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“Francisco revivido na vida de Irmã Dulce dos Pobres”

28/09/2023

Notícias

Imagem das mídias da Congregação das Irmãs Filhas de Maria Servas dos Pobres

Nesta quarta-feira, às 20 horas, a Semana Franciscana abordou o tema “Francisco revivido na vida de Irmã Dulce dos Pobres”, ministrado pela Irmã Rosana dos Santos, da Congregação das Irmãs Filhas de Maria Servas dos Pobres, fundada por Santa Dulce dos Pobres. A mediadora da noite foi Irmã Juliana Ferreira, IFS.

Neste terceiro dia (27/9) da Semana Franciscana 2023, que está sendo realizada no formato on-line, Frei Gilberto da Silva acolheu as convidadas para falar deste tema. Ele destacou que esta Semana é promovida pela Editora Vozes, Instituto Teológico Franciscano (ITF), Província Franciscana da Imaculada Conceição, Conferência da Família Franciscana do Brasil (CFFB), a Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana (ESTEF) e Universidade São Francisco (USF).

Ir. Rosana, religiosa da Congregação das Irmãs Filhas de Maria Servas dos Pobres, é natural de Salvador, e atualmente mora na Missão de Aracaju (SE). Ela é graduada em Pedagogia pela Universidade Federal da Bahia e master em Evangelização pelo Instituto Teológico Franciscano (ITF). É autora do livro “Espiritualidade de Santa Dulce dos Pobres”.

VEJA NA ÍNTEGRA A PALESTRA DE IR. ROSANA

A palestrante iniciou falando das influências na vida e missão de Maria Rita de Souza Brito Lopes Pontes, mais conhecida por nós como Santa Dulce dos Pobres, pontuando três aspectos da vida do Santo de Assis. “E creio que marcaram bastante a vida de nossa querida Santa Dulce: o primeiro é o encontro de Francisco com o leproso, o segundo é a vida de penitência e oração e, o último, a dimensão da Perfeita Alegria em São Francisco de Assis”, explicou.

Segundo Ir. Rosana, os santos são uma resposta de Deus a uma realidade e considerou importante fazer com que a história deste santo/santa seja bem definida no contexto histórico. “Nós percebemos que ao longo da história da Igreja, em situações que não há esperança, não há perspectiva de vida, em meio a trevas, o Espírito Santo de Deus suscita do meio do povo homens e mulheres que vão ser uma resposta amorosa de Deus àquela realidade. Assim, foi com São Francisco de Assis lá na Idade Média. Em meio às suas limitações, vaidades, tentações, Deus chama Francisco: ‘Vai e restaura a minha casa que está para ruir’. E aqui a gente percebe que não era construir a igreja-templo, mas no âmbito do Corpo Místico de Cristo”, contextualizou.

“Também no século 20, Deus suscita do meio do povo, da sociedade baiana, uma resposta amorosa de Deus à difícil realidade daquela época. Ele chama e convida Ir. Dulce a dar uma resposta positiva a uma sociedade decante. A irradiar a sua luz naquele contexto de 1930. Nesse período, vale ressaltar, nosso Brasil estava vivendo a era Vargas. Foi um período em que Getúlio Vargas governou o nosso Brasil por 15 anos e neste período também nós vivíamos o grande acontecimento mundial: a Segunda Guerra Mundial, que no Brasil teve um impacto bastante negativo, principalmente no cenário socioeconômico. Neste período teve a instalação do Estado Novo, caracterizado por uma forte centralização do poder, pelo autoritarismo, pelo anticomunismo e também o nacionalismo. Além disso, podemos perceber que o Brasil foi esse palco de grandes transformações sociais e nessa realidade é que se encontrava e vivia Santa Dulce dos Pobres”, acrescentou a religiosa.

Segundo ela, o Estado da Bahia era governado por interventores, que investiam em grandes obras. “Se por um lado, ajudavam a classe média alta, por outro lado fazia com que a desigualdade social aumentasse e a população empobrecida fosse lançada para a periferia da cidade. Nesse cenário, Ir. Dulce é interpelada e desenvolve ali todo o seu trabalho em favor da população mais carente”, situou Ir. Rosana.

