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Igreja da Rocinha: 80 anos da primeira missa

03/05/2018

Notícias

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Frei Sandro Roberto da Costa*

Há 80 anos atrás…

No dia 1º. de maio de 1938, um domingo, moradores da Rocinha, frades franciscanos, benfeitores e autoridades se reuniam para a celebração da missa que marcaria a inauguração da igreja Católica da comunidade. A obra foi toda conduzida pelos frades franciscanos da Província da Imaculada Conceição do Brasil, que desde 1922 dirigiam a Paróquia de Nossa Senhora da Paz, no bairro de Ipanema.

A Rocinha surgiu do loteamento das terras da fazenda Quebra Cangalha, no final dos anos 1920, e era então, uma verdadeira “roça”, com moradores vivendo basicamente do cultivo de hortaliças e frutas, que plantavam e colhiam nos morros que ficavam entre o mar e o maciço da floresta da Tijuca. Com a venda dos lotes, a comunidade começou a se desenvolver, com a vinda de imigrantes portugueses, italianos, nordestinos, mineiros. Os frades vinham uma vez por mês celebrar a missa, atender confissões, batizar e atender os doentes. A missa era celebrada em cima de um caminhão.

Sobre a construção da igreja, temos alguns relatos dos dois frades mais diretamente envolvidos em todo o processo, Frei Edgar Loers, então Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Paz, em Ipanema, e de Frei Pedro Sinzig, da mesma fraternidade.

Em carta de 13 de dezembro de 1937, Frei Edgar assim se dirigia ao Monsenhor Costa Rêgo, responsável pelas construções da Diocese: “O abaixo assinado, Vigário da Paróquia Nossa Senhora da Paz, pede humildemente à Vossa Eminência licença para construir uma Igreja – escola paroquial – no lugar denominado Rocinha, Estrada da Gávea, e benzer e colocar a primeira pedra, no próximo domingo, dia 19 de dezembro”. Sobre a planta da igreja, projetada por Frei Edgar, Frei Pedro Sinzig comentava, no dia 2 de dezembro do mesmo ano: “As condições muito especiais desta construção que terá que servir para escola e capela, exigiram linhas, divisões, instalações e providências de solução não muito fácil”. Mas acrescentava: “É preciso, porém, confessar, que o autor do projeto soube ligar… as exigências da utilidade prática e da extrema economia imposta pelas circunstâncias, com a dignidade reclamada pela Casa de Deus, e com um bom gosto notável”.

Apesar da citada “extrema economia imposta pelas circunstâncias” a obra seguiu em frente, com doações, o trabalho dedicado dos moradores e voluntários, e a supervisão dos frades. Foram formadas três Comissões com moradores da comunidade. No dia 19 de dezembro era colocada a Pedra Fundamental, tendo sido Paraninfos Dona Agostinha da Silva e Sr. Alfredo Ferreira Chaves. Nem tudo saiu como previsto. Segundo Frei Edgar: “A chuva não permitiu maior movimento. Prejuízo material”. Mas a mão da Providência também não faltou, como testemunha também frei Edgar: “Tendo um generoso benfeitor ofertado 5 contos de réis, começamos o levantamento das paredes, e, em princípios de fevereiro, dia 6, já com as paredes em regular altura, fizemos uma segunda festa, desta vez com mais sorte e renda regular. A concorrência do povo só não foi maior devido à ameaça de chuva. Resultado: entrada: Um conto, 517 mil e 700 réis (1$517.700).

Despesa: 975 mil réis; lucro: 542.700 réis. Em 9 de fevereiro encomendei a madeira do telhado. Em 9 de março encomendei 4 mil telhas… uma vez coberto o edifício, iniciou-se o revestimento interno da sacristia, quarto e corpo da Igreja para iniciarmos o mais breve possível as aulas. Comprei uma barata (um tipo de carro de dois lugares, chamado Ford Baratinha, lançado em 1927), para condução das duas professoras (1 conto e 300 mil réis). Fiz um pedido de carteiras ao Departamento de Educação. Até hoje sem resultado”. O esforço de todos fez a obra seguir em frente. Os moradores ajudavam como podiam, fazendo massa, carregando telhas e tijolos, trazendo baldes de água de longe. Com todo o empenho dos fiéis e dos frades, a parte principal da construção foi concluída em fins de abril de 1938.

