passo é a Regra de 1223, que estamos celebrando neste ano. É o próprio Francisco, no seu Testamento, que nos dá consciência dos inícios deste processo, quando escreve: “Depois que o Senhor me deu irmãos, ninguém me mostrou o que deveria fazer, mas o Altíssimo mesmo me revelou que eu deveria viver segundo a forma do Santo Evangelho. Eu fiz escrever com poucas palavras e de modo simples e o senhor Papa me confirmou”.

O ponto de partida é constituído pelas poucas palavras que Francisco escreveu e o Papa confirmou. Pelas fontes hagiográficas, nós sabemos bem que em 1209, quando eram apenas 12 frades, Francisco foi a Roma e teve um encontro com o Papa Inocêncio. Sabemos também que o Papa não deu uma confirmação escrita, ao propósito apresentado pelo Pobre de Assis,  mas apenas uma aprovação, ou seja uma bênção em forma oral.

Durante muito tempo acreditou-se que este propósito original se tinha perdido. Nos últimos anos, a pesquisa filológica que acompanhou as edições críticas da Regra não Bulada, aquelas do Pe. Caetano Esser, e destacou com o texto da Regra não Bulada, é um produto de longo prazo. É um processo editorial que parte precisamente do propósito primitivo e chega até 1221. Mas podemos ler o prólogo e o primeiro capítulo da Regra não Bulada para perceber bem que estas palavras são as mesmas palavras do Propositum primitivo.

Prólogo:

1 Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

2 Esta é a vida do Evangelho de Jesus Cristo, que Frei Francisco pediu ao Senhor Papa Inocêncio lhe concedesse e aprovasse; 3 e o Senhor Papa lha concedeu e aprovou para ele e seus Irmãos presentes e vindouros.

4 Frei Francisco, e quem for superior desta Ordem, prometa obediência e filial, respeito ao Senhor Papa Inocêncio e seus sucessores. 5 E todos os outros Irmãos sejam obrigados a obedecer a Frei Francisco e a seus sucessores.

CAPÍTULO I

QUE OS IRMÃOS VIVAM EM OBEDIÊNCIA SEM PROPRIEDADE E EM CASTIDADE

1 A Regra e a vida destes irmãos é esta: viver em obediência, em castidade e sem propriedade; 2 e seguir a doutrina e as pegadas de Nosso Senhor Jesus Cristo, que diz: 3 “Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens dá-o aos pobres e terás um tesouro nos céus, e vem e segue-me”.

4 E: “Quem quiser vir após mim renuncie a si mesmo e tome a sua cruz e siga-me”. 5 E ainda: “Se alguém quiser vir a mim e tiver mais amor ao pai e à Mãe, à mulher, aos filhos, aos irmãos, às irmãs e mesmo à própria vida, não pode ser meu discípulo”. 6 E: “Todo aquele que deixar pai ou Mãe, irmãos ou irmãs, mulher ou filhos, casas e campos, por amor de mim receberá o cêntuplo e possuirá a vida eterna” (Mt 19 21; 16,24; Lc 14,26; Mt 19,29).

Duas observações:

Primeira, não há aqui o nome de Frades Menores, mas apenas Regra é a vida dessses irmãos é esta. O texto remonta a uma época em que o nome ainda não havia sido escolhido.

Segunda observação: As passagens citadas no primeiro Capítulo correspondem àquelas que as fontes hagiográficas citam três vezes no episódio da abertura do Evangelho. Após a chegada dos primeiros frades é provável que essas citações já estivessem na proposta apresentada ao Papa em 1209. Então, a pergunta de hoje é “como delinear, perceber, como entender bem, o espírito, a intenção de Francisco?”

A proposta que faço é de reler o capítulo 14 da Regra não Bulada, porque este Capítulo, provavelmente, faz parte do primeiro Propositum. Estamos justamente nos inícios deste processo que acabou sendo a Regra.

Este capítulo não tem atraído muita atenção acadêmica nos últimos tempos. No entanto, escreveu David Flav: O capítulo 14º pertencia ao texto original que levará a Regra não Bulada em sua formulação de 1221. O Capítulo 14º representa a primeira forma que o movimento irrompeu no mundo trazendo sua feliz surpresa humana.

CAPÍTULO 14 – COMO OS IRMÃOS DEVEM IR PELO MUNDO

1 Quando os irmãos andarem pelo mundo, nada levem consigo para a viagem, “nem bolsa, nem alforje, nem pão, nem dinheiro, nem bastão” (Lc 9,3).

2 E “ao entrarem numa casa, digam primeiro: A paz esteja nesta casa.

3 E, ficando nessa casa, comam e bebam do que aquela gente tiver” (Lc 10,5-7).

4 Não resistam ao malvado (cf. Mt 5,39), mas antes, se alguém lhes der numa face, apresentem-lhe também a outra; 5 e a quem lhes roubar o manto, não lhe neguem também a túnica. 6 Dêem a quem lhes pedir. Se alguém tirar o que é deles, não o reclamem (cf. Lc 6,29-30).

