Notícias - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Para onde o espírito impele a nossa presença franciscana?

03/07/2013

Notícias

amazoniaEncontro de missionários e missionárias franciscanos da Amazônia 

Irmãos e irmãs, recebei a nossa afetuosa saudação de paz e bem!

1.   Todos nós, irmãos e irmãs da Família Franciscana, convidados pelo Ministro Geral dos Frades Menores, nos encontramos no Centro de Punchana, em Iquitos, capital da região de Loreto, no coração da selva amazônica peruana, de 2 a 6 de junho de 2013, para celebrar o Encontro de missionários e missionárias que vivem na Amazônia. Somos cerca de 50 irmãos e irmãs da Família Franciscana: de Roma estão presentes o Ministro Geral dos Menores, Frei Michael Perry, os dois Definidores Gerais da área e os dois irmãos animadores para as missões e a evangelização da Ordem; seis Ministros Provinciais, alguns representantes OFMCap, uma boa representação de Irmãs franciscanas e um leigo. Conosco também estão dois Bispos de Vicariatos da Bolívia.

2.   Na nossa reflexão fomos orientados pelo tema “A presença franciscana na Amazônia, ontem, hoje e rumo ao futuro” e pelo estimulante lema “Para onde o Espírito impele a nossa presença franciscana na Amazônia?”  E justamente tudo o que juntos contemplamos, meditamos, partilhamos e decidimos, é o que queremos partilhar também convosco, queridos irmãos e irmãs, através desta breve mensagem, que vos enviamos com a esperança de que também vós possais participar das alegrias e esperanças, das dificuldades e dos sofrimentos que nós vivemos cotidianamente na missão da nossa amada Amazônia.

3.   Este nosso encontro acontece dentro de um clima de particular atenção e sensibilidade diante dos sofrimentos que chegam da Amazônia e que encontraram ressonância na Família Franciscana, na Vida Religiosa, na Igreja e também na sociedade. O clamor desta terra ressoou na Ordem dos Frades Menores, em modo particular durante a celebração do último Capítulo Geral de 2009, a tal ponto que os Frades capitulares votaram a proposta de um Projeto integral na Amazônia. Tal projeto pretende, de um lado, apoiar e reforçar as presenças já existentes desde o século XVI; de outro, constituir novas Fraternidades interprovinciais e construir uma rede de solidariedade. E foi assim que o Ministro Geral com o seu Definitório, em colaboração direta com as Conferências OFM da América Latina, deu início à primeira Fraternidade missionária interprovincial de Requena e, ao mesmo tempo, promove o Projeto na sua integralidade com várias iniciativas, como o presente encontro. Por isso, a assembleia não só colocou no centro os irmãos e as irmãs missionários com as suas ricas experiências de vida, mas quis também chamar a atenção da Família Franciscana para este Projeto, a fim de suscitar uma maior e renovada sensibilidade para com o mundo amazônico e lançar um apelo a participar desta grande missão.

4.   Guiados pela metodologia do contemplar, meditar, restituir e celebrar, fizemos assim memória da presença franciscana desde o século XVI, recordando o testemunho daqueles corajosos missionários que muitas vezes deram sua vida pelo bem destes povos. Ao mesmo tempo, escutamos os missionários que hoje atuam no território, as suas experiências, a sua obra de evangelização e promoção humana, as suas dificuldades diante dos grandes desafios atuais. Na escuta dos irmãos e das irmãs procuramos auscultar a voz do Espírito que nos impele à renovação das nossas vidas, presenças e práticas missionárias. Tudo isso nos motivou a renovar a nossa fé no Deus presente que continuamente opera em favor dos povos amazônicos. Isto o fizemos pela escuta da Palavra de Deus e a celebração da Eucaristia, participando de belos momentos litúrgicos.

“Passemos à outra margem!”

(Lc 8,22).
5.   Durante o nosso Encontro, mais vezes apareceu diante dos nossos olhos a imagem da barca, da lancha com a qual nos deslocamos muitas vezes de uma parte à outra na região amazônica. Segundo a tradição, a imagem é referida primeiramente à Igreja, que envolve a todos nós missionários com a tarefa que nos foi confiada de levar a todos os cantos o Evangelho de Cristo. A embarcação torna-se para nós um símbolo muito rico, capaz de descrever a nossa vida missionária. Sobre a barca, de fato, há o timão que, para nós, representa Cristo – como nos recordou o Ministro Geral Frei Michael Perry – que nos indica a direção, o rumo a seguir cada dia; não só, mas, como o timão, o Senhor está sempre presente sobre esta barca e o seu estar conosco nos enche de coragem e esperança. Está ao nosso lado também o motor, que nos últimos anos substituiu os remos e a força dos músculos. O motor é o Espírito Santo que nos conduz pelo caminho indicado por Jesus, infundindo em nós energia, perseverança, fantasia. A barca, além disso, tem o seu ponto de partida e de chegada: e isto é sinal da nossa vida que viaja rumo ao Pai e à sua Casa, que é também a nossa. Do seu coração partimos e a ele regressamos. A barca representa exatamente a vocação do missionário na Amazônia.