Na edição do dia 29 de abril de 1938 o Jornal do Brasil noticiava: “Após longos meses de lutas incessantes, bem compensadas, será inaugurada, amanhã, dia 1º., a capela do lugar denominado Rocinha, nas montanhas da Gávea. Foi necessário, para tanto, um longo e penoso trabalho, mas, com alegria espiritual de todos, a obra atingiu o seu termo e já agora, de amanhã em diante o povo do local terá onde render graças ao criador pelos benefícios recebidos. A direção dos serviços esteve a cargo de Frei Edgar Loers, da Ordem de São Francisco, que nunca poupou esforços para o elevado fim. Frei Edgar, seja dito, sempre teve a seu lado, como colaborador decidido e infatigável, o Sr. Antônio Evangelista de Menezes, operário da Legião dos Crentes em Jesus e que de alma e de coração sempre se consagrou a Deus. A capela terá como sua Padroeira Nossa Senhora da Boa Viagem.

A inauguração do templo, com a cerimônia inicial de benção, será amanhã, domingo, às 8 horas. A imagem será transportada para o alto da Gávea e dali, em procissão, até a capela, que se ergue à estrada da Gávea n. 350. Em seguida à benção haverá missa e comunhão geral. Durante todo o dia haverá uma grande quermesse, tocando uma banda de música. Junto à capela, funcionará uma escola, com cursos diurno e noturno”.

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Imagens da construção da capela – janeiro de 1938 (Arquivo da Província Franciscana)

No dia 1º. de maio de 2018, 80 anos depois…

Os moradores da Rocinha se reuniram para a celebração e memória dos acontecimentos acima relatados. O dia amanheceu tenso. Se a preocupação de Frei Edgar naquele tempo era a chuva, nossa preocupação eram os tiros e bombas que estouraram por toda a comunidade, durante o dia inteiro. A energia elétrica foi cortada logo cedo, e só retornou à tarde. Mesmo assim, os preparativos foram em frente. Com o anoitecer, veio um pouco de paz e as pessoas, mesmo receosas, puderam sair de suas casas para a celebração. O Cardeal D. Orani foi convidado para presidir a celebração. Foram convidados todos os sacerdotes, religiosos e religiosas que por aqui passaram nestes 80 anos. Vários já faleceram, alguns estão debilitados, outros moram longe. Mesmo assim alguns compareceram, e foram muito aplaudidos quando dirigiram uma breve palavra aos fiéis que um dia pastorearam. Vários frades estudantes de Petrópolis também se fizeram presentes. Na abertura da celebração, entrou D. Josefa que, com seus 82 anos, lembra-se de ter participado da primeira missa. Entrou levando a imagem da padroeira, e foi aplaudida de pé. No final da missa, os anjinhos fizeram a coroação de Nossa Senhora da Boa Viagem. Um grande bolo, oferecido pelos benfeitores, salgados e refrigerantes ajudaram a animar a noite. Um brilho todo especial foi dado pela Orquestra da Escola de Música da Rocinha, composta por crianças e adolescentes da comunidade, que funciona nas dependências da Paróquia.

A igreja de pedra da Rocinha surgiu porque, no local, já havia a Igreja Povo de Deus. Antes de qualquer construção, homens e mulheres de fé se reuniam aqui para celebrar a vida, e encontravam, nos Evangelhos e nos sacramentos, a força e a inspiração que davam sentido à própria existência. A construção foi sonhada para servir à dupla finalidade de ser templo e escola. Sonho e projeto de pessoas de fé, mas também preocupados com a formação humana dos moradores desta área da cidade, já desde aquele tempo abandonada pelo poder público. À celebração da fé, dos sacramentos e da Vida, unia-se a instrução de tantas crianças que tinham, na escola da “fundação”, a única possibilidade de aprender as primeiras letras. Hoje a Rocinha passa por momentos difíceis. Mas a celebração destes 80 anos nos mostra que a vida é muito mais do que medo e violência. Nestas oito décadas a Rocinha sobreviveu a tantos acontecimentos, e muita coisa bonita foi feita. Nesta celebração reafirmamos a certeza de que esta situação não vai durar para sempre. Renovamos nossa esperança de que um novo tempo vai surgir, onde a paz e a justiça reinarão para todos. E nós, Igreja e Povo de Deus da Paróquia Nossa Senhora da Boa Viagem da Rocinha, queremos continuar fazendo parte desta história.

*Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Boa Viagem, Rocinha (RJ).

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