Notícias - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Rocinha: Um sabor doce no que era amargo

07/12/2016

Notícias

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Thaís de Oliveira Pereira (*)

A Rocinha é atualmente a maior comunidade da América Latina e possui, segundo o IBGE, cerca de 70 mil habitantes, porém os moradores discordam desta informação, pois acreditam que o número é muito maior.

O lugar, que recebeu título de bairro apenas em 1993, apesar de ter sido fundado a partir de 1930, possui problemas comuns a muitos outros bairros do Rio de Janeiro, como a violência, a pobreza, a falta de saneamento básico e o tratamento de esgoto, problemas esses que na Rocinha ganham proporções muito maiores, justamente pelo seu tamanho, e torna o local com maior índice de tuberculose do país. Apesar de todos esses pontos negativos, a comunidade é muito notada por ONGs e projetos voluntários, como o serviço prestado pelos Franciscanos, a partir da Paróquia Nossa Senhora da Boa Viagem, localizada na Estrada da Gávea, em um ponto considerado o “coração” do lugar.

A capela de Nossa Senhora da Boa Viagem foi inaugurada em 1938 pelos Frades Menores, que através do Convento Santo Antônio do Largo da Carioca sempre deram assistência à comunidade desde 1930. Depois de um período sem essa presença franciscana (1985-2007), os frades retornaram para dar continuidade aos trabalhos pastorais que dão suporte ao bairro em alguns setores. Entre os trabalhos desenvolvidos pela Paróquia, com a ajuda dos franciscanos, estão a montagem e distribuição de cestas básicas para cerca de 100 famílias, a administração de um brechó feito com doações dos próprios moradores e que ajuda a manter os serviços prestados, o diálogo próximo com os jovens através do catecumenato, visitas aos enfermos, e a Paróquia também oferece seus espaços para a realização de aulas de inglês e artesanato totalmente gratuitas para a comunidade, encontro de grupo de mulheres, além das atividades religiosas.

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Apesar de os trabalhos paroquiais serem muito parecidos aos de outras localidades, a Rocinha tem um gosto especial para o serviço franciscano, como nos conta Frei Sandro Costa, pároco responsável pelos serviços pastorais na comunidade: “Aqui, acredito que podemos viver o carisma de forma mais próxima. Existe essa ligação com a pobreza e ao mesmo tempo essa luta contra ela em busca de dignidade. Quando tive a oportunidade de escolher onde morar e trabalhar, não tive dúvidas: escolhi a Rocinha”, afirmou o religioso, que enfatiza também a diferença entre o trabalho voluntário e o trabalho pastoral desenvolvido por eles: “O trabalho voluntário é quando uma pessoa reserva parte de seu tempo para se dedicar a algo. O nosso serviço é constante. É mais que uma atividade voluntária, é um estilo de vida”. Quando questionado sobre a maior conquista dos Franciscanos para a Rocinha, Frei Sandro fala com orgulho da independência com que a comunidade tem conseguido desenvolver os serviços pastorais.

O pároco reside sozinho na Rocinha, porém recebe ajuda de frades estudantes durante os fins de semana. Um deles, Frei Gabriel Alves, quando perguntei sobre ter medo da violência ao trabalhar na Rocinha, contou que sua vida já foi entregue pela fé: “Aqui nunca tive medo, porém minha vida já está entregue a Deus. Se eu me recusasse a trabalhar aqui ou em qualquer lugar é como se eu estivesse tomando minha vida de volta”, disse. Frei Gabriel mora em Petrópolis, é formado em Filosofia e atualmente é estudante de Teologia no Instituto Teológico Franciscano.

Os jovens também são muito ativos nos serviços pastorais e sociais da Paróquia e o estudante Nícolas Pereira se considera um assistente do trabalho franciscano na comunidade: “Acredito que eu seja mais colaborador. Talvez quando era criança eu fosse mais ajudado, mas hoje vejo famílias na Rocinha em situações mais complicadas que a minha e sinto que eu posso ajudar”. Ele fala também sobre a vivência com a violência na comunidade: “Já vi amigos se perderem nessa vida, aos poucos vamos ficando invisíveis, e eles ficam invisíveis também, por mais que a gente lute para que isso não aconteça”. Nícolas tem 15 anos e faz parte do grupo de catecumenato com outros jovens da Paróquia.

O serviço com jovens do catecumenato é desenvolvido por Celina Gomes, moradora da Rocinha há 50 anos e voluntária na Paróquia. Ela conta sobre outra realidade: “Eu conheci uma Rocinha onde você plantava e colhia. Hoje você joga o lixo, entope; mata e morre”.

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A Rocinha tem inúmeros problemas, é uma comunidade imensa e também sofre com o descaso público, porém os serviços prestados tanto por diversas ONGs quanto pelos Franciscanos nutrem uma forte esperança na comunidade. Todos com quem tive a oportunidade de conversar falam com muita afeição pelo local e sonham em ver a Rocinha cada vez melhor. Há uma percepção de realidades diferentes dentro da mesma comunidade, talvez pelo seu tamanho, talvez por estar localizada em uma região nobre do Rio de Janeiro, e talvez por isso ela se tornou um símbolo da desigualdade social no país.

A Rocinha possui ritmo, mística, diversidade e um constante estado de alerta, mas é a crença em um futuro sempre melhor que move os becos tão particularmente estruturados: “O que me encanta na Rocinha é o povo, que não deixa de lutar, as pessoas saindo cedo para trabalhar, o choro das crianças quando os pais as deixam nas creches. É um povo acolhedor, um povo solidário. Os becos, as ruelas, as casas; costumo dizer que não há arquiteto no mundo que consiga desenvolver o que fizemos aqui”, conta Celina com orgulho.

A respeito do estilo de vida apresentado por Francisco de Assis, que sentiu o amargo se tornar doce durante sua vida de entrega ao próximo e à pobreza, seus seguidores conseguem sentir este mesmo sabor ao trabalhar e viver na Rocinha: amarga em alguns aspectos para muitos, mas que se torna cada dia mais doce para quem decide se envolver verdadeiramente com suas histórias de luta, de esperança e de vida.

(*) Thaís de Oliveira Pereira é estudante de jornalismo, pertence à Paróquia de Campos Elíseos, em Duque de Caxias (RJ). Este texto foi cedido a este site.

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