Notícias - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

“Os múltiplos sentidos da Liturgia”

15/09/2009

Entrevistas

Por Frei Gustavo Medella, OFM

Desde o início do segundo semestre, Frei Marcos Antônio de Andrade está integrado à Fraternidade Franciscana São Francisco de Assis, formada pelos professores que atuam no Instituto Teológico Franciscano (ITF), em Petrópolis. Ele atualmente mora em Roma, na Itália, e estuda Liturgia no Pontifício Instituto Litúrgico de Santo Anselmo (PIL). Aproveitando o período de férias na Europa, veio ao Brasil e fixou-se no ITF, para dedicar-se ao trabalho de elaboração da sua tese e também para passar pela experiência de sala de aula, lecionando Teologia Litúrgica aos alunos do primeiro ano.

Frei Marcos nasceu em Sorocaba, São Paulo, no dia 22 de setembro de 1967. Ingressou na Ordem dos Frades Menores no dia 11 de janeiro de 1988. Fez a profissão solene no dia 24 de setembro de 1993 e foi ordenado sacerdote no dia 9 de dezembro de 1995. Ele retorna a Roma no dia 25 de setembro.

Gentilmente aceitou o convite de nosso site e nos concedeu esta entrevista.

Site ITF: Fale um pouco sobre a experiência de estudar no exterior (como é a rotina, os desafios, os assuntos tratados, etc.)
Frei Marcos: Primeiramente eu diria que a possibilidade de estar estudando no Pontifício Instituto Litúrgico de Santo Anselmo (PIL), um dos principais centros de estudos da Liturgia, convivendo com grandes e renomados professores e com toda a exigência dos estudos que esse Instituto proporciona, é algo único. Também a experiência de estar em Roma convivendo com estudantes e confrades do mundo inteiro amplia muito nossos horizontes.

Quanto à rotina dos estudos, se por um lado pesa bastante, por outro é importante para manter um ritmo, já que este é o meu objetivo nesse tempo. Concretamente, o meu dia a dia se resume em celebrar a Eucaristia com as Irmãs Missionárias de Maria (FMM) e ir à faculdade para as aulas. No restante do tempo, me dedico ao estudo individual e à pesquisa. E, mesmo não tendo muitas ocupações como no tempo em que trabalhei no Seminário de Agudos (Seminário Santo Antônio, onde Frei Marcos permaneceu por mais de 10 anos), o tempo é curto para dar conta do volume de trabalhos e leituras. Ainda se deve arrumar um tempo para o estudo das línguas clássicas (grego e latim) e modernas, que é uma exigência do PIL. Nos domingos e festas, para não perder o contato com a prática musical, sou organista na nossa Basílica de Santo Antônio.

Inúmeros foram os desafios quando cheguei a Roma: língua, cultura etc. Diria que hoje sinto muito forte ainda dois grandes desafios: primeiro é a solidão que o ritmo dos estudos exige; e o segundo é a saudade das “cebolas do Egito”, do Brasil, da família, da Província, dos amigos. A distância sempre faz a gente dar mais valor às coisas, olhar com outros olhos tudo aquilo que fizemos, vivemos e deixamos para trás. Nem sempre é fácil, mas faz parte e a gente tem sempre o que aprender com estas situações.

Site ITF: Os estudos estão influenciando a maneira pela qual você encara a Liturgia? De que forma?
Frei Marcos: Sem dúvida estão abrindo horizontes, pois a partir destes estudos estou me dando conta de que a Liturgia como ciência tem uma abrangência ampla, e mantém relação muito próxima com as diversas áreas do saber, não só teológicas, como a Patrística, Exegese, Cristologia, Eclesiologia, Direito Canônico, Espiritualidade etc., mas também com a Antropologia, a Psicologia, Sociologia, a História, a Arquitetura, as Artes etc. É certo que a práxis litúrgica (ritus et preces) é o objeto específico da Ciência Litúrgica, mas é de fundamental importância a aproximação e interação com as demais áreas do saber.

Um segundo aspecto que comecei a perceber nesse tempo de estudos é com relação às nossas práticas celebrativas, que infelizmente em alguns aspectos ainda nos mostram que muito temos que aprender com a riqueza da reforma litúrgica apresentada pela Sacrossanctum Concilium. Ainda se celebra a Eucaristia, por exemplo, como uma devoção pessoal, por vezes moralista, rubricista, quando não mágica, sem falar das celebrações-espetáculo, melhor dizendo, “showmissas”. Temos ainda temos muito que caminhar… Acredito que investir numa boa e sólida formação litúrgica e teológica, principalmente dos atuais e futuros ministros, é urgente para uma melhor vivência litúrgica da nossa fé cristã.

Site ITF: Você, antes de ir para Roma, já possuía vasta formação musical. Esta contribuiu de alguma forma para seus estudos de Liturgia?
Frei Marcos: Digamos que formalmente não, porque em nível de estudo acadêmico Música e Liturgia ainda são encaradas como coisas estanques, embora haja cursos de Música e Liturgia no PIL como disciplinas optativas. Já houve avanços e a tendência que se começa a perceber é de uma maior aproximação entre as duas disciplinas. No meu caso específico, que tenho também como foco a música litúrgica, a minha formação musical está contribuindo muito e abrindo horizontes, principalmente na área ritual-celebrativa da liturgia, onde a música tem papel fundamental.

Site ITF: Em que este período no ITF está contribuindo para a sua formação?
Frei Marcos: Este período no ITF está sendo muito valioso, pois estou tendo um tempo precioso para o estudo, pesquisa e aprofundamento. Além do trabalho com minha tese, está sendo muito enriquecedor poder participar das aulas com a turma do primeiro ano. A convivência com os professores, não somente da área da Liturgia, mas de outras áreas da Teologia, com bons debates, além de me enriquecer, me desafia a estudar mais. Outra grande contribuição está sendo celebrar com o povo da Paróquia Santa Clara e nas capelanias onde os frades atendem: o estudo da Liturgia não se dá somente nos livros, pois a Liturgia não é primeiramente da ordem cognitiva, a da logia, mas de ordem prática, a da urgia.

Site ITF: De aluno a professor: o que tem lhe chamado mais atenção na experiência de lecionar Liturgia no ITF?
Frei Marcos: Chamou-me a atenção desde o dia que cheguei o interesse dos estudantes em colocar questões, principalmente com relação às atuais práticas celebrativas. Isso não somente na sala de aula, mas também nas rodas de conversa espontâneas, e não foram poucas as discussões nesse breve período que estou em Petrópolis. Gostaria de destacar que pude perceber que esse interesse e preocupação aos poucos começaram a se ampliar, não somente pela Liturgia como ciência ou celebração, mas como prática diária da vida cristã.

Site ITF: Deixe suas mensagem final
Frei Marcos: Antes de tudo meu muito obrigado aos confrades professores e estudantes que estão me dando um grande apoio neste tempo aqui no ITF, não somente com o estudo, as aulas, mas também com a minha estadia e com a convivência fraterna.

E a minha mensagem seria mais uma provocação para todos os estudantes se aprofundarem cada vez mais na sua formação teológica, pois os grandes “problemas” que se refletem em nossas celebrações e nos atuais presidentes de nossas assembleias litúrgicas, vêm do despreparo, da falta de uma boa formação no seu todo.
Caros estudantes, o estudo da Teologia é a sua grande missão, para o bem da Igreja e da Ordem. Seria uma irresponsabilidade muito grande não assumir essa possibilidade dada a vocês de estudos e formação. Aproveitem o máximo esse “tempo de graça”!