Dom Paulo Evaristo Arns presente!
13/09/2021
O Senado Federal dedicou nesta segunda-feira (13/9), às 10 horas, uma sessão solene para celebrar o Centenário de Nascimento de Dom Paulo Evaristo Arns, frade franciscano e Cardeal da Arquidiocese de São Paulo. A homenagem foi sugerida pelo senador Flávio Arns, sobrinho do religioso.
A sessão teve a condução do senador Izalci Lucas, que destacou a importância de celebrar Dom Paulo, “um dos mais honrados homens que este país já viu”. Segundo ele, independente da fé religiosa de qualquer um dos presentes, D. Evaristo é “uma daquelas pessoas que nos servem como guia espiritual e moral. É um exemplo com o qual podemos nos tornar seres humanos melhores, mais decentes, mais corretos”, acrescentou.
“Se o Brasil tivesse tido uma vida política mais tranquila, talvez ele não tivesse transformado em um nome conhecido de todos nós. Todavia, é nos momentos de maior escuridão que os homens, como foi o caso de D. Evaristo, trazem à tona aquela chama de grandeza, de decência e dignidade que têm dentro de si. E foi isso que fez com que D. Evaristo se tornasse um nome conhecido de todos nós”, acredita o senador Izalci.
No início da década de 70, o Brasil vivia um dos seus piores momentos. “Na superfície, era o Brasil ‘um país que vai pra frente’; nos subterrâneos eram cárceres da ditadura em que se torturavam e assassinavam brasileiros. Foi justamente em outubro de 1970, no auge do terror da ditadura, que Dom Paulo se tornou arcebispo metropolitano de São Paulo. Foi na Catedral da Sé, em 1975, juntamente com o reverendo Jaime Wright e o rabino Henry Sobel que ele celebrou o culto ecumênico em memória do jornalista Wladimir Herzog, torturado e assassinado pela ditadura. Acompanhado por 8 mil brasileiros, foi um evento marcante em nossa história e marco decisivo para se pôr fim à ditadura. Anos depois, junto com o reverendo Wright foi um dos coordenadores do projeto ‘Brasil Nunca Mais’, um retrato terrível, mas necessário dos porões da ditadura militar do Brasil”, recordou o senador.
NO DIA DA SANTA CRUZ
O Ministro Provincial, Frei Fidêncio Vanboemmel, representou a Província da Imaculada Conceição do Brasil, a entidade que acolheu D. Paulo quando ele decidiu seguir os passos de São Francisco de Assis. Segundo Frei Fidêncio, D. Paulo foi um privilegiado porque nasceu no dia em que a Igreja celebra a Exaltação da Santa Cruz. “A cruz que, de um lado, pode representar um instrumento de suplício, de dor, de morte, de sofrimento, também é a mesma cruz que se torna para todos nós sinal de esperança, de vida, de ressurreição”, recordou o frade.
“Eu quero crer que D. Paulo, desde o seu nascimento até a sua morte, abraçou a cruz como fiel discípulo do Evangelho. ‘Quem quiser vir após mim, renuncie a si mesmo, tome a minha cruz e me siga’. E creio que D. Paulo, seja como frade menor, seja como membro de sua família que ele tanto amava, ou como bispo, pastor desta grande Arquidiocese de São Paulo, referência para toda a Igreja do Brasil, mais do que nunca abraçou essa cruz do Nosso Senhor Jesus Cristo. E D. Paulo, para nós, frades menores da Província Franciscana da Imaculada Conceição, como para toda a Ordem Franciscana, foi um referencial muito importante, significativo, do cuidado para com os pobres de Deus, para com as pessoas mais fragilizadas”, explicou Frei Fidêncio.
Frei Fidêncio destacou o educador e formador na Província antes de ser nomeado bispo. Como franciscano, lembrou que D. Paulo gostava muito do hino “Senhor fazei de mim um instrumento de vossa paz”. “Essa paz, na verdade, passa muitas vezes por realidades de cruz e cruzes, sobretudo as cruzes na vida do povo de Deus. Então, D. Paulo, para nós frades, foi de fato esse formador, esse educador, estimulador para que nós, com a Igreja de Deus, com o povo sofrido, pudéssemos ser mais do que nunca instrumentos da paz e do bem. Então, louvamos e agradecemos a Deus por essa figura extraordinária, agradecemos a família representada na pessoa do senador Flávio Arns e do Nélson Arns, agradecemos esse irmão necessário que Deus nos deu, mas o irmão também dado para a Igreja e para o nosso povo brasileiro. Que D. Paulo interceda pelo nosso país nesse momento tão delicado, tão difícil, que nós atravessamos”, pediu Frei Fidêncio.
