Notícias - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Irmã Nila mantém vivo o legado de Dom Amando na Amazônia

10/09/2007

Entrevistas

Há cem anos, Frei Amando Bahlmann, OFM, era nomeado bispo da Prelazia de Santarém. Três anos depois, este missionário alemão fundava a Congregação das Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição. Responsável por este legado na região, Irmã Maria Petronila de Sousa Soares, ou simplesmente Irmã Nila, conta nesta entrevista um pouco da história da congregação e fala do desafio de manter este legado num mundo cada vez mais secularizado, numa região tão ampla e tão rica de belezas naturais e, por conseqüência, não menos rica em conflitos. “No ano passado, abrimos as comemorações do centenário de chegada de Dom Amando e, em 2010, vamos comemorar o centenário de fundação da Congregação. A nossa história não pode se separar dos franciscanos”, explica.

Das seis províncias das Irmãs Missionárias no mundo, Irmã Nila lidera hoje a maior delas, com sede em Belém, no Pará. Nos próximos meses, ela terá de visitar as 20 comunidades espalhadas por esta região amazônica, Ceará e Maranhão. Cada viagem em “voadeiras” (lanchas) não duram menos de 12 horas. Cearense, natural da mística cidade de Canindé, Irmã Nila não tem dúvida ao afirmar que o apelo vocacional à jovem e ao jovem de hoje só tem um caminho: o missionário.   

Por Moacir Beggo

PEQUENO HISTÓRICO

1903 Em 21 de setembro, o Papa Pio X criou a Prelazia de Santarém, tendo como prelado o padre Frederico Benício de Souza Costa, que enfrentou muitas dificuldades na região sugeriu ao Papa que entragasse a Prelazia a uma Ordem religiosa. O Papa Pio X, acolhendo o pedido do então prelado, decidiu entregar a Prelazia de Santarém aos cuidados dos frades menores.

1907 – 3 de agosto Chegada a Santarém dos primeiros franciscanos chefiados por Frei Amando Bahlmann.

1909  A Província de Santo Antônio assumiu a responsabilidade de manter frades na Prelazia, marcando assim a segunda etapa da presença franciscana na Amazônia.

1910   Fundação da Congregação das Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição por Dom Amando Bahlmann e Madre Maria Imaculada.

1915 – 31 de maio  Inauguração do novo convento e orfanato de Nossa Senhora de Lourdes (atual Colégio Santa Clara).

1918  Criação e funcionamento da Escola São Francisco por Frei Ambrósio Philipsenburg.

1943 14 de março  Inauguração do Ginásio Dom Amando. Quatro frades norte-americanos da Província do Sagrado Coração de Jesus, com sede em St. Louis, reforçaram a presença na Amazônia. Em 1958, a Custódia do Sagrado Coração assumiu a Prelazia de Santarém, hoje diocese. Os frades da Província de Santo Antônio seguiram para a prelazia de Óbidos.

1990  Os frades presentes na Amazônia quiseram unir-se em uma fraternidade, juntando-se a alemães, norte-americanos e brasileiros, criando a Custódia São Benedito da Amazônia.

Site Franciscanos – Como nasceu a Congregação das Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição?

Ir. Maria Petronila – Dom Amando Bahlmann chegou exatamente, em 1907, a Santarém. Logo depois, em 1910, ele fundou a Congregação. Tudo começou quando ele foi à Alemanha e, numa celebração no Convento das Clarissas, em Munster, perguntou se algumas delas não queria ser missionária na Amazônia. Elas disseram que não, mas contaram a ele que havia uma professora ingressando na Ordem. Então, Dom Amando entrou em contato com ela e acertou a vinda para o Brasil. Primeiro, esta professora fez um Postulantado rápido com as Clarissas, vestiu o hábito e veio para o Rio de Janeiro, onde passou a morar no Convento da Ajuda das Concepcionistas. Com elas, a jovem irmã formanda passou uns dois meses e, quando viajou para Santarém, teve a companhia de mais 4 concepcionistas que deixaram o convento para serem missionárias. Só que duas abandonaram a congregação e uma, depois de 10 anos, retornou ao Mosteiro no Rio. Na verdade, Dom Amando considera co-fundadora a Madre Imaculada, que foi quem implantou o espírito da congregação. Por causa da família franciscana, temos a espiritualidade franciscana como centro de nosso carisma. Na verdade, o nome da congregação deveria ter a palavra franciscana, mas quando Dom Amando foi registrá-lo em Roma, já existia uma congregação assim chamada e, como ele tinha pressa, ficou Irmãs Missionárias. Além disso, a irmã co-fundadora tinha sido curada em Lourdes de uma tuberculose óssea – já tinha perdido um dedo e ia amputar um braço -, e, com toda essa devoção a Maria – que também é do carisma franciscano -,  nossa espiritualidade não poderia deixar de ser mariana e franciscana. E como a congregação foi fundada para a missão, ela é missionária. Tanto é que Dom Amando mandou logo no início as irmãs para a missão indígena com os frades, que é a Missão de São Francisco do Rio Cururu, onde estamos ainda hoje. E ela se espalhou no Baixo Amazonas, que naquela época não conhecia a presença de religiosas. Os franciscanos e as irmãs foram os primeiros. Então, todas as escolas, hospitais que existem por aquela região, foram construídos por Dom Amando e Madre Imaculada. Pela necessidade da região, nosso trabalho é direcionado para a educação, saúde e a evangelização. 

