Quaresma de São Miguel Arcanjo, uma tradição franciscana
27/09/2023
As Fontes Franciscanas relatam que entre 15 de agosto e 29 de setembro, Francisco de Assis dirige-se ao Monte Alverne com Frei Leão e Frei Rufino a fim de fazer uma quaresma de oração e jejum em honra de São Miguel. Na proximidade de 14 de setembro, festa da Exaltação da Santa Cruz, Francisco tem a visão do Serafim Alado e Crucificado e recebe os estigmas.
A Quaresma a São Miguel Arcanjo é um tempo especial de oração e penitência. Tem início, com a Festa da Assunção de Nossa Senhora em 15 de agosto e termina no dia 28 de setembro, véspera da festa em honra aos Santos Arcanjos Miguel, Gabriel e Rafael.
Segundo o Dicionário Franciscano, a existência de anjos não é problema para Francisco, que, enraizado na fé do seu tempo, familiariza-se com a ideia da existência desses seres: são irmãos atuantes no serviço de Deus, companheiros de jornada, auxílio nas dificuldades, e a eles se une por meio de vínculo amoroso.
O espírito de oração e sacrifício em São Francisco era muito grande. Tanto que realizava por ano três quaresmas – todas elas no Alverne – além de outro período de jejum e oração em honra da Mãe de Deus pela qual tinha doce e especial amor, que ia da festa de São Pedro e São Paulo até a festa da Assunção. Francisco manifesta predileção pela Porciúncula, “Santa Maria dos Anjos”, sabendo, por experiência própria, que aquele lugar era frequentemente visitado pelos anjos. Segundo o Pai Seráfico, eles são exemplos de pureza.
São Boaventura diz em sua Legenda Maior, capítulo 9, parágrafo 3 dos Escritos biográficos de São Francisco: “Um vínculo de amor indissolúvel unia-o aos anjos cujo maravilhoso ardor o punha em êxtase diante de Deus e inflamava as almas dos eleitos”. Segundo o Dicionário ainda, o rosto de Francisco morto é comparado à beleza dos semblantes angelicais.
São Miguel, sobretudo, a quem cabe o papel de introduzir as almas no paraíso, era objetivo de uma devoção especial, em razão do desejo que tinha o santo de salvar a todos os homens. Era do conhecimento de Francisco a autoridade e o auxílio que o Arcanjo Miguel tem em exercício das almas em salvá-las no último instante da vida e o poder de ir ao purgatório retirá-las de lá.
Esse era o principal motivo pelo qual Francisco realizava sua quaresma e isso é relatado na legenda Terusiana (número 93) de sua biografia, na qual o santo vai dizer no ano de 1224, ano em que recebeu os Estigmas no Monte Alverne: “Para honra de Deus, da bem-aventurada Virgem Maria e de São Miguel, Príncipe dos Anjos e das almas, quero fazer aqui uma quaresma”.
O Anônimo Perusino, outra biografia de São Francisco ligada mais aos seus primeiros companheiros, refere-se ainda a outro evento marcante que São Francisco associava à Festa de São Miguel. Conta que, depois da aprovação da Regra pelo Papa, quando contava ainda com poucos irmãos, o bem-aventurado Francisco mandou que duas vezes por ano houvesse capítulo, em Pentecostes e na festa de São Miguel, no mês de setembro.
A devoção de São Francisco a São Miguel Arcanjo nasce no contexto da Idade Média. O principal ponto de difusão desta devoção era o Santuário de Monte Sant’Angelo de Gargano, às vezes chamado simplesmente de Monte Gargano, no município de Monte Sant’Angelo, na província de Foggia, no norte de Apúlia. Ali, segundo a tradição, São Miguel teria aparecido em uma gruta pedindo que o local fosse consagrado ao culto cristão.
Acredita-se que São Francisco tenha visitado este santuário em 1216, mas, conforme a tradição, o Santo de Assis não teria entrado na gruta por não se sentir digno. Teria rezado somente na entrada da Igreja, beijado o chão e traçado o sinal da cruz em uma pedra em forma de “T” (Tau). Ainda hoje, ao lado esquerdo da entrada da caverna, existe um altar erguido em honra a São Francisco e em memória desta peregrinação.
O franciscanismo das Fontes Franciscanas move-se nesse clima de fé professado pela Igreja com respeito à existência e à pura espiritualidade dos anjos. Infelizmente, segundo o Dicionário Franciscano, difundiu-se em nossos dias uma concepção crítico-positivista que relega os anjos à categoria de legendas e fantasias infantis, ridicularizando as crenças do passado. “Mas a maior parte dos teólogos reforça a fé tradicional acerca da sua existência como puros espíritos, que se relacionam com os homens; evidenciando sobretudo a sua relação com Cristo, a quem tudo é submetido, em relação ao mistério da salvação, de que são colaboradores. É sob este prisma que se desenvolve a devoção de Francisco aos arcanjos, como companheiros no caminho da salvação”.
Moacir Beggo