Notícias - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Primeiras impressões de Angola

03/10/2008

Notícias

A realidade que nos cerca – Angola tem entre 15 e 17 milhões de habitantes. Como muitos outros, este é um país rico (tem petróleo, diamantes…) com povo muito pobre. Luanda, capital do país, tem hoje (somando os municípios da região metropolitana) de 4 a 6 milhões de pessoas. É uma cidade de grandes contrastes, com poucos muito ricos e a grande maioria muito pobre..Cerca de 90% da população mora nos populosos bairros da periferia, que incharam rapidamente em consequência dos 27 anos de guerra civil. Pessoas e famílias fugiam em massa do interior, onde havia bombardeios, invasão e saque de casas e aldeias, chacinas e todo tipo de violência, buscando refúgio na capital. Deixavam tudo para trás e, aqui chegando, se instalavam como e onde podiam.

Criou-se, assim, uma grande periferia com barracos precários, sem infraestrutura como água, esgoto, energia elétrica, coleta de lixo, escola, posto de saúde, estradas… A guerra, iniciada em 1975, terminou apenas em 2002. Aos poucos, o país volta ao normal, correndo atrás do tempo perdido para solucionar muitos e graves problemas.

Fraternidade da Porciúncula – Moro no bairro da Estalagem, município de Viana, periferia da capital, a cerca de 20 km do centro de Luanda. Somos quatro frades na fraternidade: dois brasileiros (Frei Ângelo J. Luis, presidente da FIMDA, e eu) e dois angolanos (Frei Afonso Katchekele Quessongo e Frei Antônio B. Zovo Baza, estudantes de Teologia). A casa fica em uma área muito bonita, no meio de um bairro muito pobre.

As instalações, com diversas estátuas de animais feitas de concreto, são parte de um parque turístico que estava sendo construído e foi abandonado antes de terminar (um dos sócios faleceu). Os frades, então, adquiriram parte do terreno e adaptaram as estruturas existentes para uma casa de formação (seminário), a fim abrigar frades e seminaristas. Da próxima vez prometo enviar fotos do local (ainda não consegui uma máquina fotográfica).

Transito caótico

O trânsito, um grande desafio! – Com o trânsito quase sempre engarrafado, demoramos cerca de 2 horas ou mais para chegar ao centro da capital, mesmo saindo de casa  pelas 5 h da manhã! Às vezes gastamos mais de 3 horas, apesar das novas pistas pavimentadas pelo projeto de reconstrução nacional. É muito carro pra pouca estrada! Frei Afonso e Frei Antônio enfrentam todos os dias este trânsito, na ida e na volta, para poderem estudar!

Casa-mãe da Missão no bairro Palanca – A Fraternidade São Francisco de Assis, sede da FIMDA, fica no Bairro Palanca, a pouco mais de 6 km de Viana, seguindo em direção ao centro de Luanda. Ali moram Frei Sebastião A. Kremer (guardião e pároco), Frei José Urley Builtrago (frade colombiano) , Frei Atílio Battistuz (recém-chegado do Brasil) e Frei Márcio A. Terra (responsável pelo Projeto Nossos Miúdos).

Os frades do Palanca atendem também à Paróquia São Lucas, cuja matriz fica nas proximidades, e o Quimbo São Francisco, em frente à casa, onde se realizam muitos encontros, reuniões e celebrações, tudo ao ar livre, embaixo das árvores.

Celebração no Quimbo São Francisco, bosque-santuário junto à casa dos frades no Palanca.

O lixo e as ruas da periferia – Só na região central há coleta regular de lixo. Nos bairros da periferia, onde mora cerca de 90 % da população, o lixo de todo tipo fica acumulado nas ruas e nos terrenos baldios. Inclusive carcaças de carros e caminhões e eletrodomésticos fora de uso.

Não há ainda reciclagem de materiais (nem de latinhas de alumínio) e muito menos coleta seletiva. No período de seca como agora, chamado “época do cacimbo”(1), com bastante vento, as ruas de terra dão origem a muita poeira. A areia solta se acumula no meio das ruas, dificultando a circulação de veículos, o que é agravado por grandes e incontáveis buracos.

Na época das chuvas (de meados de outubro até abril ou maio), as ruas destes bairros ficam intransitáveis. Os grandes e numerosos buracos se enchem de barro e lama, misturados com muito lixo. Nas ruas principais, que ainda permitem circulação, transitam apenas carros grandes e fortes (tipo jipes e picapes) com tração nas 4 rodas. São assim as ruas para chegar até nossa casa, na Estalagem. Quando chove, para andar nas ruas, só com bota de borracha de cano longo!
Felizmente chove menos na capital que no interior!

