Angola: terra da alegria
21/12/2011
No dia 19 de dezembro completou-se uma semana de nossa chegada nesta terra de alegria e vida. A vegetação pode não ser verdinha, viva, mas o povo sim, cheio de vida e de alegria. Confesso que, após uma semana vivendo aqui, tenho vontade, posteriormente o termino de meus estudos, entregar belos anos de minha existência a este povo tão querido e amado.
Esta experiência está sendo marcante não só pelo fato de conviver com os confrades em outra realidade, mas também por causa do povo que aqui vive. A cultura, o jeito e modo de se viver em Angola é bem diferente do que pensava. Embora, tudo isso sofreu influência, e, ainda sofre, de outros povos.
Quando chegamos há uma semana no aeroporto, dizia em outro texto, que havia encontrado um povo que vibra, que se alegra e que sofre muito. Sofre com o descaso dos governantes e políticos, que apenas o vê na época de eleição. Pude constatar que há duas Angolas: a dos ricos e a dos pobres. Mesmo na Capital, em Luanda, há ruas, especialmente no centro, que são lindas, com praças esplêndidas, cheia de verde e muito limpas. Porém, quando se afasta do centro, em direção à periferia, encontramos muita sujeira, falta de luz e água. Aqui, chamo a atenção: não falta energia e água porque não tem. O que existe é uma distribuição irregular, a cargo de alguns.
Esta Angola a que me refiro é a do povo que sofre pela falta de higiene nas ruas e o descaso com a coleta do lixo. Não acontecendo a coleta, a população fará o que com o lixo? O lixo vai para as ruas. Isso é muito comum nos bairros, onde encontramos para todos os lados “montanhas” de lixos e, por vezes, sendo queimados. Reciclagem? Isso não se pensa. Se no Brasil as pessoas tratam a latinha de cerveja ou mesmo de guaraná como uma celebridade, a qual todos querem pegar, aqui elas são largadas pelos cantos. Esta é uma Angola que não gostei de ver. Neste ponto, contudo, os franciscanos vêm atuando na conscientização e educação para com o meio ambiente.
Como havia comentado no texto anterior, estou morando na Fraternidade Franciscana da Porciúncula, em Viana, próxima a Luanda, e que faz parte da região metropolitana da capital. As ruas dos bairros, até agora em todos dos sítios (como se chama ‘rua’ aqui) onde passei não encontrei asfalto, mas muitos buracos. No carro da missão, um 4 por 4, os passageiros vão se balançando entre um solavanco e outro. Quando chove, carros baixos não passam, porque os sítios parecem rios.
Esta época do ano é das chuvas, mas até agora não vi cair nenhuma gota do céu. Pela manhã, o céu nos dá a impressão de que será um dia de chuva, fica fechado, porém passado algumas horas o sol aparece. O calor não dá trégua. Aqui estou tomando uns quatro banhos por dia. Já até me acostumei ao calor. Penso que a Baixada Fluminense seja mais quente que aqui, embora sempre durante o dia haja uma brisa que nos refresca. Passado o dia todo de intenso calor, por volta das 17 horas começa uma brisa suave que refresca e suaviza a alma da gente. A sensação que nos dá é de um frescor imenso e de muita paz.
Como até agora só estive no entorno da capital. Às vezes que saí na rua ou mesmo junto ao projeto “Bola da Paz” com os miúdos (crianças, como se diz aqui) senti-me como um verdadeiro estrangeiro, ou melhor, um estranho. Não sou branco, sou moreno claro, porém aqui sou um albino e isso desperta estranheza e admiração por parte dos angolanos. Outro dia até ouvi, “você é bonito”. Comentei com meu confrade, acho que ela precisa de óculos. É compreensível porque não é tão comum ver pessoas de outra raça aqui, a não ser os chineses que chegam aos montes.
Agora, estou impressionado com a alegria deste povo. Muita alegria mesmo. No segundo dia em que estive em Angola, fui junto com meus confrades à Missa numa comunidade que, em janeiro, será erigida a paróquia. Eram 6h30 da manhã e qual foi minha surpresa: a Igreja estava quase cheia, não havia mais muitos banquinhos para sentar. Oitenta porcento da assembleia era composta por mulheres, especialmente as mamas (como são chamas as mães).