“Nessas regiões periféricas, havia uma grande concentração de lugares que foram invadidos devido à grande desigualdade social. E nesse período em que houve interventores na Bahia, desenvolvem-se as favelas em Salvador e é ali que Santa Dulce dos Pobres vai atuar. Era um contexto marcado por grande miséria, mortalidade infantil e grande descaso para com a saúde e educação”, assinalou.

Imagem: Captura de tela do evento on-line da Semana Franciscana

O ENCONTRO COM O LEPROSO

“Sabemos que a conversão de São Francisco se deu também a partir do seu encontro com o leproso. São Francisco se depara com o leproso, vence seu medo, abraça e o beija. A partir daí ele muda radicalmente. Foi determinante para ele compreender qual era a vontade de Deus para com sua vida: ‘O Senhor assim deu a mim, Frei Francisco, começar a fazer penitência: porque, como estava em pecados, parecia-me por demais amargo ver os leprosos. E o próprio Senhor me levou para o meio deles, e fiz misericórdia com eles”.

Segundo a palestrante, numa sociedade doente em Salvador, Ir. Dulce teve seu encontro com outros leprosos, “porque a lepra do tempo de Francisco era diferente da lepra no tempo de Ir. Dulce. Os marginalizados tinham outra face: crianças abandonadas, desnutridas, famílias sem teto, tuberculose, malária, enfim pessoas com deficiência física e mental”, assinalou.

Imagem das mídias da Congregação das Irmãs Filhas de Maria Servas dos Pobres, no lançamento do livro de Ir. Rosana

Para Ir. Rosana, Santa Dulce inicia seu trabalho com a população empobrecida na cidade de Salvador a partir do encontro com uma criança que sofria de malária. “Ir. Dulce se encontra com essa criança vendendo jornais e vê que ela queimava em febre. Ela grita para Ir Dulce: ‘Irmâ, irmã, não me deixe morrer na rua!’. Preocupada com aquela situação, ela busca um lugar para colocar aquela criança. Ela vai em direção à ilha dos ratos, onde tem casas abandonadas e pede a um rapaz para arrombar uma casa. Ela só queria cuidar daquela criança, porque acreditava que estava cuidando do próprio Cristo abandonado”, contou a religiosa.

Segundo ela, assim como São Francisco, ela nao foi indiferente às pessoas que contraiu a lepra daquela época, mas buscou cuidar de cada um como se estivesse cuidando do próprio Cristo.

A religiosa conta que Santa Dulce estudou na Escola de São Francisco, mas foi devotíssima de Santo Antônio desde criança, assim como sua família.  “É válido lembrar que ela pertenceu à Ordem Terceira Franciscana (OFS). Então, ela bebeu da espiritualidade franciscana e assim como São Francisco de Assis ela buscou estar atenta às necessidades de nossos irmãos mais necessitados. Por isso, ela não foi indiferente às realidades decadentes da nossa cidade”, destacou.

Ir. Rosana lembrou que têm relatos que mostram que Santa Dulce, no seu processo de discernimento vocacional, queria ser freira, mas queria ser uma freira franciscana. “Ela fez jus a esse desejo, revivendo a vida de São Francisco de Assis. Ela cuidou de muitos pobres, marginalizados, sobretudo da cidade de Salvador”.

A VIDA DE SACRIFÍCIOS

A penitência em São Francisco de Assis é sinônimo de conversão. “Ele viveu com muita intimidade a união com o Cristo, pobre e crucificado. Suas orações são belíssimas, como a que ele faz diante do Crucifixo de São Damião. ‘Altíssimo, glorioso Deus, iluminai as trevas do meu coração, dai-me uma fé reta, uma esperança certa e uma caridade perfeita; sensibilidade e conhecimento, Senhor, a fim de que eu cumpra o vosso santo e veraz mandamento. Amém'”, recordou.