Muitas crianças sem escola – A qualquer hora encontramos muitas crianças brincando nas ruas. São mais de 100 mil crianças ainda sem vagas nas escolas só na região metropolitana de Luanda! Angola é também o 2º país do mundo em mortalidade infantil!

A Pastoral da Criança, juntamente com a rede de escolinhas e creches da Missão Franciscana, buscam dar resposta a este grave problema! O governo também está envidando esforços neste sentido.

Projetos sociais na Missão

Crianças em rua esburacada, defronte à casa das Irmãs Franciscanas de Ingolstadt, no bairro Palanca. A água na rua é do chafariz público, onde as pessoas vêm buscar água.. Acima das crianças vemos os galões (bidões) amarelados, de 20 litros, muito utilizados para transportar água ou combustível.

Franciscana – Fui transferido para Angola sobretudo para ajudar na organização dos trabalhos sociais. E nesta questão, as perspectivas são boas.
Trabalhos sociais em andamento – Temos uma rica variedade de projetos sociais em andamento na Missão Franciscana de Angola. Alguns conduzidos diretamente pelos Frades, outros por Irmãs (religiosas) de diversas Congregações.

Destacam-se a rede de escolinhas primárias, creches, postos de saúde, o Projeto Nossos Miúdos (que acolhe crianças abandonadas da periferia de Luanda, onde também funciona uma padaria profissionalizante e, em breve, também funcionará uma cooperativa de ex-internos).

Temos ainda o Projeto dos Tratores (onde uma patrulha de tratores, administrados pelos frades, prepara a terra para os agricultores plantarem), o Projeto das Lavras (roças comunitárias), que destina 40% da produção para idosos e doentes, o Projeto de Produção de hortaliças e outros…

Novos projetos em gestação – Estamos adiantados na reforma da sala onde funcionarão os Cursos de Informática (Centro de Inclusão Digital) no bairro da Estalagem, em Viana. Os computadores já estão comprados, com ajuda da Missionszentrale, entidade de ajuda dos franciscanos da Alemanha.

Graças à credibilidade conquistada junto à sociedade local, em breve os frades assumirão, em parceria com o Governo local, o gerenciamento do Centro de Formação Profissional do município de Cangandala, na Província de Malange. Ali teremos, inicialmente, cursos de agronomia, carpintaria, eletricista e pedreiro. Frei Ivair, que retornou recentemente a Angola, deverá ser o responsável pelo gerenciamento deste centro profissionalizante.

Crianças estudam em escola destruída pela guerra. Esta escola já foi reformada pela nossa Missão. Na próxima matéria enviarei fotos da nova escola.

Projeto Ecológico – Estamos discutindo uma possível parceria com as Irmãs Catequistas Franciscanas para desenvolvermos, em conjunto, um ousado Projeto Ecológico no município de Cazenga, aqui próximo, o mais populoso da periferia de Luanda, com cerca de 1,5 milhão de habitantes.
Queremos trabalhar diversos aspectos, sobretudo ligados à questão do lixo, da reciclagem, da coleta seletiva e da geração de renda. Para isso as Irmãs decidiram liberar três religiosas, todas qualificadas, já no início do ano que vem: Ir. Sílvia, Ir. Sandra Regina e Ir. Enedir. Frei Atílio Batisttuz, recém chegado do Brasil, também deverá contribuir com sua larga experiência de atuação na área ambiental.

Em Angola ainda não existe, praticamente, nenhum trabalho na área da reciclagem. Daí cosiderarmos o projeto prioritário. Além de tirar boa parte do lixo das ruas e contribuir para a preservação do meio ambiente, poderá gerar renda para muitas famílias que hoje não têm de onde tirar seu sustento (em uma próxima matéria daremos maiores informações sobre este projeto).

Acredito que a experiência acumulada nos trabalhos do RECIFRAN (Serviço Franciscano de Apoio à reciclagem), onde trabalhamos juntos, Irmã Enedir e eu, em muito deverá nos servir nesta nova empreitada!

Senhoras (Mamás) da comunidade de Kibala participam da festa, no espaço onde será o Refeitório do Seminário.

Necessidade de maior integração – Outros trabalhos sociais estão sendo desenvolvidos, sobretudo pelas Irmãs, os quais ainda não cheguei a conhecer. Como podem ver, são muitos e bem diversificados e de grande relevância os projetos sociais desenvolvidos em Angola pela Missão Franciscana (pelos Frades, pelas Irmãs e pelos Leigos Franciscanos (2),membros da OFS ou apenas simpatizantes de São Francisco). Contudo, na maioria dos casos os projetos estão dispersos, isolados, necessitando de maior integração. É um desafio a ser superado para fortalecer e garantir a continuidade e mesmo a ampliação desta nova, bonita e necessária frente de evangelização missionária.