Algumas características deste capítulo imediatamente chamam a atenção. Em primeiro lugar, todas as palavras são tiradas de citações evangélicas, exceto duas primeiras palavras: quando os irmãos, quando os frades. Esta introdução – quando os irmãos – é em si muito significativa porque explica o significado de todo o resto. Quando os irmãos se encontrarem vivendo a condição descrita nas Palavras do Evangelho, devem viver assim. Portanto, é particularmente importante estudar quais são as passagens do Evangelho citadas e como elas foram estruturadas e articuladas entre si.

A primeira citação é tirada do Evangelho de Marcos: ‘Ide pelo mundo’. Francisco encontra esse convite para levar a vida que não se limita a um espaço confinado como um mosteiro, como uma casa paroquial, mas uma vida itinerante. É uma das intuições fundamentais do Pobrezinho de Assis, da qual ele volta a falar no capítulo seguinte da Regra não Bulada, quando fala ‘os frades que irão no mundo ou vão ficar nos lugares’. Para Francisco, portanto, havia duas formas de convivência. Uma para quem vivia nos lugares e outra para quem dava volta no mundo. O problema que surgiu para o primeiro grupo de penitentes reunidos ao redor de Francisco decorreu do fato de que nenhuma Regra aprovada pela Igreja até lá previa uma vida itinerante. Como deveriam viver penitentes ansiosos para levar o sério convite contido na última página do Evangelho de Marcos?

A resposta contida no mesmo capítulo da Regra é: quando os frades saírem pelo mundo deverão seguir as indicações dadas pelo próprio Jeus, quando enviou seus primeiros discípulos pelo mundo.

Com efeito, as passagens citadas imediatamente a seguir serão sobretudo do capítulo 9 e 10 do Evangelho de Lucas. Ou seja, as palavras do envio dos doze e depois dos 72 discípulos em missão. Aqui percebemos a dúvida que permanecerá nas palavras do Testamento de Francisco: “Depois que o Senhor me deu irmãos, ninguém me mostrava o que fazer, mas o Altíssimo me revelou que deveria viver segundo a forma do Santo Evangelho”.

O capítulo 14 da Regra Não Bulada seria nesta hipótese um testemunho completo do que significava para Francisco viver segundo a forma do Santo Evangelho. Antes de entrar na análise das passagens evangélicas citadas, é preciso falar do texto evangélico conhecido por Francisco.

Como se sabe, ele não tinha à disposição um códice contendo os quatro evangelhos na íntegra. Não tinha uma Bíblia como nós temos hoje. Não existia. Nos últimos anos da vida, ele obteve um códice hoje guardado no Protomonastério de Santa Clara, em Assis, no qual além do breviário, livro para liturgia das horas, existe um Evangeliário, ou seja uma coleção de passagens evangélicas de acordo com seu uso litúrgico.

O seu 14º capítulo pertenceu ao primeiro núcleo da Regra, foi elaborado antes da aquisição deste Breviário. Mas nós podemos perguntar: de qual código bíblico foram feitas as citações do 14º capítulo da Regra não Bulada?

Algum especialista levantou a hipótese do uso de uma harmonia evangélica. O que é uma harmonia evangélica? É uma colagem de citações evangélicas que teria sido retomada pelo santo. Uma colagem já embalada para este fim. Esta hipótese permanece interessante para todos os opúsculos em geral, mas não parece se aplicar neste caso do 14º capítulo da Regra não Bulada, pela simples razão que não encontrou nenhum, ao meu conhecimento, que harmoniza e continha as mesmas citações evangélicas propostas na mesma ordem do capítulo da Regra do qual estamos falando.

No estado atual do conhecimento permanece a hipótese mais convincente de que o verdadeiro autor da colagem evangélica foi o próprio Francisco.

Neste sentido parece relevante o fato de todas as passagens citadas também se encontrarem no evangeliário, contida no breviário, não tanto para provar uma dependência direta, difícil como já foi dito, por razões cronológicas, mas porque o evangeliário é um testemunho privilegiado do uso litúrgico do tempo de Francisco.

Sabemos, portanto, que o santo pode ter ouvido que estas passagens evangélicas, várias vezes ao longo de sua vida e Tomás de Celano no seu memorial, afirma que Francisco de vez em quando lia nos livros sagrados e gravava indelevelmente no coração o que uma vez havia colocado na alma. Para ele, a memória ocupava o lugar dos livros, porque o seu ouvido, mesmo uma vez, captava com certeza e meditava com atenção.

