Profetas chamados à santidade num tempo de ameaças à democracia
03/05/2018
Resolvi pedir ajuda a um franciscano e a um jesuíta para responder à pergunta proposta para este artigo: “O que se espera dos cristãos leigos diante das ameaças à democracia?”.
Bem, para começar, é preciso dizer: que boa combinação essa de franciscanos (e franciscanas) com jesuítas. Resultou num Papa jesuíta que adotou o nome de Francisco!
E o que este Francisco nos diz sobre leigos e leigas num tempo marcado por tantas ameaças à democracia, golpes, expulsões, ódio, campanhas de difamação e calúnia, prisões injustas e mortes desejadas e executadas?
O Papa convida-nos a atender à “chamada à santidade” – a convocação de Jesus aos que são “perseguidos ou humilhados por causa d’Ele”. Estas são palavras logo na abertura da Exortação Apostólica Gaudete et Exsultate (Alegrai-vos e exultai) que nos acaba de ser presenteada, no dia da solenidade de São José em 2018.
Sermos santos e santas diante do sistema de morte, do poder do dinheiro – é o convite de Jesus que o Papa agora ecoa.
“À luz do mestre” – escreveu-nos Francisco, há um roteiro, um “plano de voo” para buscar a santidade: as bem-aventuranças (cf. Mt 5, 3-12; Lc 6, 20-23): “Estas são como que o bilhete de identidade do cristão.” (63) Sim, as bem-aventuranças são uma convocação.
Pronunciado em aramaico, o discurso sobre a montanha (em Mateus) ou na planície (Lucas) não foi algo congratulatório. Jesus não felicitava seus ouvintes por sua condição de vida, tão dura, áspera e injusta. Não. Dirigindo-se à assembleia em aramaico ou em hebraico, o Mestre provavelmente usou a palavra ashréi, que quer dizer “andar”, “caminhar”, “marchar”.
Diante de uma multidão de pobres, famélicos, doentes, excluídos da sociedade de sua época, Jesus convocou: “Coloquem-se em marcha a caminho do Reino!”
Ora, o cristianismo é uma religião reinocêntrica. Cristãos e cristãs devem atender ao apelo de Jesus e buscar o Reino onde não haverá mais fome, injustiça, egoísmo, prisões ou exclusões. No cotidiano do Brasil esta caminhada implica uma decidida e corajosa defesa da democracia estraçalhada. Pois o regime da destruição dos direitos, das prisões, da fome que se espalha, do ódio e da violência é em si mesmo “anti-reino”.
O que se espera dos cristãos e cristãs leigos diante das ameaças à democracia é que atendam à convocação de seu Mestre e marchem corajosamente a anunciar o Reino.
É uma jornada de santificação, pois implica riscos, perigos e, eventualmente, sacrifícios, como testemunham tantos homens e mulheres do povo, verdadeiros mártires. Esta era a compreensão de santidade que tinham as primeiras comunidades cristãs. Todos os seus membros, que caminhavam no seguimento do Mestre rumo ao do Reino sob ameaças e perseguições, chamavam-se entre si de “santos” e “santas”. Ser “santo” ou “santa” não é ser perfeito: é colocar-se a caminho.
Pois bem. Se me socorri de um jesuíta de nome Francisco para escrever brevemente sobre o que fazer, peço agora a ajuda de um franciscano, Dom Severino Clasen, bispo de Caçador e presidente da Comissão do Laicato da CNBB, para uma breve anotação sobre os leigos e as leigas que estão na provocação deste artigo.
Em entrevista em 13 de abril, durante a 56ª Assembleia Geral da CNBB, Dom Clasen afirmou que “os leigos não só pertencem à Igreja, mas são Igreja”. Mais ainda, indicou que, a partir do Batismo, não existem categorias superior e inferior de cristãos, mas todos são “Igreja povo de Deus”.
É preciso coragem para afirmar que não existem superiores e inferiores numa Igreja marcada pelo clericalismo e pelo espírito monárquico. Dom Clasen, inspirado pelos Evangelhos e pela Lumen Gentium, ilumina uma questão essencial: o chamado à santidade está dirigido a todos aqueles e aquelas que desejam seguir o Mestre, pois eles todos são a Igreja, comunidade dos crentes.
Não é uma convocação especial às pessoas ordenadas. Elas não têm um “dom especial” nem capacidades ou qualidades distintivas para o seguimento do Mestre e o caminho de santidade.
É para todos, todas.
Lembramos sempre do santo que, tenho certeza, aquece o coração de toda pessoa que lê este texto. Ele era leigo. Francisco.
Que seu espírito nos encoraje a testemunhar o Mestre e seu Reino neste tempo de trevas.
*Mauro Lopes é jornalista. Foi missionário na Pastoral do Povo da Rua
de São Paulo, ministro da Eucaristia e da Palavra na Paróquia
São José (na favela de Paraisópolis em São Paulo),
teve dois anos de experiência de vida monástica e hoje vive
a vida escrevendo e rezando. É autor do blog Caminho Pra Casa.