Espero que, a exemplo do que ocorreu no Brasil com a criação do SEFRAS, possamos aqui também criar uma rede, integrando todos os trabalhos sociais, de forma que possam ser apresentados à Igreja e à sociedade como Trabalho Social da Missão Franciscana (ou da Família Franciscana) em Angola.

Visita a Kibala – Dia 30 de agosto participamos em Kibala, a 300 km de Luanda interior adentro, da inauguração oficial (ereção canônica) da Fraternidade Santo Antônio. É uma região muito bonita, cheia de pedras e montanhas. Frei Laerte de Farias dos Santos, Frei Valdir Nunes Ribeiro e o leigo franciscano, Sr. Adávio Afonso Ribeiro, da OFS, compõem esta nova fraternidade, marcando o retorno dos frades a Kibala 10 anos após terem sido obrigados a abandoná-la em consequência da guerra (3).

Celebração no Quimbo São Francisco, bosque-santuário junto à casa dos frades no Palanca.

O frades moram em uma casa improvisada, construída a partir de dois contentores (containers). Além de atenderem um setor da Missão de Kibala, trabalham também para reconstruir, aos poucos, as instalações, totalmente depredadas neste tempo de abandono, fazendo também algumas ampliações. Isso porque ali deverá funcionar, já no início de 2009, mesmo em instalações precárias, uma das etapas da formação de novos frades angolanos (seminário), chamada Postulantado.

A maior parte do terreno ao redor da casa está ainda cheio de minas terrestres, colocadas pelos militares que fizeram da antiga casa dos frades uma base militar no tempo da guerra. Assim, a circulação fica bastante restrita, não permitindo, por exemplo, que se faça um pomar ou alguma plantação maior. Para nossa alegria, Frei Laerte comunicou que ontem a ONG “Ajuda Popular da Noruega” iniciou os trabalhos de desminagem do terreno.

Obras de reconstrução do país

Rua do Bairro Palanca, ainda na época da seca

Obras de reconstrução do país – As dificuldades de infraestrutura, aos poucos, vão sendo superadas. O país virou um grande canteiro de obras. Novas estradas, pontes, ferrovias, redes de energia elétrica, redes de água, escolas, hospitais, habitações, mercados, indústrias… A economia cresce em ritmo acelerado…

As eleições parlamentares do último dia 5 de setembro ajudaram a fortalecer o clima de democracia e a consolidar o novo tempo de paz. O progresso caminha a passos largos!

Sequelas da guerra – Contudo, ainda vai demorar para que sejam superados completamente o atraso, a destruição e os traumas produzidos por 27 anos de guerra. São apenas 6 anos de paz! A guerra matou cerca de 1,5 milhão e deslocou em torno de 4 milhões de pessoas. Diversas estradas, pontes e prédios públicos e particulares destruídos ainda não foram reconstruídos.

Milhões de minas terrestres no caminho da paz – Há milhares de mutilados, vítimas de minas terrestres que explodiram ao serem pisadas. Milhões de minas anti-pessoais e anti-tanque ainda estão espalhadas pelo país, produzindo novas vítimas todos os dias.

Muitas terras não podem ser plantadas porque são verdadeiros campos minados. Algumas fontes de água, caminhos importantes e muitos outros recursos continuam inacessíveis pelo mesmo motivo. O turismo, que poderia ser uma grande fonte de renda para o país, também fica prejudicado. Ainda levará décadas para Angola se livrar completamente desta verdadeira maldição que são as minas terrestres.

Cerimônia de Inauguração (ereção canônica) defronte à casa dos frades de Kibala

Geração marcada pela guerra – O longo período de guerra deu origem a uma geração que não teve acesso à escola, à saúde, ao trabalho, a uma vida normal e regrada. Quem tem hoje 35 anos ou menos de idade praticamente não conheceu a paz, a não ser nos últimos seis anos! Muitos viviam fugindo de um lado para o outro, deixando tudo para trás, tentando apenas preservar a vida!

As maiores sequelas, contudo, estão na alma, na mente e no coração de inúmeras pessoas que presenciaram (ou que foram obrigadas a praticar) os horrores da guerra, que perderam todos os seus entes queridos, que tiveram suas vidas e suas famílias violentadas… Ainda carregam dentro de si a lógica da guerra., na qual foram criados.

É esta a realidade da maioria da população que vive nas periferias de Luanda e das principais cidades do país. Muitos ficam apavorados com qualquer estrondo mais forte, com aviões e helicópteros voando mais baixo que o normal…

Para esta geração é difícil conseguir emprego e nele perseverar. Enfrentam dificuldades também para conseguir outra forma de geração de renda. Boa parte sobrevive do comércio informal.