Site Franciscanos – E como se tornou uma grande congregação?

Ir. Nila – Cada vez que Dom Amando ia para a Alemanha, trazia jovens de lá para serem missionárias na Amazônia. Muitas morreram com febre amarela naquela época. Depois começaram a surgir as vocações nativas. É tanto que, hoje, praticamente a gente não tem irmãs alemãs. Só as que estão na Província da Alemanha, que são praticamente 36, e as da Província da Namíbia, que também tem algumas, mas nas duas províncias do Brasil só tem uma. Nos EUA, elas são bem idosas. No Brasil, uma província tem sede em Belém, que tem como território os estados do Pará, Amazonas, Maranhão e Ceará, e outra com sede em Salvador, que tem como território Bahia, Pernambuco, Sergipe e Piauí. Nós ficamos praticamente no Norte e Nordeste. 

Site Franciscanos – Em que países a congregação está hoje?

Ir. Nila – Temos a Província da Alemanha, da Namíbia, de Tawain e dos EUA.

Site Franciscanos – Como foi esta expansão mundial?

Ir. Nila – Olha, como são os caminhos de Deus! Dom Amando com a co-fundadora viajaram aos Estados Unidos para arrecadar fundos visando à construção do Colégio Santa Clara em Santarém, para órfãos. Lá, no Convento São Boaventura, dos franciscanos da América do Norte, ela caiu, fraturou o fêmur e não pôde retornar para o Brasil. Aí, veio a 2ª Guerra Mundial e, então, ficou mesmo impossibilitada de retornar. Mas ela não parou. Abriu um noviciado lá e iniciou uma província nos EUA. Mesmo permanecendo por 14 anos acamada, ela governou a Congregação do leito. Tanto que o  Generalato era lá em vez de ser em Santarém, que é a sede da fundação. Dali, ela enviou as irmãs para Taiwan e para a China. Por causa da revolução chinesa, as irmãs foram expulsas do país, mas em Taiwan nasceu uma província. Como pode ver, ela tinha um espírito missionário muito grande. 

Site Franciscanos – Quantas irmãs tem a Congregação hoje?

Ir. Nila – A Congregação já chegou a ter 600 irmãs. Hoje, somos 389 irmãs. Mais da metade da Congregação está no Brasil. Só na província de Belém, somos 102 e 98 em Salvador. Atualmente, a Europa vive uma crise vocacional muito grande. A Província da Alemanha é muito idosa, sem muitas perspectivas de entradas. Nos EUA não é diferente. Já Taiwan e Namíbia têm muitas vocações. 

Site Franciscanos – Quais os maiores desafios nas regiões da Amazônia?

Ir. Nila – A própria situação geográfica já é difícil. As distâncias são muito grandes. Então, praticamente em todas as cidades que Dom Amando mandou os frades, as irmãs estavam presentes. Por exemplo, em Santarém, durante muito tempo só tinha a presença dos frades e a nossa. Nós sempre tivemos uma relação fraterna muito boa com os frades. Como agora, na aldeia de Cururu e em Jacareacanga.

Site Franciscanos – Como é a Missão nestes lugares?

Ir. Nila – A Missão Cururu fica no Alto Tapajós. Lá só existe a população indígena mesmo. É feito ali um trabalho na área de saúde, educação e evangelização. Tudo respeitando a cultura indígena. Tanto, que na celebração eucarística, a leitura é feita na língua mundurucu. O Evangelho é na língua portuguesa. É uma educação diferenciada, própria para os índios. Os professores são quase todos índios e o calendário escolar é totalmente diferenciado e feito de acordo com a colheita. Frei Amarildo aprendeu a língua mundurucu muito bem e fez muitas cartilhas bilíngües. Depois desta missão, a cidade mais próxima, que leva um dia de viagem de “voadeira” (lancha), praticamente sem interrupção, é Jacareacanga. Lá, as irmãs trabalham com os frades na vila, nos rios, com os ribeirinhos – uma população totalmente diferenciada da cidade e que tem um ritmo próprio de vida – e nas aldeias, com a população indígena. 