Quando dizemos igreja, você logo imagina uma capela, um templo, uma igreja pintada, com bancos, com imagens. Porém, aqui se vive mesmo é a Igreja Povo de Deus, como reza o documento Lumen Gentium. A igreja física que agora vou descrever está construída num terreno grande; no lado externo há algumas árvores cercadas com bancos de concreto, onde se dá catequese e se faz reuniões. A igreja, sob o patrocínio da Beata Liduina, é um templo grande (penso que seja + ou – 50x30m), feito de tijolo de concreto à vista, coberto com folhas de alumínio de telha. No lugar das janelas há grades, sem vidros. A energia utilizada durante as celebrações é de um pequeno gerador, que alimenta o microfone e duas lâmpadas na altura do presbitério. O chão é de cimento batido e o presbitério um pouco mais elevado com um altar no centro de tijolo e cimento. A Igreja está aos pouco sendo construída pela comunidade.
Se nas igrejas do Brasil, com muitos e belos templos, o povo mal canta, aqui se canta forte e com o coração. Da primeira vez que estive na celebração eucarística até hoje me arrepio ao ouvir uma igreja inteira cantando e louvando ao Deus Santo. Muitos cantos são nos dialetos próprios de Angola (a língua oficial é o português, porém há uma infinidade de dialetos) kimbundo, Kicongo, Huambo etc. Por estarmos no Advento, as celebrações não são dançadas, mas o costume é também dançar algumas partes da celebração. Quando passarmos o advento, irei aqui relatar sobre isso.
Outra coisa que me impressionou foi a coleta. A contribuição é sagrada, e eles sabem que é para a manutenção da comunidade e ajudam muito. Seja com 5 kwanzas (kzs) – esta é menor nota do dinheiro de Angola – ou com 500kzs.
Durante esta primeira semana tive a oportunidade de ir às comunidades de fé (capelas) celebrar a novena de Natal. A mesma coisa acontece nelas: muita alegria, ânimo, muita vida. Está sendo uma experiência marcante em meu coração.
Outro dia sai com meus confrades em Luanda. Eles foram resolver algumas questões práticas. Pude conhecer outra face de Angola: os mercados a céu aberto. Existe em Luanda um bairro chamado São Paulo, tal qual a capital paulista, muita gente, muita variedade de coisas e muita, mas muita muvuca. As ruas são repletas de carros e táxis – táxis aqui é uma van, assim como no Rio de Janeiro – e muita gente andando. Para se ter uma noção, até entre os pedestres havia congestionamento nas calçadas. Nas calçadas, as mamas vendem roupas, sapatos, alimentos, inclusive vários tipos de carnes. De modo especial, chamo a atenção para um ponto, na quadra festiva – tempo das festas de final de ano –, as mamas têm o costume de comprar roupas novas para seus filhos.
Uma curiosidade que me chama muito a atenção, por todo canto que ando, são as mamas. As mamas são as mães, e que mães! Eu as chamaria de heroínas. Se no Brasil a gente encontra mulheres que não querem trabalhar porque tem filhos pequenos, aqui isso não existe. As mamas colocam os filhos nas costas, amarrados com um pano que as fixas – acredito que até uns 2 anos de idade – nas costas e, assim, ficam com as mãos livres. É muito comum encontrar mamas que, além de carregar os filhos presos nas costas, ou na cabeça, estão com uma bacia. Imagino não é coisa leve, não! Com penso que não seria capaz de carregar por uns 10 metros. Mas, elas, as mamas, as heroínas de Angola, carregam as bacias, os filhos, e com um detalhe: elegantes.
Agora, eu pergunto como um povo com tanto sofrimento, pouco conforto e nada de luxo pode ser tão alegre. Sim. É um povo alegre, que canta dança e não se esquece de louvar o criador.
Em meu primeiro domingo em Angola tive a oportunidade de participar de uma missa dominical numa comunidade de nome “São Marcos”. Fica num dos bairros de Luanda. A igreja já está estruturada, pintada, com altar, sacrário e imagens. A Eucaristia seria às 7 horas. Chegamos por volta das 6h30 e a Igreja já estava lotada, digo, cheia de gente. Quando começou a celebração tinha muita gente para fora da igreja, nas janelas nas portas laterais, e a uma só voz, clara e forte, entoavam os cantos. Nesta celebração, o que me chamou a atenção foi o fato de se ter dois ofertórios. Aqui, não há o costume de fazer festa, quermesses, bingos para arrecadar fundos para a Igreja. Muito pelo contrário: promove-se ofertórios para isso. O primeiro, que é no momento das oferendas é dedicado à manutenção das pastorais da Igreja e o segundo, naquele dia, foi em prol da construção do muro que cerca a Igreja. E muita gente ajuda! A oferta é feita ao som de um lindo canto em Kicongo, que falava sobre a oferta a Deus.
Concordo plenamente com o Papa Bento XVI que a África é o pulmão da Igreja Católica. Aqui se reza com entusiasmo, com força na alma e na voz!.