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Carlos Fernandes: “O cristão franciscano é um pacificador”

09/10/2018

Entrevistas

O jovem Carlos Fernandes tem 32 anos, é formado em Relações Públicas e reside atualmente na cidade de Bauru, interior de São Paulo, embora tenha nascido na Capital. Sua devoção a São Francisco é herança do pai, muito devoto do santo de Assis. Atuante na Igreja junto à Pastoral da Juventude, teve a oportunidade de se aproximar ainda mais do carisma franciscano quando conheceu sua noiva, que é da cidade de Agudos, onde se localiza o Seminário Santo Antônio.  “Aos poucos, tive contato com a Ordem Franciscana Secular (OFS), onde fui muito bem acolhido. Essa acolhida fez com que nos interessássemos em conhecer mais a vida de Francisco”, explica. Atualmente Carlos Fernandes está no processo de Formação da OFS, participa ativamente das iniciativas da Província junto à juventude e tem se destacado pelo interesse no estudo e aprofundamento das Fontes Franciscanas. Nesta entrevista ele traz um pouco de sua experiência de jovem leigo franciscano na vida da Igreja e da sociedade.

Site FranciscanosComo nasceu o seu interesse em relação à figura de São Francisco de Assis e à Espiritualidade Franciscana?

Carlos Fernandes – Foi de uma forma muito natural, estudando a história dos santos. Muitos deles nos remetem a São Francisco, acabam convergindo na pessoa de São Francisco. Meu pai é muito devoto dele, e por isso desenvolvi, a princípio, uma fé devocional. Sempre gostei, admirei São Francisco pela história de vida que temos nos relatos, da renúncia, isso me chamou a atenção. Em determinado momento, tive a oportunidade de ir até Agudos (SP), no interior, bem perto de minha cidade [Carlos atualmente reside em Bauru]. A família da minha noiva é da cidade de Agudos e lá tivemos contato com os frades. Eu ia às missas no Seminário e me sentia muito mais à vontade. Aos poucos, tive contato com a Ordem Franciscana Secular (OFS), onde fui muito bem acolhido. Essa acolhida fez com que nos interessássemos em conhecer mais a vida de Francisco. A cada dia desvendo uma característica nova desta espiritualidade que encanta e apaixona.

Site Franciscanos – Dentre os aprendizados que você alcançou a partir do aprofundamento em relação à vida e à sabedoria de Francisco de Assis, qual deles você destaca?

Carlos – Para mim, o contato com São Francisco leva à proximidade com o irmão de uma forma diferente, o contato com o próximo, não só por respeito, mas por ver no meu irmão o rosto de Deus, o rosto de Cristo, que pode ser o Cristo Sofredor. Em determinados momentos da vida O encontramos de diferentes formas. Saber que Jesus pode ser encontrado no próximo muda completamente a relação que eu tenho com as pessoas. Deixa de ser um relacionamento instrumental, meramente interesseiro, para ser a construção de uma comunhão, que é aquilo que construímos com Deus.

Site Franciscanos – O que mudou em você a partir desse encontro mais profundo com a espiritualidade franciscana?

Carlos – Em primeiro lugar, acho que o relacionamento com aqueles que estão mais próximos. Às vezes, o relacionamento vai se tornando difícil por causa da convivência, com pais, irmãos, colegas de trabalho, vizinhos. As relações vão se desgastando, esquecemos que aquela pessoa é sinal de Deus também. O relacionamento com a minha família começou a melhorar, passei a entender certos aspectos a partir de uma ótica nova, de olhar para aquele irmão como quem olhava para a face de Deus. Quando isso atinge a nossa vida profissional, também temos um ganho muito produtivo. Isso incentiva o trabalho em equipe, passamos a ser mais produtivos, entender as limitações do nosso irmão e entender que nós também temos limitações e que às vezes não as vemos e cobramos do outro. O relacionamento interpessoal no trabalho fica muito mais produtivo.

Site Franciscanos – Que influência a espiritualidade de Francisco e Clara de Assis trouxe para seu entendimento em relação à questão social?

Carlos – Saindo da realidade da minha família, vi que o mundo precisa também dessa conversão de visão. Eu fazia visitas à população em situação de rua e crianças em bairros carentes com um grupo de jovens do qual participava. Sabemos que não conseguimos resolver todos os problemas da pessoa que passa por esse tipo de dificuldade: emocional, financeira, ou outras que nem podemos imaginar. No primeiro momento, é preciso um acolhimento fraterno e uma proximidade. Aos poucos, começamos a entender que algumas estruturas precisam ser mudadas para que essas pessoas consigam ter a possibilidade de sair da situação em que se encontram. A princípio, é fazer-se próximo e aos poucos entender que existe também muita responsabilidade das autoridades, dos Poderes Públicos e que eles precisam ser cobrados disso. Os nossos esforços são dirigidos nesses dois sentidos. Estar junto com quem realmente precisa e ter um olhar fraterno pra dor do irmão, mas também cobrar de quem é responsável pela dor das pessoas.

Site Franciscanos – Quais são as influências práticas que este seguimento a Cristo, no modo de Francisco de Assis, traz para a vida de uma pessoa?

