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Frei Pedro Caron: doze anos em Angola

05/01/2015

Entrevistas

Frei Jeâ Paulo Andrade

Natural de Água Doce, em Santa Catarina, Frei Pedro Caron nasceu no dia 6 de agosto de 1942 e vestiu o hábito franciscano no dia 19 de dezembro de 1964. No dia 13 de dezembro de 1970 era ordenado presbítero. No dia 24 de setembro de 1990, iniciava a sua primeira experiência missionária ao viajar para Luanda, em Angola, onde chegou no dia 25. Nesta entrevista, Frei Pedro fala deste tempo em terras angolanas.

angola-02Site Franciscanos – Como foi a chegada e o início do trabalho missionário?

Frei Pedro Caron – Minha chegada em Angola foi em tempo de guerra civil. Se não me engano aos 24 de setembro de 1990, pela manhã. Do aeroporto fomos à sede da CEAST (Conferência Episcopal de Angola e São Tomé e Príncipe). Mal chegamos e a polícia apareceu exigindo a máquina fotográfica, uma vez que havia sido fotografado no aeroporto. Logo vimos que era tempo de guerra mesmo. O bispo Dom Eugênio Salessu, que nos acolhera, intercedeu por nós. Ficamos com a máquina, mas perdemos o filme. No mesmo dia conseguimos partir para Malange, nosso destino missionário, mais ou menos uns 400 km da capital Luanda. Chegamos em Malange de avião e algumas senhoras nos acolheram (parece que não esperavam a chegada tão cedo). O pároco angolano da Katepa não estava ali na ocasião. Fomos bem recebidos, aos poucos ia surgindo cada vez mais gente, também vieram as irmãs franciscanas que lá tinham morada. No início das atividades algumas questões se apresentaram:

  1. A orientação que tínhamos era de ser “presença” franciscana sem assumir paróquia. Porém, na primeira assembleia diocesana que participamos Dom Eugênio falou: “Não sabemos ainda a que vieram frades”.
  2. Foi nos dada uma área do tamanho de uma diocese. Nos deram uma missão (interior) muito extensa com muitas aldeias. As estradas eram precárias e minadas. Muitas dificuldades devido ao clima de guerra. O trabalho missionário era de acolher bem o povo (alegre e festivo) no meio da penúria. Levar paz era a meta.
  3. Éramos três frades: Frei Plínio (irmão), Frei José Zanchet e eu. Um grande desafio foi eu ser “quase imposto” como pároco e guardião. Depois vieram dois frades gaúchos para se juntar a nós, nos primeiros meses da nossa estadia. Eu sentia muito a pressão para a ação pastoral. Chegou a um ponto que eu não suportei e renunciei! Assumiu o meu lugar Frei Evaldo Melz, da Província gaúcha. Não houve votação. Estive na missão por doze anos e meio, em três períodos.

Site Franciscanos – Como surgiu a possibilidade de fazer parte desse primeiro grupo?

Frei Pedro – Talvez porque eu rezava muito pela evangelização dos povos, pela união dos cristãos. Foi numa conversa com Frei Estêvão Ottembreit, então ministro provincial, sobre missão ad gentes. O Frei me desafiou: você não quer ir para a missão? (Guiné Bissau era a primeira proposta). Eu falava da China. Admirava o país, mas o problema era a língua. Diante do desafio fui rápido no pensamento e disse: “Topo”! Mais tarde, Frei Estêvão me falou que eu havia sido o primeiro a se apresentar e que a missão seria em Angola.

01Site Franciscanos – Quais os desafios que enfrentou na Missão?

Frei Pedro – O povo é acolhedor. Recebiam-nos sempre bem nas visitas às aldeias (nos viam quase como “anjos”).  Mas tínhamos o desafio de não desanimar no meio de toda a situação que o povo vivia. Era preciso espírito de sacrifício, para suportar as necessidades, fome, pobreza e insegurança. Precisávamos estar com o povo, dando-lhe segurança com a nossa presença, alimentando nele a fé, a busca da paz, da reconciliação. Era preciso acreditar no fermento do Reino de Deus dentro de sua cultura. Exigia dos frades missionários uma paciência “histórica”.

Site Franciscanos – Quais os aprendizados e experiências vividas na missão que mais o marcaram?

Frei Pedro – Aprendi a virtude da paciência, da alegria, a valorizar o canto, a dança, a família “alargada”, os símbolos religiosos. Foi muito positiva a comunhão com os mais sofridos (visitar os doentes, idosos, os lascados da vida). Merecer a confiança das pessoas. No último período que estive em Angola (Palanka), pude ouvir muita gente, pois vinham buscar orientação sobre tudo: problemas pessoais, familiares, tribais, opinião sobre negócios. Procurava dar a melhor mensagem à luz do Evangelho. Duas experiências marcaram. Numa ocasião em Kibala Frei José Zanchet, eu e mais alguns homens fomos enterrar cadáveres que jaziam ao sol numa espécie de rotatória de carros, junta à vila. Estavam aí insepultos há duas semanas devido um confronto de guerra civil. Eram quatro defuntos. Foi uma experiência de fé. Eu propus que fizéssemos essa obra de misericórdia, era um domingo. Quando estava em Malange, durante a guerra, tivemos a oportunidade de voltar para casa com passagem paga pelo governo brasileiro. Nós, frades, nos reunimos e decidimos continuar junto do povo.

Site Franciscanos – Que mensagem você deixaria para quem quer ser missionário em Angola?

Frei Pedro – Que acredite de verdade no Cristo. Que viva a espiritualidade de São Francisco que é igualmente evangélica. Que seja simples. Que saiba acolher as pessoas, ouvindo-as quando o procuram. Seja frade menor!