“O espírito de cansaço nos tira a esperança”
08/04/2019
Cidade do Vaticano – Às vezes, os cristãos “preferem a falência”, que deixa espaço para as lamentações, para a insatisfação, “campo perfeito para o diabo semear”. Na homilia da missa celebrada na capela da Casa Santa Marta, o Papa Francisco refletiu sobre o “cansaço” narrado no Livro dos Números (Nm 21,4-9).
“O povo de Deus não suportou a viagem”, está escrito na Primeira Leitura: “o entusiasmo” e a “esperança” da fuga da escravidão no Egito foram se perdendo aos poucos à margem do mar e depois no deserto, chegando a murmurar contra Moisés. “O espírito de cansaço nos tira a esperança”, afirmou o Pontífice, “o cansaço é seletivo: sempre nos faz ver o lado ruim do momento que estamos vivendo e esquecer das coisas boas que recebemos”.
E nós, quando estamos desolados, não suportamos a viagem e buscamos refúgio nos ídolos ou na murmuração ou em tantas outras coisas … Isso é um modelo para nós. E este espírito de cansaço em nós, cristãos, nos leva também a um modo de viver insatisfeito: o espírito de insatisfação. Tudo é ruim, tudo nos incomoda… o próprio Jesus nos ensinou isso quando diz que este espírito de insatisfação nos faz parecer crianças quando brincam.
Campo para semear
Alguns cristãos cedem à “falência” sem perceber que este é o “campo perfeito para o diabo semear”. Às vezes, têm “medo das consolações”, prosseguiu o Papa, “medo da esperança”, “medo das carícias do Senhor”, conduzindo “uma vida de viúvas pagas para chorar”.
Esta é a vida de muitos cristãos. Vivem se lamentando, vivem criticando, vivem murmurando, vivem insatisfeitos. “O povo não suportou a viagem”. Nós, cristãos, muitas vezes não suportamos a viagem. E a nossa preferência é nos apegar à falência, isto é, à desolação. E a desolação pertence à serpente: a serpente antiga, aquela do paraíso terrestre. É um símbolo aqui: a mesma cobra que seduziu Eva e esta é uma maneira de mostrar a cobra que têm dentro, que morde sempre na desolação.
O medo da esperança
Passar a vida se lamentando: acontece com quem “prefere a falência”, “não suporta a esperança”, “não suporta a ressurreição de Jesus”.
Irmãos e irmãs, recordemos somente esta frase: “O povo não suportou a viagem”. Os cristãos não suportam a viagem. Os cristãos não suportam a esperança. Os cristãos não suportam a cura. Ficamos mais presos à insatisfação, ao cansaço, à falência. Que o Senhor nos liberte desta doença.
Reflexão sobre o documento de Abu Dhabi sobre a fraternidade
“A fé leva o crente a ver no outro um irmão para apoiar e amar.” Assim começa o “Documento sobre a fraternidade humana para a paz mundial e a convivência comum”, sobre o qual o Grupo de Pesquisa “Centro de Estudos Inter-religiosos – Pisai” iniciou seus trabalhos com um fórum de aprofundamento, realizado na noite de segunda-feira (08/04) na Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma. Estiveram presentes o teólogo muçulmano Adnane Mokrani e o diretor do Centro de Estudos Padre Laurent Basanese: o moderador do evento foi o padre Valentino Cottini.
O direito de sonhar
O “Documento sobre a fraternidade humana” marca um novo horizonte para o diálogo islâmico-cristão e para além dele. Não é um documento idealista, mas oferece uma oportunidade e restabelece o “direito de sonhar”, especialmente para os jovens, que, sublinha Adnane Mokrani, “são o motor da mudança, a esperança para o futuro e têm uma grande sede de liberdade, democracia, direitos humanos, cidadania plena”.
Uma responsabilidade comum
Da análise do teólogo emerge que o Documento se centraliza na fraternidade cósmica de todas as criaturas. É evidente que o nosso planeta não pode sobreviver sem uma ideia de responsabilidade comum perante Deus e perante a humanidade e a criação. A falta de amor e de solidariedade fere a fé e não permite o que é indicado no texto como “um encontro cheio de esperança para um futuro brilhante para todos os homens”. Por outro lado, o teólogo observou durante o encontro que “este documento nasceu em estado de emergência, no qual existem muitos conflitos. Nós não temos um destino separado, mas um destino único para toda a humanidade. E somos todos responsáveis”.
Liberdade e pluralismo
Mokrani, neste primeiro fórum de reflexão, se detém também sobre um parágrafo do documento no qual se lê que “o pluralismo e a diversidade de religião, cor, sexo, raça e língua são uma sábia vontade divina” e também recorda, a este respeito, as clarificações feitas pelo Papa Francisco durante a audiência geral de 3 de abril, quando o Papa recordou a voluntaspermissiva mencionada pelos teólogos da escolástica. O Padre Laurent Basanese assinala também que, pela primeira vez, num documento deste tipo, se fala de “liberdade de crença”.
Um novo documento
O Padre Basanese destaca, mais genericamente, a originalidade do texto assinado pelo Papa e por Al-Tayyeb. Não se trata, de fato, de um documento sobre “diálogo inter-religioso” em sentido estrito, uma expressão que não aparece, “mas se fala – explica o estudioso – de diálogo de culturas, é um convite a encontrar-se com todos: crentes e não crentes, pessoas de boa vontade”.
O diálogo da amizade
Desde Paulo VI, passando por João Paulo II, Bento XVI até hoje, padre Basanese vê um caminho: do diálogo com o mundo, com as civilizações, ao diálogo na verdade e na caridade, até o diálogo do encontro e da amizade. Para o teólogo esta linha é evidente também nos documentos cujos ecos ele percebeu: “Encontrei a Nostra aetate, mas também a Gaudium et Spes, onde se fala de fraternidade, de alegria e de tristeza, como neste documento”.