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Dia da Amazônia: “A esperança se funda na certeza de que o ser humano sempre pode mudar” (Dom Evaristo Pascoal Spengler)

05/09/2024

Entrevistas, Notícias

Foto: Agência Brasil

Nesta quinta-feira, 5 de setembro, é celebrado o Dia da Amazônia, a maior floresta tropical do mundo e uma das maiores riquezas da humanidade. São cerca de 6,74 milhões km², que abrange oito países: Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru e Venezuela, Suriname e o território da Guiana Francesa.

De acordo com o Ministério do Meio Ambiente, a Amazônia é o maior bioma brasileiro, ocupando um território de 4,196.943 milhões de km², conforme apontam dados de 2024 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Nela crescem 2.500 espécies de árvores, que representam um terço de toda a madeira tropical do mundo, e 30 mil espécies de plantas, das 100 mil da América do Sul.

O site do ministério também informa que a bacia hidrográfica amazônica é a maior do mundo, cobrindo cerca de 6 milhões de km² e tem 1.100 afluentes. Seu principal rio, o Amazonas, corta a região para desaguar no Oceano Atlântico, lançando ao mar cerca de 175 milhões de litros d’água a cada segundo.

Contextualizar o território amazônico, a partir de informações relacionadas a sua amplitude e sua geração de recursos naturais, é trazer para perto o sentido de pertencimento sobre um espaço territorial do qual todo filho e filha de Deus faz parte. Aquilo que parece estar distante da realidade, especialmente daqueles que vivem nos grandes centros urbanos, é apenas uma ilusão de que não tem responsabilidades e compromissos sobre os fatos e condições de uma das grandes fontes da nossa manutenção neste mundo.

Nesse âmbito, consciência e religião caminham juntas, em um processo vital de reconstrução e luta pela preservação do meio ambiente que grita por socorro e, conforme apontam os organismos internacionais e nacionais, enfrenta condições alarmantes. Somos partes interdependentes desse todo e, conforme nos aponta o Papa Francisco na Encíclica Laudato si’: “ Para nada serviria descrever os sintomas, se não conhecêssemos a raiz humana da crise ecológica. Há um modo desordenado de conceber a vida e a ação do ser humano, que contradiz a realidade até ao ponto de a arruinar. Não podemos nos deter para pensar nisso mesmo? Proponho, pois, que nos concentremos no paradigma tecnocrático dominante e no lugar que ocupa nele o ser humano e a sua ação no mundo”.

Igreja em movimento

Seguindo as orientações do Pontífice, dos debates promovidos pela Igreja e pelas pesquisas de canais confiáveis de informação, desde o primeiro dia do mês de setembro, estamos vivendo o “Tempo da Criação”, uma época especial em que celebramos Deus como Criador e reconhecemos a Criação como o ato divino contínuo que nos reúne em colaboração para amar e cuidar do dom de tudo aquilo que é criado. O período iniciado com o Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação, e será encerrado em 4 de outubro, dia de São Francisco de Assis, foi fortalecido com uma mensagem do Papa Francisco. Nela, o Pontífice propôs uma reflexão sobre o poder humano, o seu significado e os seus limites. “Esperar e agir com a criação significa, antes de mais, unir forças e, caminhando juntamente com todos os homens e mulheres de boa vontade, ajudar a ‘repensar a questão do poder humano, do seu significado e dos seus limites”‘.

 Os diálogos da Igreja sobre o cuidado com a Casa Comum têm sido constantes. Um dos momentos recentes, promovidos pelo Regional Norte I da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil,  para discutir a presença da Igreja na região foi o V Encontro da Igreja Católica na Amazônia, realizado em Manaus, de 19 a 22 de agosto de 2024. A partir do tema “A Igreja que se fez carne, alarga sua tenda na Amazônia: memória e esperança”, a atividade teve como objetivo debater sobre a aplicação do Sínodo para a Amazônia nas Igrejas locais. Ao final do encontro, que também contou com a presença de Dom Evaristo Pascoal Spengler, bispo de Roraima (RR), frade vinculado à Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil, foi apresentada uma carta.

Um dos trechos do documento diz que: “O Espírito que paira sobre as águas e que sopra onde quer nos envolve na grande rede de cuidado com a Casa Comum, na defesa da vida dos povos e, sobretudo, dos pobres da terra e das águas, dos migrantes, os mais atingidos com as mudanças climáticas. Somos interpelados por uma resposta corajosa e profética por ocasião da COP 30, lançando um grito em favor da terra e dos povos”.

