Frei Patton: chega de bombardear os civis em Gaza; que a vida humana volte a ser sagrada
16/11/2023
“Todos devem cooperar para deter os bombardeios contra a população civil em Gaza”. Esse é o apelo feito pelo custódio da Terra Santa, Frei Francesco Patton, que participou da XVI Jornada das Associações da Terra Santa realizada no último sábado (11), em Roma. O encontro anual reúne as associações de voluntariado que apoiam os projetos na Terra Santa.
“Deve-se voltar a respeitar a pessoa humana, independentemente da etnia, da religião e da situação pessoal de cada um; é preciso voltar a considerar a pessoa humana sagrada”, afirma o religioso franciscano que adverte contra as “ideologias do tipo anti-humanas e terroristas” alimentadas em alguns contextos. Com tristeza, Patton descreve as dificuldades que a comunidade cristã na Faixa de Gaza está enfrentando.
Quais são as últimas notícias que vocês têm de Gaza sobre a comunidade cristã?
A comunidade cristã em Gaza agora é muito pequena. Os fiéis greco-ortodoxos e de rito latino estão misturados nas duas paróquias. Há as Irmãs de Madre Teresa, que cuidam dos deficientes, e as Irmãs do Verbo Encarnado, e ainda há a presença das Irmãs do Rosário, que tinham uma grande escola aberta a todos. No momento, todos os cristãos vivem na igreja, que é o único lugar onde se sentem seguros, não porque tenha paredes mais grossas, mas porque na igreja eles percebem mais a presença de Deus… Eles percebem a igreja como um lar e a presença de Jesus Cristo como seu Salvador. Eles dizem isso explicitamente! Eles fazem duas missas por dia, rezam o terço, vivem uma vida de oração dia e noite, precisamente para invocar a salvação para si mesmos, para seus irmãos e irmãs. Vamos ver como as coisas vão se desenrolar nos próximos dias, esperemos sempre que pelo menos o local de culto seja respeitado e que os cristãos consigam superar essa fase realmente difícil de sua existência.
Ao recorda das Associações para a Terra Santa e também dos voluntários. Qual é a importância da contribuição e da presença de voluntários na Terra Santa?
A presença de voluntários é sempre muito importante, mas é claro que temos de esperar o fim da guerra para podermos vê-los novamente. Eles ajudam um pouco todas as realidades presentes: desde a Custódia até as paróquias do Patriarcado Latino e os vários institutos religiosos masculinos e femininos presentes. Há atividades voluntárias que também tentam ajudar a economia local; estou pensando em Belém e na nossa associação Pró-Terra Santa, no que é feito em termos de atividades culturais e no incentivo a atividades empresariais. Os voluntários estão presentes em todo o território, tanto na parte israelense quanto na parte da Cisjordânia sob a Autoridade Palestina.
A presença de voluntários é sempre uma presença útil porque cria uma ponte entre o mundo da Terra Santa e o mundo de onde os voluntários vêm. De fato, há voluntários que vêm da Itália, França, Espanha, países do Leste Europeu ou dos Estados Unidos e da América Latina. Assim, eles constroem pontes não apenas com as comunidades cristãs, mas também com as comunidades israelenses e palestinas e com o resto do mundo.
Como o senhor vê o futuro dos cristãos na Terra Santa?
Temo que, após a guerra, haja uma nova emigração de cristãos da Terra Santa para os Estados Unidos, Canadá e Europa. Mesmo antes de vir para Roma, senti que muitos não se sentem mais seguros, especialmente aqueles que têm família e não querem que seus filhos cresçam em um ambiente de ódio, onde não há aceitação mútua entre pessoas de diferentes etnias e religiões.
O que pode ser feito para que os cristãos continuem presentes na Terra Santa e testemunhem com suas vidas o que Jesus Cristo nos deixou?
O fundamental para que os cristãos permaneçam vem do espiritual. Ou seja, os cristãos devem estar profundamente convencidos de que ser cristão na Terra Santa e em todo o Oriente Médio é um chamado especial, um tipo de vocação e não uma maldição. Na verdade, muitos nesta fase histórica sentem que nascer no Oriente Médio é uma espécie de maldição porque sabem o que aconteceu no Iraque, na Síria, no Líbano e agora mesmo em Israel, na Palestina e em Gaza.
O sesnhor mora em Jerusalém, a mais de 70 quilômetros de Gaza. Como é o clima que se respira?
O clima em Jerusalém é bastante pesado, porque há medo, desconfiança mútua entre os que pertencem à comunidade árabe-israelense e os que pertencem à comunidade judaico-israelense. No momento, a desconfiança é mútua e o medo também; entretanto, há sinais positivos de pessoas que continuam tentando manter vivos os fios do diálogo e da comunicação. Os cristãos desempenham um papel importante nessa situação, pois podem e voltarão a ser aqueles que não são vistos como perigosos nem por um nem por outro. Consequentemente, se eles ficarem, poderão ajudar a juntar as peças novamente; se forem embora, o espaço para a coexistência será ainda mais reduzido.
Qual é a situação na cidade?
Na Cidade Velha, a maioria das lojas de souvenirs e de artigos religiosos está fechada no momento, porque não há peregrinos. Nas últimas semanas, as estações da cruz foram feitas praticamente por nós, frades, com algumas freiras e alguns fiéis locais. Em Belém, a situação é ainda mais difícil porque os cristãos vivem exclusivamente da indústria da peregrinação e agora os hotéis, as lojas, tudo está fechado. Repito, nossa presença ainda é uma presença religiosa, como tem sido ao longo desses oito séculos. Sempre permanecemos, mesmo quando não havia peregrinos, e sabemos que é importante permanecer nesses lugares e rezar neles, porque esses lugares lembram o mistério de nossa redenção. A redenção é um fato dramático, não é um passeio no parque, é algo que custou a vida de Nosso Senhor Jesus Cristo. Consequentemente, somos chamados a segui-lo como discípulos, mesmo em meio às dificuldades.
Olhando para a realidade de hoje na Terra Santa, há algum apelo que o senhor gostaria de fazer?
O apelo é para que todos cooperem para interromper o bombardeio da população civil, para que haja um retorno ao respeito pela pessoa humana, independentemente de etnia, religião e situação pessoal. Devemos começar novamente a considerar a pessoa humana como sagrada. Na antiguidade, o que era sagrado era inviolável. Aqui, devemos voltar a considerar a pessoa humana sagrada.
Na Terra Santa vivem crentes de três religiões: judeus, cristãos e muçulmanos. Para judeus e cristãos, o homem é a imagem e semelhança de Deus; para os muçulmanos, de acordo com o Alcorão, o homem é o Califa de Deus nesta terra, ou seja, o representante de Deus nesta terra. Portanto, os fiéis das três religiões têm uma ideia muito elevada do valor e da dignidade da pessoa humana. Todos nós precisamos começar a considerar novamente o valor e a dignidade da pessoa humana. Isso é para evitar alimentar ideologias do tipo anti-humanas e terroristas em alguns contextos.
Fonte: Vatican News (texto de Tiziana Campisi)