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Frei Paulo Borges fala da missão da Tailândia

02/02/2007

Entrevistas

Entrevista a Moacir Beggo

“Sempre me coloquei naquela disposição de morrer, de perder”. Em sintonia com a oração atribuída a São Francisco de Assis – “é morrendo que se vive para a vida eterna” -, Frei Paulo César Magalhães Borges fala de sua experiência como missionário na Tailândia e de como consegue forças para superar as dificuldades no trabalho diário com portadores do HIV.

De passagem pelo Brasil e por São Paulo, Frei Paulo falou com serenidade de sua viagem forçada ao Brasil no dia 18 de janeiro, quando deu o último adeus a sua mãe. Essa experiência da morte, contudo, para ele tem sido uma constante no trabalho em Lamsai, uma pequena vila próxima de capital tailandesa.

Neste dia 2 de fevereiro, Frei Paulo retornou à Tailândia, onde continua o seu trabalho até abril, quando então voltará ao Brasil, para cumprir um ano sabático. Neste período, ele vai pedir a ordenação diaconal, já que ele é Irmão franciscano. “Sinto que na Tailândia posso usar muito o diaconato: posso trabalhar com os portadores de HIV e ao mesmo tempo trabalhar com a Igreja local”, acredita. Em tempo: Frei Alexandre Magno foi ordenado sacerdote para poder exercer este ministério na Missão de Angola.

Frei Paulo ingressou no Seminário de Agudos, em 91, quando já tinha 25 anos e trabalhava numa revendedora de carros. Para tomar esta decisão, ele se preparou durante três anos. “Eu queria ter certeza, afinal eu ia deixar meus pais, que ajudava financeiramente”, conta. O trabalho com os pobres na delegacia, na favela etc o animou a ingressar na vida religiosa. “Eu queria viver para os pobres. Mas não queria ser padre. Então, depois soube que podia ser um irmão, como São Francisco. Aí eu comecei a ler sobre a vida de ‘São Francisco de Assis’, de Maria Sticco’. É um livro romântico, mas foi importante para me despertar.”, lembrou o missionário, que pretende voltar à Tailândia como sacerdote.

O PROJETO MISSIONÁRIO DA TAILÂNDIA
Com a chegada de cinco novos frades menores, no início de 2006, a presença franciscana na Tailândia foi reforçada, sendo agora nove os professos solenes na Fundação, entre eles Frei Paulo César Borges, brasileiro da Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil. No início de julho de 2006, o delegado do Ministro Geral, Fr. Paskalis Bruno Syukur, ministro provincial da Província da Indonésia, encontrou-se com os Frades que trabalham na Tailândia.
Do diálogo e da reflexão comum apareceram algumas orientações que representam um importante desenvolvimento de nossa presença. Todos os frades que chegam à Tailândia devem aprender a língua Thai, freqüentando um curso de um ano em Bangcoc, praticando depois, por ao menos seis meses, numa paróquia tailandesa.
Atualmente, há três fraternidades na Tailândia. Em Bangkok, capital do país, está a casa dos Frades que estudam a língua Thai, e o acolhimento. Em Prachua, os frades cuidam de uma Paróquia e ali vivem os aspirantes à vida franciscana. Em Lamsai, lugar onde, em 1993, começou a presença dos frades está a “casa-mãe” da Fundação.
Em Lamsai, há vários anos os frades se dedicam à assistência dos doentes terminais de Aids, acolhidos no “Saint Clare Hospice”. É neste centro que trabalha Frei Paulo. No mesmo lugar existe um Centro de espiritualidade, aberto aos que desejam se retirar para um período de reflexão e oração em grupo ou individualmente.
Os frades cuidam também da Ordem Franciscana Secular e de outras atividades pastorais e formativas.