Site Franciscanos – Existem conflitos nesta região?

Ir. Nila – Há muitos problemas de devastação das florestas, poluição dos rios. O rio Cururu ainda está limpo porque os índios realmente o defendem. Já o rio próximo a Jacareacanga está sendo poluído por mineradoras. Mas a devastação é muito grande. Com o apoio de todo o clero de Santarém, que se envolve nesta questão da Amazônia, é feita uma conscientização do povo. Por exemplo, fizeram um grande porto exclusivamente para exportação da soja. A Igreja toda se manifestou contra, porque os sulistas que foram para lá devastaram muito para plantar soja visando à exportação. Hoje, o porto vira saída de madeira. Tem padres que já foram ameaçados por eles, inclusive até já tocaram fogo na casa de um deles. Essa questão lá é muito séria. Esse trabalho de justiça e paz dos franciscanos tem muita repercussão lá. Em Santarém, os franciscanos conseguiram o apoio de todo o clero. Toda a diocese se envolveu no trabalho de justiça e paz. Dom Esmeraldo apóia este trabalho.

Site Franciscanos – Como foi que nasceu a parceria com o Sefras?

Ir. Nila – Foi aberta uma Comunidade internacional aqui em São Paulo. Nós estamos neste processo de reestruturação da congregação, de vivenciar um pouco essa internacionalidade, fazendo intercâmbios de formandas e de irmãs professas. Um dos passos concretos dessa internacionalidade foi fundar essa comunidade em São Paulo. Só que ela foi um pedido de uma comunidade chinesa. Veio uma irmã da minha província, outra de Salvador, uma chinesa e uma tailandesa (Ir. Margareth, Ir. Joseana, Ir. Juliana e Ir. Rosa). Faltou um pouco mais de preparação, de inculturação e o trabalho não vingou. Quando a provincial da Alemanha esteve no Brasil e se encontrou com Frei Johannes (Bahlmann), falou desta comunidade. Frei Johannes – que é responsável pelo Departamento de Captação de Recursos da Província da Imaculada – falou do Sefras e daí nasceu a parceria. A primeira a trabalhar no Sefras foi a Irmã Margareth. Mas isso não parou aí. No ano passado, em setembro, num encontro entre províncias na Alemanha, o Frei Johannes lançou o convite para participar da Missão Franciscana de Angola. Você sabe, ele não perde tempo…. (risos). A gente ficou de pensar e amadurecer a idéia. Agora fomos visitar Angola para ver e conhecer a situação.

Site Franciscanos – Qual a sua avaliação?

Ir. Nila – Acho que é um excelente campo de missão. Angola vive um momento rico, com a reconstrução, não só do país, como do povo. A decisão vai sair em janeiro. Nós visitamos vários trabalhos das irmãs em Luanda e fomos a Malange. A gente se encantou com Malange. Em Luanda, é preciso estar preparada para enfrentar os problemas de uma grande capital, ainda sem estrutura. Já Malange, no interior, é mais tranqüilo para quem está iniciando um trabalho. Além disso, tem outras congregações e os frades estão lá também. A adaptação vai ser mais fácil, acredito, do que em Luanda.

Site Franciscanos – Como seria formada a estrutura desta comunidade?

Ir. Nila – Vai ser uma comunidade interprovincial, mas de início só com as províncias do Brasil. A princípio, deveremos enviar três irmãs. Tem uma chinesa que já chegou e está se preparando no Centro Missionário de Brasília, para conhecer nossa língua e nossa cultura, porque ela vai morar lá com as brasileiras. Creio que em 2008, poderemos abrir a comunidade. Já vimos uma casinha atrás da igreja de Malange, que já foi residência de religiosas. Ela fica próxima da residência dos franciscanos da Imaculada. De início, estamos mandando as irmãs para a evangelização, provavelmente uma para a educação. Já existe um projeto da Missionszentrale de construir lá o Centro Catequético. Provavelmente, uma irmã seria para este centro. Segundo o bispo de lá, há cerca de 1.500 catequistas necessitando de formação. Sem dúvida, um grupo muito grande e que precisará ser dividido em várias turmas. Nos finais de semana, iríamos para as aldeias, assim como os frades. 

Site Franciscanos – Como animar uma jovem hoje para seguir a vocação religiosa?