Flávio Arns ressaltou que a história e o legado de D. Paulo merecem nosso reconhecimento e valorização, principalmente por sua caminhada de vida em favor do ser humano, da cidadania, dos mais vulneráveis e por sua incansável luta em defesa da democracia.
“Gostaria de trazer para este momento de homenagens e exaltação, uma reflexão sobre o significado da vida de D. Paulo e o Brasil que vivemos hoje. D. Paulo teve sua vida e seu trabalho baseados no lema que adotou para a vida religiosa: ‘De esperança em esperança’. Esse lema foi materializado em suas ações, que o tornaram conhecido por todos como o ‘Cardeal da Esperança’. D. Paulo acreditava que, mesmo como todos os males presentes no mundo, por meio das ações humanas, somos chamados a caminhar de esperança em esperança. Esse cidadão do céu e da terra, pastor e profeta, de inquebrantável força moral, tinha no trato com cada pessoa a confirmação do profundo respeito pelo ser humano e pela sua dignidade. Pela sua palavra e pela sua ação, D. Paulo se tornou agente de vida e vida plena para todos, em especial aos pequenos e esquecidos”, homenageou o sobrinho de D. Paulo.
AS ESPERANÇAS DE D. PAULO
Dom Odilo Pedro Scherer, arcebispo Metropolitano de São Paulo, lembrou que o lema de D. Paulo – “de esperança em esperança” – é inspirado na Palavra de Deus e serviu de orientação para a sua vida e ação episcopal.
“As esperanças de Dom Paulo para o povo e para a Igreja continuam a ser também as nossas esperanças. Ele queria uma Igreja povo de Deus onde todos tivessem o seu lugar, participassem da missão, do testemunho, do Evangelho, lutando pela justiça, pela dignidade de todos. Ele queria uma sociedade livre, respeitosa, justa, livre de violências, livre de perseguições políticas, respeitosa da diversidade de opiniões e posições políticas. Queria D. Paulo a superação das grandes desigualdades, injustiças sociais e econômicas do Brasil e do mundo. Ele sonhava com a cidade sem nenhum abandonado nas periferias, ruas e praças. Esperava que todos tivessem trabalho digno, saúde e moradia. Esperava que o convívio urbano fosse sem violência e todos pudessem viver em paz e em harmonia nessa casa comum”, observou D. Odilo.
“Nós perguntamos hoje se as esperanças de D. Paulo já foram realizadas ou continuam em aberto. Lembrar o centenário de D. Paulo é para todos nós, certamente, o momento de lembrar que suas esperanças são nossas esperanças e que sua luta é também a nossa luta e a luta de toda a sociedade brasileira. Portanto, recordar Dom Paulo é tornar para nós motivo de um novo empenho, de um novo compromisso, para construir um Brasil melhor. E para nós, como um homem de Igreja, que seja motivo para edificar a Igreja voltada para a pessoa humana, o bem comum, voltada para os valores do Evangelho que fazem muito bem à sociedade”, completou o arcebispo.
Representando a Conferência dos Bispos do Brasil (CNBB), o secretário D. Joel Portella Amado falou em nome de todos os bispos do Brasil. “D. Paulo foi um homem de fé. O fundamento da sua vida, a razão da sua missão, como já lembrado aqui, era Jesus Cristo. O Deus feito homem. Homem simples e solícito de Nazaré, tal qual D. Paulo no caminho de São Francisco de Assis se empenhou em se configurar a cada dia”, observou.
“No tempo do regime de exceção, D. Paulo primou sempre pela unidade e pela colegialidade, tratando todas as pessoas com respeito, particularmente quem pensava diferente dele. As diversas celebrações sobre o seu Centenário servem para refletirmos sobre o exemplo de alguém que soube viver na diversidade, mantendo, porém, a unidade e o respeito”, apontou.
Segundo ele, durante os “penosos anos do regime de exceção” vividos no Brasil, D. Paulo demonstrou com sua própria vida que a virtude da fé é inseparável da esperança e se concretiza na caridade e na solidariedade. “Com fé em Deus e esperança num Brasil que viraria a sua página, D. Paulo exerceu a caridade e se tornou, assim, ícone da defesa dos desemparados e perseguidos. As memórias relatadas em diversas fontes, dentro e fora do Brasil, nos autoriza a dizer que muitos engajados na luta contra a tortura e o restabelecimento da democracia devem suas vidas a esse incansável defensor dos mais fragilizados”, acredita D. Joel.