Então, não podemos duvidar desta afirmação do biógrafo que Francisco tinha uma memória extraordinária. Então é possível que o próprio Francisco, tendo ouvido  e memorizado os trechos do Evangelho, em diversos momentos e na hora de responder a pergunta ‘como devem viver os frades quando vão para o mundo’, por inspiração divina, ele tinha lembrado de cinco passagens evangélicas e as teria trabalhado para formar este capítulo.

Quais são os conteúdos deste capítulo? Em primeiro lugar, abordo o modo de vida quando saem pelo mundo A primeira coisa que os caracterizará é a pobreza; o segundo é a saudação da paz; e o terceiro a superação de todas as disposições relativas ao jejum; e finalmente a não-violência.

Uma observação que se pode fazer àquilo que não está dentro deste capítulo? Não está a pregação. Os frades irão pelo mundo não para pregar, mas simplesmente para viver o Evangelho. Esta observação se encaixa no caráter da fraternidade primitiva, composta em grande parte por leigos, penitentes. E o papa só havia permitido exortar a penitência e não pregar o Evangelho. Para Francisco, o Evangelho deve ser vivido, por isso ele não acrescenta as suas próprias palavras. Para ele, trata-se de colocar em prática as indicações dadas por Jesus aos seus discípulos.

Aqui há uma grande diferença das outras experiências no mesmo período. De fato, São Domingos também tinha o desejo de ir para todo mundo, pois seu objetivo principal era de pregar o Evangelho a todos os povos. Francisco, ao contrário, convida seus frades, nestas poucas linhas, simplesmente a viver de acordo com a forma, isto é o modelo.

São anotações de grande importância aos quais Francisco permaneceu pessoalmente fiel ao longo de sua vida. A pobreza é característica dos sem-teto, dos sem abrigo, daqueles que viviam e vivem ainda hoje na rua.

Na mesma Regra não Bulada, no capítulo 9º, Francisco recomendou a si mesmo e a seus confrades: os frades devem alegrar-se quando virem nas ruas pobres, fracos, enfermos, leprosos. O motivo da alegria é que Jesus também escolheu viver na rua como observou Gregório Magno, o papa Gregório I. Segundo o ditado evangélico, os frades deverão viver na rua, sem saco para dormir, dinheiro e pão, ou seja sem qualquer garantia. No entanto, estes pobres, pobres homens, terão uma bênção para levar aos outros, um desejo de paz. Em qualquer casa que entrarem digam primeiro: “Paz a esta casa”.

No seu Testamento, Francisco atribuiu à inspiração divina a ideia de usar a saudação evangélica de Paz na vida cotidiana na rua.

Todas as fontes hagiográficas confirmam que Francisco usou esta saudação ao longo de toda a sua vida. Como se diz no Anônimo Perusino: ‘Quando entrarem dentro de uma cidade, de um castelo, ou numa casa, anunciem a paz’.

As disposições seguintes são tiradas do texto evangélico, neste caso Lucas 10, mas são também fruto da experiência direta dos primeiros companheiros. Para os que vivem à beira do caminho e se alimentam com o trabalho de suas mãos, ou com as esmolas que recebem, não é possível seguir uma Regra rígida. No próprio capítulo 3º, na disposição relativa ao jejum, que surpreendentemente repete o que foi dito no 14º capítulo. Da mesma forma, os frades todos jejuem da Festa de todos os Santos até o Natal e da Epifania até a Páscoa. Em outro ponto, exceto às sextas-feiras, não são obrigados a jejuar de acordo com a Regra de vida e seguindo o Evangelho é lícito comer todos os alimentos que lhe são apresentados. O convite para comer todos os alimentos que são lhe apresentados tem outro motivo. A vida na rua é uma vida de relacionamentos, de dependências uns dos outros. Uma vida de dar e de receber. Os frades devem ter medo de pedir e devem estar prontos para aceitar o que lhes é oferecido.

A quarta indicação do capítulo 14º retoma o tema da paz (Lucas 10 e 6 e Mateus 5).

Aqui, Francisco parece querer enfatizar que a paz evangélica não é apenas uma saudação, um desejo, uma bênção, a ser invocada sobre a vida dos outros. Isso também é certo, porque a paz é um dom de Deus. Mas é também uma atitude pessoal diante do mal. O convite evangélico não é para se opor aos ímpios. A razão desta atitude é que só renunciando à vingança, ao ressentimento, ao desejo de vingança, mesmo quando este parece legítimo, pode ser quebrada a espiral de violência que gera conflitos cada vez maiores. Francisco fez desta escolha o selo da sua vida.

A opção evangélica de Francisco é a opção de um cristianismo desarmado, que não responde ao mal com o mal, porque sabe que a mansidão tem uma força. A força de desarmar até os ímpios. Esta escolha foi totalmente contra a maré e num mundo em que o uso da força contra os inimigos da fé parecia ser totalmente legítimo.