“Assim também Dulce vivia com muita seriedade a sua vida de oração. Ela dizia para suas irmãs: ‘A oração é para nossa alma, assim como o ar é para o nosso corpo. Sem ele não podemos viver’. Ela era uma mulher orante e transmitia isso a todos que a cercava. Ela sabia da importância da oração para manter-se firme, para manter-se forte e superar as dificuldades do dia a dia. Sem Deus, somos pobres demais para ajudar os pobres”, observou.

Ir, Rosana contou alguns fatos que lembram esta vida de penitência de Ir. Dulce, que era apegada muito à sua irmã. “Numa gravidez de risco de sua irmã, Irmã Dulce prometeu que se a irmã sobrevivesse dormiria o resto da vida em uma cadeira. Assim o fez. Em outra ocasião, um morador de rua grita por Ir. Dulce, em frente do convento, dizendo que estava com muito frio. Ela lança seu próprio cobertor para aquele homem. Ela sacrificava para ver o bem-estar do irmão. Ela se despoja para favorecer o irmão”.

Imagem: Eugène Burnand (1850-1921), pintor suíço

A PERFEITA ALEGRIA

O terceiro ponto é a dimensão da Perfeita Alegria: “A santidade na humilhação. Teresa de Calcutá dizia que é na oração que nós aprendemos a humildade.

Outro paralelo da vida de São Francisco com a vida de Ir. Dulce é essa dimensão da Perfeita Alegria”, disse.

Segundo as Fontes Franciscanas, a Frei Leão, ensinando o que era a perfeita alegria, Francisco mostrou o caminho da caridade humilde que tudo suporta.

“Certo dia, indo à feira buscar doações para as pessoas empobrecidas, ela foi na direção de um feirante e ele cuspiu na mão de Santa Dulce. Ela, com muita serenidade, pegou aquela mão cuspida, colocou no bolso, e disse: ‘Isto aqui é para mim. E estendendo a outra mão, disse: Agora me dê o que é para os meus pobres’. Então, isso é a perfeita alegria. Aceitar o negativo e dar uma nova resposta. É acolher o negativo por amor a Cristo”, explicou.

p”Em outro momento, no período da exclaustração – Ir. Dulce ficou dez anos distante da vida fraterna -, Ir. Dulce viveu algo que foi muito difícil para sua vida. Ela ficou sozinha no Convento Santo Antônio. A madre da época retirou todas as irmãs da Congregação e então ela precisou continuar a missão na solidão. Mas ela transformou a solidão em solitude – diferente da solidão, a solitude está associada a sentimentos positivos, à alegria de estar sozinho. Neste período, conta-se que ela não alimentou nenhum rancor contra a madre. Não teve ressentimento. Ela rezava todos os dias para ela. Isso é Perfeita Alegria. Ela soube dar uma resposta positiva àquele desafio”, ressaltou.

“Ir. Dulce viveu essa Perfeita Alegria na sua vida. Ela não recebeu os estigmas no corpo como São Francisco, mas os recebeu na alma. Assim como Francisco de Assis, ela soube abraçar o Cristo Pobre e Crucificado. Ela reviveu a vida de São Francisco de Assis através do encontro com os diversos leprosos da sua época. Pessoas que viveram em épocas diferentes, mas que Deus chamou para cumprir um grande propósito. Amar a Deus nos mais pobres. Amar a Deus naquele leproso, que vivia à margem da sociedade”.

Ir. Rosana terminar essa exposição com o poema “O bicho” de Manuel Bandeira, pedindo que  esse poema possa nos interpelar:.

Vi ontem um bicho

Na imundície do pátio

Catando comida entre os detritos.

Quando achava alguma coisa,

Não examinava nem cheirava:

Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,

Não era um gato,

Não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem.

“Que possamos viver o amor aos mais necessitados, vendo na própria face deles a face de Cristo”, concluiu.

Hoje,  historiador Marco Bartoli, um dos maiores especialistas na vida e obra de São Francisco e Santa Clara de Assis é o convidado do quarto dia da Semana Franciscana,, às 20 horas.

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