Frei Sinivaldo: “Ainda estamos adormecidos diante da degradação do Planeta”
30/11/2006
Por Moacir Beggo
Coordenador do Curso de Pós-Graduação Latu Sensu “Espiritualidade, Ecologia e Educação – uma abordagem transdisciplinar”, o teólogo e professor do ITF, Frei Sinivaldo Silva Tavares, franciscano da Província de Santa Cruz (MG), concedeu esta entrevista com exclusividade e lamentou que ainda é significativo o número daqueles cristãos, inclusive franciscanos, que relutam em admitir a gravidade e urgência do problema da degradação do Planeta.
Para ele, não se despertaram ainda para a atitude tipicamente cristã e franciscana da responsabilidade para com cada criatura e para com o inteiro Planeta como maneira privilegiada de exprimir nossa responsabilidade filial para com o Pai de Jesus Cristo. E Frei Sinivaldo frisa: “Estou profundamente convencido de que, enquanto cristãos e franciscanos, jamais poderemos nos sentir desobrigados da participação no amplo debate acerca das questões cruciais do ‘nosso tempo’: a dignidade inalienável do ser humano, a justiça, participação e inclusão sociais e, enfim, o destino de nosso planeta”.
Professor de Teologia Sistemática no Instituto Franciscano de Teologia de Petrópolis, Frei Sinivaldo tem vários livros publicados e lançou neste ano “Jesus: Parábola de Deus. Cristologia narrativa”, pela Editora Vozes. Acompanhe a entrevista!
Site Franciscanos – O Curso de Pós-Graduação Lato Sensu é o único no gênero no Brasil? É o único que tem esta motivação na espiritualidade franciscana?
Quem é Frei Sinivaldo Tavares, OFM |
Sinivaldo Silva Tavares é frade franciscano; nascido em Uberlândia, MG, no ano de 1961: doutor em Teologia Sistemática pela Pontifícia Universidade Antonianum (Roma); professor desta mesma disciplina no Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis (RJ) e coordenador do Curso de Pós-Graduação lato sensu – Espiritualidade, Ecologia e Educação: uma abordagem transdisciplinar. Livros publicados: Il Mistero della Croce nei teologi della liberazione latino-americani, Roma 1999; Inculturação da Fé (org.), Vozes 2001; A Cruz de Jesus e o sofrimento no mundo. A contribuição da Teologia da Libertação latino-americana, Vozes 2002; Memória e profecia: A Igreja no Vaticano II(org.), Vozes 2005; Jesus: Parábola de Deus. Cristologia narrativa, Vozes, 2007. Publicou ainda mais de 20 estudos em obras coletivas e em revistas especializadas: REB, Grande Sinal, Rhema, Scintilla. |
Frei Sinivaldo – Anos atrás, quando estávamos construindo este curso, fiz uma ampla pesquisa na internet. Pude perceber que, embora existam vários cursos que se ocupam da questão ambiental, faltava uma abordagem que incluísse essas três áreas do conhecimento – a Espiritualidade, a Ecologia e a Educação –, interconectando-as mediante um viés inter e transdisciplinar. Acredito que ainda hoje o nosso Curso é o único, em nível de pós-graduação, que se proponha esta abordagem. Seu diferencial consiste na articulação entre as dimensões constitutivas da Ecologia concebida como novo paradigma, a saber: a ecologia ambiental, a ecologia social, a ecologia mental e a ecologia integral/espiritual.
Site Franciscanos – Por que a escolha deste curso?
Frei Sinivaldo – A realização deste curso vem ao encontro de uma preocupação: acolher as urgentes interpelações que provêm da questão ecológica, concebendo-as não apenas como um problema grave a ser debelado, mas, sobretudo, como ocasião propícia para o resgate e o cultivo do Cuidado pela Vida, atitude típica de nossa tradição cristã e franciscana. O diferencial do nosso Curso consiste propriamente na abordagem crítica de questões oriundas do novo paradigma ecológico, acolhendo-as como permanente estímulo à construção de relações que fomentem o cuidado pela Vida. Daí o nome dado ao Curso: “Aprendendo a cuidar da Vida!”.
Site Franciscanos – A formação atual existente no sistema de ensino no país, no campo da ecologia, é satisfatória? E como é esta formação na Igreja?
Frei Sinivaldo – Percebe-se um crescimento paulatino na consciência das pessoas em geral com relação às questões relacionadas à sustentabilidade do Planeta. Penso, todavia, que a formação para a consciência ecológica em nosso país, sobretudo nas escolas da rede pública de ensino, ainda é insatisfatória. Gostaria de mencionar aqui todo o trabalho de conscientização ecológica que vem sendo feito nas unidades da Rede de Ensino do Senhor Bom Jesus, com sede em Curitiba, mantida pelos nossos frades. Eu mesmo pude constatar, em visita feita a suas principais unidades, o empenho e a dedicação por parte dos pedagogos e professores em despertar e fomentar nos alunos a sensibilidade para o cuidado e o respeito à Vida.
No interior da Igreja católica, ainda são incipientes tanto a sensibilidade quanto a atenção a estas questões. Penso, sobretudo, nas paróquias e suas distintas atividades pastorais. E digo isso com certo pesar, pois estou convencido do singular papel que a Igreja poderia desempenhar em termos de uma maior conscientização de nossa população no tocante à questão ecológica.
Site Franciscanos – As inscrições terminam dia 31 mesmo?
Frei Sinivaldo – A princípio, nós tínhamos estabelecido que 31 de outubro seria o último dia para as inscrições. Levando em conta, porém, a dificuldade sempre maior de se programar com antecedência os empenhos, sobretudo neste final de ano, decidimos prorrogar o prazo para as inscrições, estabelecendo como data-limite o dia 15 de dezembro.