6.   A Barca, com o seu espaço interno, faz referência à fraternidade, à nossa vocação de irmãos e irmãs de São Francisco, cada um com o seu próprio carisma particular. Toda a Família franciscana amazônica encontra o próprio lugar nesta barca que deseja alargar-se e abrir espaço aos irmãos e às irmãs que receberam a mesma consagração batismal, valorizando o laicato, sobretudo com a simpatia e a acolhida, buscando modos novos para uma mais verdadeira comunhão e para uma ativa colaboração. Mais ainda, quer dilatar-se e acolher todos os filhos de Deus e também todas as criaturas, as quais São Francisco nos ensinou a chamar de irmãos e irmãs porque plasmados pelas mesmas mãos do Pai criador. A barca, como a vocação franciscana, tem ao natural esta atitude da acolhida, do fazer lugar, do entusiasmo que se torna hino ao Senhor, como também o compartilhar a dor de alguém entre todos. Esta grande barca representa a alegria de estarmos juntos peregrinos e forasteiros, no aqui e agora da nossa história.

7.   A Barca da vocação franciscana quer navegar por toda parte, alcançar a todos e, por isso, é o grande sinal do amor. E o amor é sempre dinâmico, não suporta paradas muito prolongadas. De fato, não se pode amar e não partir, como também não se pode amar e ficar calado. Desde cinco séculos a barca da vocação missionária percorreu com heroísmo a imensidão da nossa região. Os pés dos primeiros missionários se encaminharam sobre as montanhas, penetraram nas selvas mais profundas, ultrapassaram milhares de rios. A nossa história nos ensina que o amor supera todo tipo de fronteira a fim de chegar a todas as culturas e todos os grupos étnicos, a fim de ir viver em qualquer geografia e clima, adaptando-se com alegre sacrifício às situações mais inusitadas. Do livro da história, antiga e recente, aprendemos que os missionários da Amazônia procuraram viver  em suas vidas o despojamento de Cristo a fim de revestir-se, com seráfica criatividade, com os panos dos homens e das mulheres que encontraram pelo caminho. Esta encarnação por amor os tornou atentos às semina Verbi, espalhadas generosamente nestas culturas; uma atenção que é respeito, valorização, grande cuidado para com os valores vividos pelos povos indígenas. A mesma lógica levou-os a aprender as diferentes  línguas do povo a fim de serem tradutores da língua de Deus no idioma indígena. Com a mesma força do amor, eles ainda hoje buscam encher a terra com o Evangelho de Cristo. Com a audácia do amor, com a capacidade de sonhar segundo os sonhos de Deus!
8.   A simplicidade da barca faz referência à nossa vocação de menores. O Poverello de Assis, fascinado pelo exemplo do Senhor, escolheu para si e os seus filhos e suas filhas o nome de menores. Ainda hoje a Família dos Menores, leigos, irmãs e frades, quer deixar-se atrair pelos menores que vivem nos imensos espaços amazônicos. Ir a eles, procurá-los, para estar entre eles, com eles e como eles. Com a convicção profunda de que já a estreita proximidade é evangelização, que o encontro é, por si mesmo, um sacramento por onde passa a presença de Deus. E o primeiro dom que provém deste estar com, entre, como, recebemos propriamente nós, os missionários: quanto é diversa a vida vista através dos olhos dos pobres, do escutar as suas histórias, do estar diante da sua nobre dignidade, tornada dramática muitas vezes pelas condições de miséria em que se encontram! É bem assim: os pobres nos evangelizam, são nossos mestres, ensinam grandes lições de vida, convidando-nos ao essencial, ao senso concreto, à confiança na Providência! Neste meio milênio da nossa presença aqui, vemos com satisfação todos os esforços, as iniciativas, os milhares de sacrifícios dos missionários para a educação do povo, através da construção de escolas, a organização dos cursos, todas as múltiplas iniciativas para oferecer cultura e habilidade laborativa. Ainda hoje estamos convencidos da importância do compromisso educativo, que parte da valorização da cultura nativa, com toda a sua riqueza, recuperando as raízes profundas da sua identidade, a sua sapiente filosofia. Além disso, como família de São Francisco, somos desafiados a sermos pontífices, isto é, construtores de pontes, capazes de unir duas margens diversas, duas culturas distantes, dois inimigos em guerra. Francisco compôs um cântico para reconduzir à paz o Bispo e o Podestá de Assis. Cantores e artistas não faltam em nossa família missionária para conclamar com criativa fantasia à justiça, à paz, à salvaguarda da criação.