Carlos – O cristão batizado que também encontra a fé a partir da espiritualidade de São Francisco é um pacificador. Na vida prática, a gente tenta apaziguar os ânimos e os relacionamentos. Eu tenho visto amigos debatendo alguns assuntos nas redes sociais, por exemplo. Fico tentando colocar um pouco de tranquilidade nos ânimos. É importante ter um debate, expor as ideias e ter liberdade pra isso. Sinto que as reações têm sido exageradas. Às vezes digo alguma coisa, tentado levantar o valor daquela pessoa, e nunca tentando diminuir. Na vida prática, acho que é isso que acontece. Temos que procurar sempre valorizar o que as pessoas têm de bom, a ideia do outro. Não precisamos deixar de ser nós mesmos, mas valorizar aquilo que vem do outro, porque isso nos enriquece.

Site Franciscanos – De que maneira você analisa o pontificado do Papa, que desde o início quis ter como marca uma Igreja em saída, o amor aos pobres, a denúncia de todo espírito de destruição, corrupção e assumiu esse nome de Francisco?

Carlos – Eu sempre recebo muitas críticas de pessoas que dizem que a Igreja precisa mudar. No meu ponto de vista, a Igreja tem dois mil anos de mudança, ela está sempre se atualizando, sempre mudando. Não podemos fechar os olhos para as mudanças que a Igreja tem realizado e são muito produtivas. O Papa Francisco tem voltado os olhos para os mais pobres e convidado a Igreja a ser Igreja, os fiéis a serem Igreja. Lembra-me São Francisco, quando dialogou com o Crucifixo de São Damião e recebeu a missão de restaurar a Igreja. Em um primeiro momento, ele entende que era para restaurar a igreja de pedra, mas depois, aos poucos, ele entende que a missão dele é muito maior, que é reconstruir a Igreja como pessoa que nós somos. O Papa Francisco retomou isso muito bem. Ele nos convida a sermos Igreja onde precisamos ser Igreja. Ocupar espaços que nós deixamos de ocupar ao longo dos anos. Só por preencher estes espaços, sendo Igreja nesses lugares, a gente já promove uma mudança social, já convida a uma mudança. A presença do Papa e o pontificado dele têm sido muito producentes por causa disso.

Site Franciscanos – Enquanto seguidor de São Francisco, que leitura você faz da Encíclica Laudato Si’?

Carlos – Impressiona muito a visão do Papa Francisco, a percepção de que nós não temos diversas crises: econômica, financeira, valores, identidade, ambiental. É tudo parte da mesma crise. A questão ambiental, que é tratada na Laudato Si’, ela é importante, mas remonta a uma outra crise, que é a crise econômica. A crise ambiental decorre da crise econômica. Existem grandes grupos que se beneficiam da extração de produtos naturais e essas extrações prejudicam principalmente as pessoas mais pobres. Você percebe como tudo está interligado, tudo faz parte da mesma crise. O mais importante é que há esperança e isso é bem trabalhado na Laudato Si’. Celebramos três anos desta encíclica. É momento de celebrar e comemorar as conquistas que tivemos como cristãos. A partir desse documento, devemos continuar e renovar o nosso esforço para evitar os desgastes que temos provocado para a Mãe Terra.

Site Franciscanos – Como você encara este compromisso do cristão batizado leigo que assume viver a espiritualidade e os valores franciscanos no mundo secular, no mundo do trabalho, como chefe de família ou constituindo família?

Carlos – A questão de ser um franciscano secular é interessante, pois levamos a espiritualidade franciscana e a presença de Cristo em todos os ambientes, no trabalho, na vida social, entre os amigos. Acho que é um grande testemunho, é uma vocação muito atual e precisa ser presença para ser sal e luz no mundo, como diz o Documento 105 da CNBB. Propagar um pouco daquilo de bom que temos a oferecer por causa do Evangelho. Tudo o que nós podemos oferecer de bom para o mundo, não só o que podemos adquirir do que o mundo tem para nos oferecer, mas levar um pouco daquilo que o Evangelho modifica na gente e pode modificar nas nossas estruturas.

Site Franciscanos – Deixe uma mensagem para os que nos acompanham.

Carlos – Vivemos um momento especial, onde vamos escolher nossos representantes do país. Pode parecer um ano de crise, de dificuldades, mas é um terreno muito fértil para podermos semear e em pouco tempo colher. Em vários momentos da História passamos por momentos difíceis e não podemos desanimar em vista dessas dificuldades, mas procurar a melhor saída, que pra mim é sempre o diálogo. Um diálogo respeitoso, mantendo o afeto, a ternura na Palavra, e reconhecer no outro os valores e a importância da ideia que ele tem. Que os nossos diálogos e os nossos debates deste ano sejam movidos por esse valor. Todos nós queremos um Brasil melhor, uma sociedade melhor. A nossa intenção é essa. Se todos queremos isso, não precisamos caminhar todos pelo mesmo caminho, mas temos o mesmo objetivo. Que sejamos felizes e respeitosos nesse caminho.