Site Franciscanos – O sr. concorda que Francisco de Assis é muito lembrado quando se fala de ecologia e, aos poucos, está se tornando referência obrigatória?
Frei Sinivaldo – Sem dúvida alguma, no interior do debate suscitado em torna à questão ecológica, Francisco de Assis é frequentemente lembrado e vai, aos poucos, se tornando de fato uma referência obrigatória. Poderíamos, talvez, caracterizar a singularidade do Poverello no trato com a inteira realidade criada como uma “peculiar sensibilidade ecológica” expressa na atitude do cuidado e da ternura para com cada criatura e para com o conjunto delas. Neste sentido, Francisco nos ensina a não nos considerarmos superiores às criaturas, o que nos levaria a continuar falando “sobre” elas de modo a justificar todo tipo de uso e de abuso das mesmas em benefício próprio. Ele nos exorta, ao contrário, a nos sentirmos seus irmãos e irmãs, inseridos na sua complexa trama: a teia da vida.
Site Franciscanos – Como falar de ecologia na América Latina, que tem uma população de mais de 300 milhões de miseráveis?
Frei Sinivaldo – O discurso acerca da ecologia elaborado em um contexto de miséria e de exclusão, como é o latino-americano, assume uma difícil tarefa: articular o “grito da terra com o grito do pobre”. Um discurso assim construído põe às claras a estreita relação existente entre degradação do Planeta e o modo de produção capitalista, assentado sobre a exploração desmedida dos recursos da Terra e o fomento de um exagerado consumismo. O stress ao qual o Planeta está sendo submetido depende em grande parte do grau desproporcional do consumo por parte daqueles que constituem uma terça parte da população mundial. Segundo cálculos balizados, se o poder de consumo deste 1/3 mais rico fosse socializado, isto é, estendido à inteira população do Planeta, nós necessitaríamos de outros três Planetas do mesmo tamanho e com as mesmas potencialidades da Terra para suprir as necessidades de consumo. O que está em crise, na realidade, ao se falar da crise ecológica, é o paradigma ocidental moderno. Trata-se de uma crise no conjunto de modelos ou de padrões a partir dos quais organizamos nossa relação conosco mesmos, com as demais pessoas e com o conjunto da realidade na qual estamos inseridos. A ilusão de um crescimento desmedido e de um progresso ilimitado aliada ao mito da perfeita utilização dos recursos da Terra tem produzido a exaustão dos sistemas vitais e a desintegração do equilíbrio ambiental. E em tal caso, verifica-se uma situação deveras paradoxal: a imensa maioria dos pobres do Planeta – embora seja constituída por aqueles que menos contribuem para a exaustão da Terra – é a principal vítima das conseqüências deste stress ambiental.
Site Franciscanos – Como a Igreja e os franciscanos, especialmente, podem ajudar na conscientização do povo para evitar um desastre ambiental que já está em curso?
Frei Sinivaldo – Quando penso na realidade de nossa Igreja e de nossas entidades franciscanas, me vêm espontaneamente em mente três coisas: a presença capilar de ambas através de inúmeras comunidades e fraternidades espalhadas pelo mundo inteiro, o forte referencial simbólico que encarnam e o conseqüente apelo ético, existencial e social que representam. Talvez não tenhamos ainda refletido suficientemente sobre o enorme potencial de tais realidades. Que outra instituição goza de uma condição semelhante a esta nos dias de hoje? A consciência do singular papel desempenhado por nossas instituições deveria nos levar à reflexão acerca da incumbência que pesa com gravidade sobre nós: no mínimo, deveríamos assumir uma atitude de extrema responsabilidade para com a vida, mas em todas as suas dimensões e não apenas em alguns casos pontuais. Às vezes, tenho a impressão de que, na defesa da Vida, a Igreja se concentre apenas em dois de seus momentos: a vida intra-uterina e a vida após a morte. Ela não dá a mesma importância à vida escondida nas experiências que compõem o itinerário sinuoso que vai do nascimento à morte atravessando todas aquelas vicissitudes que constituem nosso quotidiano mais ordinário. Muito menos importância ainda tem dado à defesa das criaturas e do Planeta Terra. Ainda é significativo o número daqueles cristãos, inclusive franciscanos, que relutam em admitir a gravidade e urgência do problema da degradação do Planeta. Encontram-se ainda como que adormecidos, reféns de uma mentalidade ingênua, porque a-crítica. Não despertaram ainda para a atitude tipicamente cristã e franciscana da responsabilidade para com cada criatura e para com o inteiro Planeta como maneira privilegiada de exprimir nossa responsabilidade filial para com o Pai de Jesus Cristo. Estou profundamente convencido de que, enquanto cristãos e franciscanos, jamais poderemos nos sentir desobrigados da participação no amplo debate acerca das questões cruciais do “nosso tempo”: a dignidade inalienável do ser humano, a justiça, participação e inclusão sociais e, enfim, o destino de nosso planeta.
Site Franciscanos – Quando fez a opção de ser religioso franciscano?
Frei Sinivaldo – Minha opção pela vida religiosa franciscana se deu quando ainda era adolescente e atuava na Paróquia dos frades franciscanos de Uberlândia, MG, minha terra natal. Depois de concluir o ensino fundamental, ingressei no Seminário Santo Antônio de Agudos no ano de 1978. Após concluir o ano de noviciado em Rodeio, SC, emiti meus primeiros votos no dia 28 de janeiro de 1982. Professei solenemente na Ordem dos Frades Menores no dia 10 de janeiro de 1986, e no dia 18 de julho de 1987, me ordenei sacerdote.
Site Franciscanos – É professor do ITF desde que ano?
Frei Sinivaldo – Sou professor de Teologia Sistemática no ITF desde fevereiro de 1999.