Desemprego – A porcentagem de desempregados é muito grande (as fontes falam de 25 até 40 %). Diversos fatores contribuem para esta elevada taxa de desemprego. Entre eles estão a falta de escolaridade e de qualificação profissional dos jovens e adultos, aliada a sequelas e condicionametos causados pelo ambiente de guerra no qual foram criados.

Contribuem também os acordos para a reconstrução do país, assinados com outros países (sobretudo com a China) que permitem a contratação praticamente exclusiva de trabalhadores estrangeiros pelas empresas que aqui atuam nas obras de reconstrução, deixando à margem desta oportunidade a maioria dos trabalhadores angolanos.

 

Nova estrada pavimentada, ligando Luanda a Kibala.

Escassez e alto custo dos materiais – O grande número de obras em andamento no país e a insuficiente produção local provoca escassez de materiais de construção, elevando seus preços. O mesmo acontece com a maioria dos produtos e serviços no país, trazendo dificuldades para o povo e também para nós, missionários.

A manutenção das atividades da Missão, as obras de ampliação e melhoria das instalações, bem como a implantação de novos projetos custam cada vez mais.

Temos muito a agradecer – Se temos muito a pedir, muito mais temos a agradecer! O povo angolano é muito religioso, generoso, solidário, acolhedor… As celebrações são vivas, animadas, cheias de demonstrações de fé. As músicas e cantos são , com muitas e animadas músicas, a maioria nas líguas locais.

Os corais populares, presentes em quase todas as celebrações, dão um show de animação, com cantos, instumentos, coreografias e danças rituais… Participam ativamente, com muito fervor. Dá gosto trabalhar com um povo assim!

Com certeza é graças às orações e ao efetivo apoio que recebemos de vocês, nossos benfeitores e amigos, de dentro e de fora do país, que podemos realizar tudo o que fazemos, com a graça de Deus!

Prédio da antiga Delegacia de Kibala, destruído por bombardeios.

Outubro, mês missionário – Outubro é o mês dedicado às Missões! Dia 01 de outubro festejamos Santa Teresinha do Menino Jesus, padroeira das Missões. Dia 4 celebramos nosso padroeiro e fundador, São Francisco de Assis, grande missionário e evangelizador.

Que eles intercedam a Deus por nós, missionários e missionárias, ajudando-nos na superação de todas as dificuldades e desafios próprios da Missão. Deus nos ajude, ilumine e fortaleça para que sejamos todos, lá onde estamos e atuamos, verdadeiros discípulos e missionários, construtores do Seu Reino!

Peço encarecidamente que sempre rezem por nós, que estamos em terras mais distantes, para que nossa missão produza muitos e bons frutos.

Frei André Gurzynski, ofm
Luanda, Angola, 10 de outubro de 2008.


(1)“Em Angola a estação seca, chamada época decacimbo, decorre oficialmente de 15 de Maio a 15 de Agosto. Mas varia de ano para ano e de região para região, sendo mais regular no interior”. Na região de Luanda, por exemplo, a seca pode se prolongar até meados de outubro. Felizmente o cacimbo coincide com o período de inverno, com temperaturas mais baixas, diminuindo os efeitos da seca. Fevereiro, março e abril geralmente são os meses de chuvas mais intensas.
(2) Além de várias Congregações de Irmãs, incentivamos também a vinda de Voluntários Leigos para nos ajudarem nos mais diversos trabalhos sociais e de evangelização da Missão Franciscana. Já temos o Sr. Adávio A. Ribeiro, motorista profissional aposentado, que nos ajuda na fraternidade de Kibala, interior de Angola. D. Lurdinha, de S. Paulo, voluntária do SEFRAS por quase 10 anos, está aguardando seu Visto de Residência e deverá ser a próxima leiga a vir nos ajudar. Maiores informações sobre o Programa de Voluntariado Leigo para a Missão favor entrar em contato comigo pelo e-mail andregur@gmail.com.
(3) Em 13/11/1998 Frei Valdir, que já morava em Kibala, levou um tiro de fuzil pelas costas, o que forçou a saída dos frades daquela cidade. Corajosamente ele retorna agora, 10 anos depois, para compor a nova fraternidade no mesmo local.

Sou Frei André Gurzynski, irmão franciscano (OFM), da Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil. Cheguei a Angola no dia 17/08/2008, para trabalhar como missionário na FIMDA (Fundação Imaculada Mãe de Deus de Angola). Aos poucos estou conhecendo as pessoas, o povo, a realidade, a história… e me adaptando. A espera pelo Visto de Residência foi longa (demorou um ano e meio) mas finalmente aqui estou, feliz por ter vindo para esta terra como missionário. Sinto-me realmente chamado por Deus para esta missão.