Muitos séculos depois, o não-cristão como Mahatma Gandhi compreenderá o valor dessa escolha desarmada, que depois dele tomará o nome de não-violência. É claro que Francisco não pode ser chamado de não-violento no sentido moderno do termo, no entanto ele havia compreendido profundamente aquela mansidão evangélica que é a premissa da não-violência moderna.

A esse respeito não posso deixar de mencionar o Pe. Andrea Santoro, morto na Turquia anos atrás, ao qual citando São João Crisóstomo disse: “Cristo alimenta cordeiros, não lobos. Se nós tornamos cordeiros, venceremos, se tornamos lobos, perderemos”. Francisco não quer indicar o caminho da passividade, da renúncia, mas o caminho da vitória do bem sobre o mal. Se nós tornamos cordeiros, venceremos.

Esta compreensão do Evangelho nos ajuda. O cristianismo desarmado é mais forte que as armas dos violentos. Assim deviam viver aqueles penitentes com base na exortação evangélica por todo o mundo.

Como mendigos pelo caminho, deviam se aproximar dos outros sem medo, dando e recebendo, desejando a paz para todos. E caso encontrassem obstáculos, não deveriam se colocar contra ninguém, mas ensinar com sua mansidão o caminho da paz.

Se esse Evangelho orientava Francisco oito séculos atrás, ainda hoje tem algo para dizer a nós. Em primeiro lugar, o Evangelho não é uma mensagem difícil para perceber. Pelo contrário, o convite para sair às ruas para anunciar a paz parece responder à sede de paz dos homens e mulheres do nosso tempo. Mas para proclamar a paz é preciso viver a paz. Para que esse anúncio seja acolhido, é necessário que quem o faça seja credível, ou seja, que a sua vida corresponda às palavras do Evangelho.

Surge aqui outra pergunta: Ainda estamos em tempo de nos tornarmos homens e mulheres evangélicos? Já não estamos velhos demais, cansados demais para voltar à estrada, conscientes demais do nosso caráter para acreditar que ainda podemos mudar? Não há época da vida mais indicada para viver o Evangelho. Você pode experimentá-lo como uma criança, como um jovem, como um adulto, até mesmo um idoso, porque Francisco acreditava, e nós também podemos acreditar também, que quem vive o Evangelho muda o mundo. Na própria experiência de Francisco podemos ver claramente ou precisamente nos últimos anos – aqueles anos em que sua vida já foi marcada pela doença, pela cegueira, pela fraqueza – que ele viveu as coisas mais importantes: aprovação da Regra, o Natal de Greccio, a experiência de La Verna, a redação do Cântico das Criaturas, a morte rodeada de frades. Para quem dá a vida como o Evangelho, também a fraqueza pode ser um dom do qual se manifesta a força do amor de Deus.

Uma última observação. O Evangelho diz que o Senhor enviou dois a dois à sua frente. Como se sabe, Francisco também retomou essa disposição como testemunha a “Vida Primeira” de Tomás de Celano. Francisco convocou todos os irmãos, dividiu dois a dois pelas quatro partes do mundo, e disse: “Ide, caríssimos, dois a dois, por todas as partes do mundo anunciando aos homens a paz e a penitência para remissão dos pecados. Sede pacientes na tribulação, confiando que o Senhor vai cumprir o que propôs e prometeu. Aos que vos fizerem perguntas, respondei com humildade; aos que vos perseguirem e caluniarem, agradecei porque através disso está para todos nós sendo preparado o Reino eterno”. Pelas ruas do mundo, os frades são chamados a ir dois a dois. A fraternidade não é um estilo de vida, mas é um conteúdo do testemunho cristão. Num mundo dilacerado, amedrontado, os frades terão que dar testemunho de paz e de fraternidade. Ou melhor, semear paz e fraternidade em todos lugares como testemunhos de sua vida.


No final, um depoimento  de Frei Gilberto da Silva coroando este momento: “O professor Marco Bartoli acentua cinco passagens evangélicas que vão permeando a vida e a experiência de Francisco de Assis. Essas cinco passagens dão a tonalidade do que vem a ser a experiência também para os frades, as irmãs Clarissas, os irmãos da Ordem Franciscana Secular e os simpatizantes de São Francisco. Então, a Regra, sobretudo este capítulo que ele abordou hoje, traz a disposição do despojamento, da pobreza. Então, as passagens vão sendo costuradas, colocadas de um modo muito carinhoso porque são experiências vividas por São Francisco. E a pobreza vai abraçar todo o carisma franciscano. A pobreza e paz. Francisco vai ter que romper com o jejum, para deixar o frade livre. Que os franciscanos devem ir para o mundo para viver o Evangelho”.