A descoberta da vocação missionária
“Quando eu estava terminando Teologia, em 2000, o Ministro Geral, Frei Giácomo Bini, foi nos visitar. Passando por Petrópolis, ele nos convidou, jovens frades, a sairmos em missões pelo mundo. Tanto que ele fez um encontro só com os estudantes. Sem os mestres. Quando ele começou a falar sobre o Projeto da Ordem, aquela vocação missionária que estava lá dentro começou a esquentar. Quando ele falou do Afeganistão, eu pensei: ‘não é para mim’; Rússia, ‘não é para mim’; mas quando ele citou a Tailândia, senti-me vocacionado. Senti a mesma emoção de quando sai da minha terra para o Seminário em Agudos. Então, pensei: ‘tenho de me preparar porque o meu destino é a Tailândia mesmo’. Era muito tímido e não tive coragem de dizer isso para o Ministro Geral. Mas ao mesmo tempo eu estava preparado, pois morava lá naquela favelinha de Osvaldo Cruz (na cidade de Petrópolis, onde moram alguns estudantes de Teologia), onde pude fazer a experiência de inserção por quatro anos. Foi então que Frei Johannes (Bahlmann), o guardião naquela época, falou do meu interesse em ser missionário para Frei Giacomo Bini, que fez questão de visitar a casa em Osvaldo Cruz. Ele subiu o ‘escadão’, com 230 graus, com uma criança no colo. Ele é bem carismático, não?”

O encontro com Giacomo Bini
“Então, dentro do refeitório, Frei Johannes me apresentou ao Geral. Quando eu toquei nas mãos dele, Frei Johannes disse que meus olhos se abriram de alegria. Aí, ele me perguntou: ‘Você tem vocação missionária?’. Eu disse: ‘Tenho’. Ele me perguntou se gostaria de ir para a Tailândia e disse que sim. Então, ele me puxou para perto de Frei Caetano (Caetano Ferrari, ex-ministro provincial) na mesa, e falou: ‘Ele vai para a Tailândia’. O Ministro Geral tem autoridade para transferir quem ele quiser, a qualquer momento, mas fiz questão de passar por todo o processo: pela comunidade de Petrópolis e pelo Definitório, para ter aprovação de todos e depois ir em missão. A minha ida foi aprovada e Frei Giacomo Bini enviou uma carta explicando os passos que deveria tomar: ir para os Estados Unidos aprender inglês, porque eu não sabia nada desta língua, nem pedir um suco de laranja. Fiquei lá quatro meses e depois fui para a Bélgica receber uma formação missionária. Integrei o primeiro grupo de um projeto que existe em Bruxelas voltado para a animação e formação de frades para os projetos missionários da Ordem.

A chegada à Tailândia
“Em 2001, no dia 2 de setembro, cheguei à Tailândia. Eram 2h15 da tarde quando eu olhei no relógio. Desde então, essa vocação foi aflorando. Fui me descobrindo aos poucos. Por exemplo, os freis falaram: ‘Você tem de estudar tailandês’. Falei: ‘Então, está bem. Deus vai me capacitar para aprender esta língua’. Então, fui para aula e fiz de tudo para aprender. Os professores falavam: ‘Você tem uma boa motivação e vai aprender logo’. Graças a Deus, hoje consigo dominar o inglês e o tailandês.
Depois, comecei a trabalhar na Casa Santa Clara, para os portadores do HIV. Então, lá descobri que tinha essa vocação também para enfermagem, mesmo sem nunca ter estudado. Aprendi na prática. Troco fraldas, limpo os feridos, corto peles que já estão morrendo, coloco sondas nos órgãos… Ser missionário é uma graça muito grande”.

Vida em fraternidade internacional
“Viver numa comunidade internacional, contudo, não é fácil. É um desafio muito grande, porque todos nós somos diferentes. Cada um é de país diferente. Fui o único estrangeiro durante cinco anos. Todos eram da Ásia. Só eu da América do Sul. No início, senti dificuldade porque ninguém falava português. Mas sempre me coloquei naquela disposição de morrer. De perder. O segredo é saber perder. Nós, frades, quando nos colocamos no “caminho do saber perder”, no fundo nós vamos ganhar. Então, eu me preparo para cada dia a gente estar pronto para morrer. E você acaba ganhando. Eu vivo agora numa comunidade em que o objetivo, em primeiro lugar, não é cuidar dos pacientes com HIV. O objetivo primordial é a implantação da Ordem na Tailândia. Com nossa vida no dia-a-dia, com nosso testemunho, com todas dificuldades, para aos poucos formarmos frades na Tailândia”.

Animação vocacional
“Temos dois trabalhos: uma casa para HIV e uma Paróquia. Eu, como um frade encarregado desta casa – já faz quatro anos que estou nesta função -, não tenho como sair fora para fazer um trabalho vocacional. Eu fico só cuidando dos pacientes, trocando fraldas, durante oito horas por dia. Às vezes fico também no horário de 5 até 9 horas da noite, dependendo da escala dos funcionários. Na verdade, sempre estou lá 24 horas, pois moro ali. Lamsai fica no Interior, uma roça mesmo. Está a 60 quilômetros de Bangcoc. É um lugar muito lindo mesmo. Nossa casa é um paraíso. Frei Antônio Moser, quando esteve lá, chamou o lugar de “paraíso perdido”. E é mesmo! Então, o objetivo principal é a implantação da Ordem com o nosso trabalho. Agora, já temos um noviço, três postulantes estudando e se preparando nas Filipinas, porque não temos ainda estrutura para cuidar da formação”.