9.   Seguindo seu rumo com movimento ligeiro, a barca é ainda o sinal da profecia. Irmãs e irmãos de São Francisco, desde o início, quiseram ser voz. Voz de Deus, antes de tudo, que chama à conversão evangélica, começando sempre por si mesmo. Voz dos pobres: a fim de fazer próprios os seus direitos, para partilhar os seus dramas e suas frustrações, para a corajosa denúncia, mesmo arriscando a própria vida – como várias vezes tem acontecido – diante daqueles que são contra Deus, porque contra os pobres. Voz também daquele sacramento de beleza que é a natureza, assim infinitamente variada e generosa na Amazônia. Sobretudo hoje, os missionários da Amazônia se fazem voz deste rosto de Deus, continuamente desfigurado pela mão tola de quem serve à Mamona. As irmãs e os irmãos missionários da Amazônia querem ser esta voz: falada, gritada com o testemunho da própria vida, se tornando ainda mais forte porque voz de toda a fraternidade.

10. E esta lancha, hoje, é impelida pelo Espírito! De novo, e de maneira sempre diferente, é conduzida rumo ao coração da Amazônia e dos seus habitantes, em meio aos desafios históricos que nos interpelam gravemente. E novidade e fantasia são soprados pelo Espírito de Deus sobre nossa Família Franciscana a fim de purificá-la, iluminá-la e incendiá-la  com aquele fogo que é o próprio amor de Deus, de tal modo que possa inventar novas formas de presença em que a fraternidade seja realmente protagonista; novos caminhos no interior das Igrejas locais, em colaboração com os bispos e segundo o dinamismo da conversão eclesiológica; inéditas modalidades de colaboração mais corajosas entre frades e irmãs e leigos; novos espaços para poder viver uma vida menos estruturada e mais livre a fim de seguir os impulsos do Espírito. Na consciência de que cada redimensionamento exterior parte sempre da renovação interior, aquela da conversão cotidiana. Dessa lancha dirigimos o convite aos irmãos e às irmãs, aos leigos e religiosos, a fim de sairem conosco e vivermos juntos a alegria do anúncio nesta maravilhosa irmã e mãe terra amazônica.

“Lançai a rede…”

(Jo 21,6)
11. O encontro das presenças franciscanas da Amazônia foi o espaço ideal para recuperar a memória do passado, o qual ilumina o presente e abre ao futuro. As diferentes peculiaridades dos participantes das distintas proveniências se uniram num corpo só, fundindo a diversidade na unidade e oferecendo assim a todos uma eloquente imagem do Deus Uno e Trino. Único era, de fato, o amor pela missão na Amazônia que unia todos os missionários e que se evidenciava nos diálogos em assembleia e nos trabalhos de grupo. Durante esses dias do encontro, ajudados pela graça do Espírito, analisamos o contexto em que somos chamados a viver como evangelizadores, aprofundamos o nosso ser irmãos e irmãs diante dos desafios do momento presente e, enfim, escolhemos juntos algumas linhas de ação comuns nos vários âmbitos da nossa missão.

12. A análise do contexto em que vivemos e operamos nos fez constatar alguns fenômenos comuns, a saber, a globalização que provoca a perda de identidade  e que diz respeito, particularmente, aos jovens, a tecnologia e a modernidade; a migração devida a vários fatores, como o prosseguimento dos estudos, o trabalho, a violência; a corrupção presente em todos os níveis, do governo até a pequena população ribeirinha; as políticas neoliberais e mercantilistas que promovem a destruição das florestas e do ambiente sem respeito algum pelos povos indígenas, o aquecimento global, a poluição dos rios.

