É preciso redescobrir a fraternidade universal
01/10/2015
Moacir Beggo
São Paulo (SP) – A nossa sociedade está em ruínas, exatamente como estava na época de São Francisco de Assis. A constatação partiu do Ministro Provincial Frei Gílson Nunes, da Província São Francisco de Assis dos Frades Menores Conventuais (OFMConv), durante a homilia na celebração eucarística do primeiro dia do Tríduo de São Francisco de Assis, que reuniu, pelo segundo ano consecutivo, os três ramos da Ordem Franciscana – os Frades Menores, os Frades Menores Capuchinhos, os Frades Menores Conventuais – no histórico convento do Largo São Francisco, no centro de São Paulo. Para o pregador, é preciso redescobrir a fraternidade universal. “É preciso voltar a esse amor que invadiu o coração de Francisco e o fez entender que, se Deus é o nosso Pai, se Deus é o nosso criador, que nos entrega o seu Filho, que nos comunica o seu Espírito, nós somos a família de Deus”.
Além de Frei Gílson, a celebração foi presidida pelo Ministro Provincial dos Capuchinhos (OFMCap), Frei Carlos Silva, da Província Imaculada Conceição de São Paulo, e concelebrada pelo Visitador Geral da Ordem dos Frades Menores (OFM), Frei Nestor Inácio Schwerz, que está em visita canônica na Província da Imaculada, e o Ministro Provincial da Imaculada, Frei Fidêncio Vanboemmel.
O guardião do tricentenário convento do Largo São Francisco, Frei Luiz Aquino, deu as boas vindas à família franciscana e aos fiéis. No 1º dia de outubro, mês dedicado às missões, teve início o Tríduo da Festa de São Francisco. Neste ano, como explicou o comentarista Frei Alvaci Mendes da Luz, um dos frades que está à frente das festividades, o tema geral é: “Vai Francisco e reconstrói a minha igreja” e o tema do dia foi “Francisco e a sociedade”.
Partindo da leitura da “Carta aos Fiéis” de São Francisco e do Evangelho, Frei Gílson foi claro ao abordar o tema geral e o do dia. “Francisco começa a reconstruir a ermida do seu próprio coração e, a partir da reconstrução da sua interioridade, dos seus valores, da sua visão, da sua relação com Deus, ele também, como perfume de bom odor que se espalha, vai reconstruindo na ternura, no vigor, na força do Evangelho, a Igreja do Senhor”, explicou o pregador.
O caminho é um só, segundo o pregador: “Para o seu mundo e para o mundo de hoje, essa reconstrução significa voltar à origem de tudo. Reconhecermo-nos criaturas e submetermo-nos à vontade de Deus, não como senhores e opressores do mundo, mas como parte integrante de uma imensa vida que nos foi dada por Deus”.
“Colocar Deus em primeiro lugar e voltar o olhar do coração para o coração da Trindade”, ensinou Frei Gílson. Depois, colocar o ser humano no seu lugar como nos tem insistido o Papa Francisco e já o Papa emérito Bento XVI ao falar da “ecologia humana”. “O ser humano está no coração da criação de Deus. É a imagem e semelhança de Deus e nós somos todos irmãos e irmãs e não podemos assistir a esse espetáculo horrendo de guerras infindas, de gente sendo arrancada de sua terra, de sua pátria, de centenas de milhares de mulheres, crianças e idosos morrendo, de refugiados fazendo travessias em condições sub-humanas porque nos esquecemos de Deus, porque o nosso tempo se esqueceu de Deus”, lamentou.
“Nós perdemos a capacidade de reconhecer no olhar e no rosto de nossos semelhantes a imagem de Deus. As pessoas se tornaram números. Importam enquanto contribuem para um sistema político e econômico, enquanto dão lucro, enquanto servem ao deus do capital, à idolatria do dinheiro. Esqueceu-se da dignidade da pessoa humana, da sacralidade da vida”, lamentou.
Frei Gílson insistiu: “Nós somos irmãos. Basta de indiferença! Chega de morte, chega de exploração, chega de tratar a vida humana com descaso! Chega desta cultura de morte, de extermínio, de desvalorização da vida”, pediu.
“Precisamos, como irmãos, reconstruir em nós a confiança e o abandono à vontade em Deus. Reconstruir a nossa fé e, a partir dela, da alegria de viver, reconstruir nossas relações, com esta nossa casa, com este planeta. Desarmarmo-nos nossos corações, tornarmo-nos também, homens e mulheres de paz”, conclamou.
No meio de tantas ruínas, de tanta indiferença, existe um olhar de esperança, um olhar de amor, um olhar de ternura, segundo Frei Gílson. “Somos chamados a reconstruir a vida, somos chamados a reconstruir, no amor e na piedade, a Igreja do Senhor. Somos chamados a cuidar”, disse o pregador, lembrando o protagonismo dos franciscanos.
Segundo o Provincial dos Conventuais, o mundo de hoje precisa do Evangelho vivido, repaginado, reconfigurado, anunciado, em atitudes de misericórdia e perdão. “Sejamos homens e mulheres que aprendem a cuidar da vida em todas as suas manifestações. Sejamos homens sóbrios, capazes de viver com o necessário. Sejamos homens e mulheres capazes da cortesia”, convocou, dizendo que precisamos reaprender com Francisco a cortesia.
“O que é um olhar cortês?”, perguntou. “É um olhar que vê no outro a epifania, a manifestação de Deus. É um olhar que não vê só os recursos a serem explorados na criação, mas a obra estupenda e misericordiosa do Deus, que é onipotente, onipresente, onisciente e se faz servo. Nenhum atributo é maior do que o amor, sobretudo a misericórdia de Deus. Um olhar cortês que, também no mistério da Santíssima Eucaristia, no mistério do Cristo Pobre na Cruz, do Cristo Pobre no Presépio, aprende a ter um coração pobre. Vamos começar, vamos reconstruir em nós uma morada para o Senhor. Vamos proclamar a esse mundo que a última palavra não pode ser a guerra, o ódio, a indiferença, o massacre de vidas inocentes. Vamos reconstruir, vamos permitir que Deus reconstrua em nós sua morada e nós sejamos reconstrutores Nele e por Ele”, concluiu.
A bênção final da celebração foi dada no corredor do Convento, onde o Ministro Provincial, Frei Fidêncio Vanboemmel, abriu a Exposição dos 25 anos da presença franciscana em Angola. Na presença dos frades angolanos, Frei João Alberto Bunga e Frei Ermelindo Bambi, o Ministro Provincial fez uma pequena síntese do início da Missão, quando os primeiros frades missionários encontraram um país em guerra, e falou com alegria da celebração deste domingo em Luanda, onde o povo angolano deu uma grande demonstração de fé e esperança. Os frades angolanos, com Frei Odorico Decker tocando a gaita, cantaram “Mamma Muxima” no final da bênção.