O projeto missionário
“Na verdade, o Projeto Missionário da Ordem está sempre recomeçando. Os frades nunca conseguiram se acertar, pois sendo de países diferentes, eles vinham, ficavam dois anos, e voltavam. Mas agora parece que este novo grupo tem a mentalidade diferente. E o Ministro Geral está dando toda a atenção. Somos nove frades: dois são da Indonésia, três da Índia, um do Equador, um da Espanha, um da Polônia e eu do Brasil. Somos nove frades interessados em divulgar a nossa vida lá na Tailândia. E não é fácil. Porque estamos num país budista, onde 97% são budistas. Nós, católicos, somos apenas 0,4%. Não chega nem a 1%. Em todo o país, temos 180 mil batizados. Então, a Igreja da Tailândia está caminhando também. Às vezes, como brasileiro, olhando para esta realidade, parece que o Vaticano ainda não chegou aqui. Eles ainda são tradicionais. Não têm ministério para leigos, não têm ministro da Eucaristia. O padre faz tudo. Nem posso dar a comunhão como irmão leigo. Então, é uma Igreja com acento clerical muito forte. Mas estamos lá e temos de respeitar aquela cultura, porque nós, estrangeiros, às vezes queremos colocar na cabeça deles o nosso modo de ver. Na verdade, temos de ver o mundo a partir dos olhos deles. Aí, sim, eu vou compreender a Tailândia, o Japão….”

Portadores do HIV
“O atendimento no social é voltado na maioria para budistas. Uma vez ou outra temos um católico ou protestante. Até monges nos procuram. Nossa casa é estritamente voltada para os pobres, para pessoas abandonadas. Nós estamos lá para acolher os sofredores, aqueles que foram rejeitados pela família. Porque na verdade, esse trabalho com os HIV é muito dignificante. Não é só curar o vírus, os sintomas da doença. Temos o coquetel e ninguém morre agora com Aids. Mas a pessoa quando contrai o vírus, entra em depressão, porque pensa que vai ser rejeitada pela sociedade. Então, estamos lá para realçar a dignidade do ser humano. E na Tailândia o preconceito é terrível com relação à Aids. Já opção sexual neste país não é problema”.

Lições do budismo
“Então, sinto hoje que sou mais humano. Sou capaz de perdoar com mais facilidade, ter mais compaixão. É até influência do budismo, que nos leva a ser mais compassivo, paciente com o outro, ter que compreender a morte também. Eu sinto que trabalhando com os pacientes de HIV – muitos morreram nas minhas mãos -, fui capaz de compreender a morte. Tanto que quando minha mãe morreu agora, no dia 22 de janeiro, eu estava no seu leito e ela morreu comigo presente. É interessante você conviver com quem está morrendo. Você aprende muito com isso. É um momento, ao mesmo tempo, de pequenez e graça”.

Respeito ao diferente
“Desde o momento que cheguei na Tailândia, sempre fui bem recebido. Sinto que o tailandês gosta muito de mim, porque vivo aquela vida de sempre. Eu me misturo com eles e respeito a cultura deles. Eles sentem que não agrido, mas respeito a cultura deles. Quando vou a um templo budista, cumprimento Buda do mesmo jeito que eles cumprimentam. Eu vejo assim: Deus está presente no budismo, então tenho de respeitar aquela cultura. É uma religião que tem uma filosofia de vida que não tem nada contra ninguém, contra nenhuma religião. O católico não tem problema com eles, até os muçulmanos – que tem entre eles grupos fundamentalistas -, vivem em paz na Tailândia. Não há intolerância”.

O grande desafio
“O nosso desafio maior é vivermos como comunidade franciscana. Esse é o ponto principal, a espinha dorsal. Vivermos juntos, compreendermos o outro, amar cada um. Este é um desafio para mim. Este é um aidético que tenho de abraçar. Porque o ministério que temos lá não é fácil, mas o mais difícil é cuidar de sua casa. Tem de começar dentro de casa. Mas através da dor também podemos crescer”.