Ir. Nila – O convite deve ser feito à juventude para ser missionária, com o espírito de São Francisco.  Hoje, quem vem para a vida religiosa, tem que ter essa consciência de que vem para sair em missão. Chamar o jovem para ser religioso dentro de uma instituição, não sei se tem algum atrativo. Penso que não. O que atrai o jovem é o desafio de ser missionário. Por exemplo, o trabalho do Sefras da Província da Imaculada atrai o jovem. Muitos trabalhos que fazemos no interior com jovens são preventivos, para não caírem nas drogas e na prostituição.

Site Franciscanos –  Conte um pouco de sua história até se tornar provincial?

Ir. Nila – Sou de Canindé, onde está o Santuário de São Francisco. Cresci ali naquele meio de religiosidade e espiritualidade franciscana. Participava depois dos grupos de jovens. Fiz o Postulantado em 78, o Noviciado em 79 e 80, e a profissão simples em 81. No começo, morava Ceará e depois fui transferida para o Pará, em Alenquer, e não voltei mais. Sou enfermeira. Fiz faculdade de enfermagem para trabalhar no hospital de Alenquer. Depois, tive a oportunidade de fazer uma experiência de intercâmbio na Alemanha por dois anos, mas quando estava com 1 ano e dois meses me chamaram de volta para assumir a administração do hospital. Quando estava com dois anos e meio no hospital, tivemos o Capítulo e sai como provincial.

Site Franciscanos – Como é a vida de uma provincial no Pará?

Ir. Nila – No mundo de hoje, trabalhar com a sociedade e com os jovens não é fácil. E temos muitas irmãs jovens na província. É um desafio. Primeiro você tem de prepará-las para o mundo do trabalho. Depois, a nossa realidade geográfica é muito ampla. Por exemplo, vou fazer visitação agora. Preciso de dois meses e meio para passar dois dias em cada comunidade. Temos umas 20 comunidades. No Ceará, consigo fazer em um mês, mas no Norte não consigo. Hoje, não basta ser só religioso e ter boa vontade, é preciso estar preparado. Há ainda o desafio das instituições. Hoje, ser uma instituição filantrópica, requer muita organização. Todo nosso trabalho social nós organizamos e estruturamos como o Sefras. No momento em que a congregação se prepara para a celebração do centenário, estamos também com esse processo de reestruturação.      

Site Franciscanos – Gostaria de deixar alguma mensagem?

Ir. Nila – Eu queria dizer que essa aliança com os franciscanos vem desde a origem da congregação, com Dom Amando Bahlmann. Espero que ela continue por muito tempo. E parece que vai, pois Frei Johannes já lançou o convite para a Província de Taiwan trabalhar na Missão Franciscana da Tailândia, onde está Frei Paulo Borges, do Brasil. As irmãs de Taiwan ficaram todas empolgadas com a possibilidade de trabalhar ali, já que têm culturas semelhantes e a adaptação seria muito fácil. 

A Missão do Rio Cururú

Em 1907, quando o administrador apostólico da nova Prelazia de Santarém, no Pará, Dom Frei Amando Bahlmann, chamou voluntários para a diocese, Frei Hugo Mense, foi um dos primeiros a se apresentar, mudando-se para Santarém no ano seguinte, após ter obtido licença do Ministro Geral da Ordem Franciscana. Durante os primeiros três anos, percorreu grande parte do território de Santarém, estendendo seus trabalhos até o Amapá, até que, em 1910, dedicou-se à catequese entre os Munduruku com a fundação da Missão de São Francisco do rio Cururú. Permaneceu na estação missionária por 28 anos, retirando-se, por motivo de doença, para o Rio de Janeiro, em 1938. Faleceu no Convento de Santo Antônio em 22 de abril de 1944. Nesta missão, Frei Hugo teve a companhia de Frei Luis Wand e Frei Crisóstomos Adams. O programa de trabalho pressupunha o convívio com os índios, aprendizado da língua e cultura, bem como a auto-suficiência econômica da missão. Progressivamente, e com grandes dificuldades (financeira, locomoção, sanitária), a Missão conseguiu enraizar-se na região, constituindo uma sede formada por casas para os freis que atendiam o serviço religioso, capela, ambulatório, cozinha, internatos para as crianças indígenas, casa de fabricação de farinha, ferraria, oficina e a casa de turbina, além das casas construídas para abrigar os visitantes e os índios que resolvessem morar na missão. Todo esse conjunto de prédios foi construído em terrenos doados á Prelazia de Santarém, pelo Governo do Estado do Pará, em 1919.