Ainda contextualizando, o Brasil irá sediar, em 2025, a COP 30, 30ª Conferência das Partes da Convenção – Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, que será realizada em Belém (PA), entre 10 e 21 de novembro de 2025. De acordo com a Agência Senado, a COP tem o objetivo de debater medidas para diminuir a emissão de gases do efeito estufa, encontrar soluções para problemas ambientais que afetam o planeta e negociar acordos. Participam da conferência anual todos os 193 países da ONU e cinco territórios. Em novembro deste ano, a COP 29 será realizada em Baku, no Azerbaijão. 

Esperança e a Casa Comum- Entrevista com Dom Evaristo Pascoal Spengler

Em entrevista ao Site Franciscanos, Dom Evaristo Pascoal Spengler, falou sobre a celebração do Tempo da Criação e a presença franciscana na luta pela preservação da Casa Comum.

Site Franciscanos – Na atualidade, onde estão nossas forças e fraquezas na luta pela preservação da Casa Comum?

Dom Evaristo Para nós, franciscanos(as), o mundo é lugar de revelação de Deus, onde se “desvela” em cada ser, Seu rosto amoroso, humilde e frágil. Por isso, nossa maneira de “ver” nosso mundo é positiva. Vemos irmãos e irmãs que, no meio da dor e do poder que explora e mercantiliza,  vivem a paz e o bem como o melhor instrumento de transformação. 

Nossa força nasce da “Dama Pobreza” como estilo de vida e de opções evangélicas no seguimento de Jesus pobre e humilde que nos ajudam a repensar nossos modos de vida e consumo e sejam profecia da vida e do cuidado.

Nossas forças renascem de uma fraternidade “ampliada” na vivência da hospitalidade, compartilhando “mesa e pão” com os empobrecidos. Nossas fraternidades podem ser “espaços seguros” de acolhimento incondicional e dignidade.

Nossa força está em assumir com coragem a vivência da itinerância que nos faz livres de verdade, e anuncia que é possível ser feliz sem viver para consumir e ter, dominar e explorar. Viver fazendo o bem e aprendendo  com as diferenças, nos faz bem e é profecia que transforma.

Site Franciscanos –  Quando o Papa Francisco fala em “repensar a questão do poder humano” qual o papel da Igreja, especialmente dos franciscanos, nessa reflexão junto ao povo de Deus?

Dom Evaristo Quando o Papa Francisco fala de “repensar a questão do poder humano”, entendemos que ele queira falar do poder da criatividade, do desenvolvimento científico, dos equipamentos tecnológicos desenvolvidos pelo ser humano, com sua capacidade de domínio sobre a natureza e exploração dos demais seres, usados em benefício próprio, e o seu grande poder de destruição. O ser humano, hoje, tem poder não só para provocar uma grande extinção em massa de diversas formas de vida, como também de destruir o próprio planeta, a Casa Comum da humanidade e de todas as formas de vida. 

O papel da Igreja é o do Evangelho, onde o poder deve se transformar em serviço. O poder é sempre perigoso. Sempre está sujeito a dominar, explorar, oprimir e destruir. O serviço é sempre de promoção da vida.

O papel dos franciscanos é o caminho da pobreza, como servos da vida e da fraternidade. Para São Francisco de Assis, a fraternidade, o ser irmão de toda criatura, é mais importante do que a pobreza. A pobreza está em função da vida fraterna, e como serviço aproxima as pessoas, cria a fraternidade humana universal. A riqueza, assim como o poder, afasta, distancia, domina, cria medo, rompe com a unidade e a comunhão. 

São Francisco de Assis nos mostrou com a sua vida, os caminhos da paz, do viver “sem  nada de próprio”, desapropriados/esvaziados do nosso orgulho, até de bens materiais, honras e títulos. Para ele, isto impedia o contato com a realidade mais autêntica que somos. Pedia, a partir da experiência de  Santa Clara, que “olhe no espelho da caridade de Cristo”. O poder é sempre perigoso, porque pode se corromper. Muito pior quando este poder é globalizado e universal.

O Papa Francisco, na Encíclica Fratelli Tutti, nos chama ao cuidado da vida onde “tudo está interligado”, sendo todos irmãos e irmãs. Clama a Deus e a todos os homens e mulheres para que possamos lutar por esse novo mundo. Nele deve existir a busca da felicidade, onde todos possam ter as suas necessidades plenamente atendidas, no aqui e no agora. Fala não somente aos cristãos católicos, mas a todos os crentes e não crentes, ou seja, a todos os homens e mulheres, pois o processo de uma nova sociedade não é exclusivo de ninguém, de nenhuma religião, sociedade, mas de toda a humanidade. 

Para os franciscanos, os caminhos se abrem no dom da fraternidade sem fronteiras, unidos a instituições e outras religiões promotoras da humanidade e dos descartados da história, que lutam por uma vida com dignidade e pelos processos de reconstrução das relações de não-poder.  