13. Da parte de todos nós, há necessidade de reafirmar alguns compromissos. Eis os principais: delinear um rosto amazônico à Vida Religiosa, à vida da Igreja, convictos de que o Senhor chama outros missionários para trabalhar nesta região; articular melhor as nossas presenças missionárias e ter a audácia de ir além das nossas dioceses, países e Institutos religiosos de pertença; dispor-nos a uma maior criatividade para dar respostas eficazes e corajosas à renovada compreensão eclesiológica; sentir fortemente a necessidade de sermos nós mesmos discípulos, escutando o povo e aprendendo dos povos aos quais servimos; como menores e humildes, mas também como corajosos testemunhas do Evangelho, fazer frente à realidade das multinacionais e transnacionais, procurando com paixão alternativas estratégicas diante de seus projetos; estar convencidos de que a Fraternidade é fundamental e que nos impele a rever a nossa vida, buscando modalidades mais eficazes para viver neste contexto como uma verdadeira família. Diante dos desafios, experimentamos o forte desejo de continuar a presença na Amazônia, justamente por causa das dificuldades encontradas. Eis as linhas de ação que queremos percorrer em âmbito social e eclesial, como Família Franciscana.

14. No social
•    Queremos, a partir de nossa identidade franciscana, fazer alianças com os movimentos sociais e outros grupos, em defesa da vida e no cuidado da Amazônia.
Para isso, propomos identificar e conhecer os movimentos sociais, grupos de investigação e observatórios de Direitos humanos existentes na nossa região, a fim de dialogar e colaborar com eles.
•    Queremos impulsionar e fortalecer os processos de formação dos leigos para que sejam profetas e atuem como tais em defesa da justiça social e em favor da vida.
Para isso propomos um acompanhamento próximo e fraterno junto aos leigos a fim de os despertar e promover seu protagonismo e sua liderança.

15. Na Igreja
•    Queremos entrar num processo de conversão pastoral e eclesiológica, por meio de uma missão compartilhada, segundo a nossa identidade.
Para alcançar esse objetivo, precisamos rever as nossas práticas pastorais atuais, articulando-as com os planos pastorais das Dioceses e dos Vicariatos.
•    Queremos caminhar com a Igreja local dando maior atenção às comunidades nativas.
Para isto queremos apoiar os povos indígenas na busca da sua autonomia e no respeito aos seus direitos.
•    Queremos caminhar com a Igreja particular dando maior atenção à formação de animadores e líderes.
Para isto queremos:
• inserir-nos nos processos formativos já existentes;
• criar e animar comunidades de base e promover os líderes no meio dos povos, colocando sempre Cristo como centro da evangelização;
• facilitar os encontros no nível local para a partilha fraterna e a coordenação;
• recorrer ao uso dos meios tecnológicos modernos para a formação e para o serviço pastoral.

16. Como Família Franciscana
•    Queremos, através de nossa identidade franciscana, ser sinais vivos de testemunho e de comunhão na vivência e no anúncio do Evangelho.
Para isto nos propomos a facilitar os encontros em todos os níveis para a recíproca animação e formação, utilizar os meios tecnológicos para a formação e a comunicação, criar uma rede de informação e comunicação em vista de uma partilha solidária entre todas as presenças missionárias franciscanas na Amazônia.
Desejamos reafirmar o dom da vida em fraternidade, a partir da experiência de Deus, promovendo relações fraternas com todos e com todas as criaturas, oferecendo contribuição à Igreja e à sociedade com a mística ecológica e o cuidado do meio–ambiente.
Para tal fim propomos constituir uma equipe, na Família Franciscana, de serviço à ecologia e ao meio–ambiente.
Queremos revitalizar o nosso carisma em diálogo com a espiritualidade indígena e compartilhar experiências com comunidades religiosas e com leigos.
Para isso nos propomos encaminhar um trabalho mais próximo às entidades religiosas em defesa da vida e dos direitos humanos.

“Comecemos, irmãos!”

(LM 14, 2)
17. Os participantes deste Encontro de Iquitos estão convencidos da importância de momentos como este, vividos como autêntico espaço de animação e formação recíprocas, de projeção e de reforço da comunhão fraterna. Por este motivo, os mesmos propõem à Equipe organizadora do Encontro Iquitos 2013 que retome as conclusões deste, apresente-as ao Ministro Geral e às Conferências OFM da América Latina.
Destas instâncias surgirá a continuidade, buscando envolver o mais possível a Família Franciscana presente na Amazônia.
18. Eis, irmãos e irmãs, o que tocamos e apalpamos com nossas mãos: o grande amor para com a Amazônia. Ao transmitir-vos esta experiência, vos convidamos a tomar parte também vós deste mesmo interesse, deste mesmo amor!
A Virgem da Amazônia ajude a todos nós a sentimo-nos em comunhão na grande família dos filhos e das filhas de Deus!


Iquitos, Peru, 2 a 6 de junho de 2013

Frei Nestor Inacio Schwerz