Site Franciscanos –  Existe esperança? Onde ela está? Como São Francisco pode nos ajudar nessa reflexão?

Dom Evaristo Se lemos os artigos científicos, acompanhamos as notícias do dia a dia e damos atenção às análises e previsões técnicas, não há esperança. O aquecimento global e as mudanças climáticas são mais graves do que as previsões feitas anos atrás. A degradação do planeta avança em vez de retroceder, as catástrofes são mais numerosas e mais trágicas. Da mesma forma, o degelo avança assustadoramente, numa velocidade incontrolável. Preocupa também o aumento do nível dos mares, a diminuição das áreas úmidas e férteis, o processo de desertificação não cessa. Da mesma forma, os desmatamentos continuam e, principalmente, o consumo de combustíveis fósseis. Enquanto prevalecer o projeto político neoliberal, persistir a economia do crescimento permanente e o negacionismo científico estabelecer as regras, o futuro do ser humano é a extinção, um verdadeiro suicídio pela degradação das condições propícias para a vida humana e de milhares de outras formas de vida.

Se lemos os artigos teológicos, damos atenção aos místicos, ouvimos os humanistas, principalmente os santos, vemos que ainda há esperança. A esperança se funda na certeza de que o ser humano sempre pode mudar. Há tempo para se converter e ainda há possibilidade da humanidade chegar a um grande acordo, um grande consenso em favor da vida e de cuidado. 

Nesse sentido, São Francisco de Assis desponta como uma grande referência de esperança para a humanidade, encarna a experiência do ser humano genuíno, aponta caminhos da utopia de uma harmonia universal. 

A situação dos povos indígenas e o futuro 

Os povos originários, pela sua cosmovisão, pelos seus conhecimentos tradicionais, pelas suas formas de vida, pela integração com toda da Criação têm a solução para os problemas que nossa sociedade criou e não é capaz de resolver. A cosmovisão, a mística e a espiritualidade dos povos originários, especialmente na Amazônia, se aproximam muito da mística e da espiritualidade franciscana e evangélica”. (Dom Evaristo Pascoal Spengler)

Site Franciscanos – Como o senhor acompanha a situação dos povos originários que lutam pela sobrevivência diante do poder e dos poderosos em nosso país?

Dom Evaristo O Estado de Roraima, onde vivo e sou bispo, é proporcionalmente a região brasileira mais indígena. Eles representam 15% da população e ocupam 32 territórios demarcados. Das 422 comunidades eclesiais da Diocese, exatamente 50%, ou seja 211, são indígenas. Mas esse povo não vive somente nos territórios indígenas; pois está presente em toda a sociedade, mesmo quando não é reconhecido, nem valorizado.

A Igreja, em Roraima, historicamente teve forte aliança com os povos indígenas.  Acompanhamos a situação dos povos indígenas com preocupação, porque persiste muita violência contra eles. Isso se dá em todos os níveis: econômico, cultural, político, físico, psicológico. Mas,  os acompanhamos também com esperança, pela sua grande capacidade de resistência e resiliência, pela clareza que eles têm em suas lutas, pelas suas organizações e mobilizações, mas, principalmente, pela denúncia profética contra a sociedade consumista que destrói a Casa Comum. 

Os povos originários, pela sua cosmovisão, pelos seus conhecimentos tradicionais, pelas suas formas de vida, pela integração com toda da Criação, têm a solução para os problemas que nossa sociedade criou e não é capaz de resolver. A cosmovisão, a mística e a espiritualidade dos povos originários, especialmente na Amazônia, se aproximam muito da mística e da espiritualidade franciscana e evangélica.

As grandes crises da humanidade na atualidade, são mais do que crises econômicas, políticas, financeiras, ambientais. São crises existenciais, de cosmovisão de mundo, de mística, de espiritualidade, de sentido de vida. Coisas que não faltam aos povos originários. Mais do que respeitá-los, precisamos acolhê-los como irmãos, companheiros da jornada da vida e hóspedes da Casa Comum. Mais ainda, precisamos acolhê-los como “mestres” que nos ensinam caminhos de respeito, valorização e cuidado com todas as formas de vida.

Site Franciscanos –  O que falta para que, de fato, a luta pela preservação da nossa Casa Comum não seja em vão? 

Dom Evaristo Há um longo caminho a ser percorrido para uma mudança de mentalidade e de práticas. Falta uma ética global à humanidade, um empenho comum. Falta um pacto global pela educação que mude mentalidades e modos de agir, que preservem e cuidem. Faltam líderes das nações que sirvam ao bem comum, colocando sempre a melhor política para servir ao povo e aos empobrecidos. Faltam políticas públicas que não façam da nossa Casa Comum e seus bens, um negócio de compra e venda.


Adriana Rabelo