“Dom Paulo nos ensinou a beleza e a firmeza da esperança traduzida em solidariedade, deixando-nos a lição de que somente assim, efetivamente, superaremos o que, nas mais diversas situações da vida, nos parece insuperável. Para além das nossas diferenças, nós somos seres de esperança, e a esperança é chamada a se concretizar em atitudes de solidariedade. O testemunho de D. Paulo se torna para nós um legado que devemos acolher e levar adiante. E que Deus nos dê contínuas forças para, em nossos dias, trabalharmos pelos mesmos ideais de vida, de paz, de justiça social, de democracia, de direitos humanos, que marcaram a vida de D. Paulo”, completou D. Joel.
NECESSIDADE DA VOZ DE D. PAULO
O senador Pedro Simon fez um depoimento emotivo. “Sinceramente, na minha longa vida política, nos meus 90 anos que tenho hoje, a figura de Dom Paulo sempre me emocionou. Sempre olhava com carinho e admiração sua capacidade, a garra, competência, a luta destemida que fez num dos momentos mais difíceis do nosso Brasil e que, não tenho nenhuma dúvida, com grande liderança representou os humildes e os sofredores abandonados na luta da existência”, ressaltou.
Para o senador, D. Paulo é um símbolo e uma das principais lideranças do país. “Ele sofreu perseguições, sofreu porque cada dia buscava uma fonte nova de luta e de trabalho. Ele foi o homem que todos nós, de uma forma ou de outra, não aceitávamos aquela imposição de uma ditadura brutal. Mas tínhamos confiança no Brasil do futuro, no Brasil da fé, da democracia. D. Paulo foi o grande nome”, reforçou.
E Pedro Simon deu uma pista para esse momento político turbulento. “Estamos vivendo uma das horas mais difíceis e dramáticas da vida brasileira. Não temos tortura, temos democracia, mas estamos numa confusão. Seria bom e necessário que alguém com a voz de D. Paulo falasse a todos nós, a todos nós que radicalizamos como donos da verdade, mas que não apresentamos uma palavra de orientação nessa hora que estamos vivendo. Seria necessário realmente que nós tivéssemos a humildade de nos darmos a mão. Aqueles que querem realmente mudar, salvar o nosso Brasil, neste momento, ao invés de radicalizar”, sugeriu.
“Meu carinho e minha admiração a esta sessão. Que D. Paulo, nesses 100 anos que festejamos, seja, e ele deverá ser, para nós uma orientação, um caminho, um guia, uma voz que nos encoraje em avançar. Vamos adiante!”, motivou.
O senador Antonio Anastasia elogiou a “brilhante iniciativa” pela homenagem do Centenário de Nascimento do iminente Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns. “Minha palavra é de um abraço dos mineiros, do meu estado de Minas Gerais, do apreço imenso que temos pela memória do Cardeal Arns. De fato, pelo seu empenho e pelo seu desenvolvimento nos trabalhos e, sobretudo, pelo exemplo que ele legou a tantos e tantas pessoas do Brasil e pelo mundo afora. O momento do Brasil é um momento de pacificação. Nós precisamos nos inspirar nesses exemplos como foi de D. Paulo, exatamente com o objetivo de superarmos esses conflitos, essas contradições. Esse momento de acirramento, infelizmente, agora mais agravado por essa terrível pandemia. Se D. Paulo estivesse entre nós, tenho certeza teria sempre uma palavra de equilíbrio, uma palavra de concórdia, uma palavra de pacificação para superarmos esses momentos”, avaliou Anastasia.
Nelson Arns, coordenador internacional da Pastoral da Criança, é filho de Zilda Arns e recorda quando D. Paulo incentivou sua mãe a criar a Pastoral da Criança. Alguns exemplos ficaram marcados na sua memória. Segundo ele, chamou-lhe muito a atenção uma vez quando sua mãe se queixou de um abaixo-assinado contra a Pastoral. “Ela estava chateada e desabafou para o irmão. Ele olhou bem nos olhos e disse: ‘Zilda, se você não tiver oposição, crie. Ninguém é capaz de fazer um bom governo sem ter a oposição’. A gente precisa desses alertas para manter no caminho”, ensinou.
Nélson lembrou que como criança foi com D. Paulo num Congresso da UNE clandestino em plena ditadura matando e perseguindo. “Ele nunca abandonou a sua convicção, nunca deixou de respeitar a oposição. Mas disse a cada um de nós que devíamos fazer a diferença. A despedida dele era sempre assim: ‘Coragem, vamos em frente!’ Vamos também nós mudar o Brasil que tanto amamos!”, pediu o filho de Zilda Ars.
ECUMENISMO
pAnita Sue Wright, vice-Presidente do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil, lembrou que sua experiência eclesiástica vem de berço, já que é filha de pastor – aliás, filha-caçula do reverendo Jaime Wright, nome conhecido por todos que lutaram contra a Ditadura Militar no Brasil, já que foi um dos líderes mais destacados a combater as violações de Direitos Humanos por parte do Estado brasileiro.
“E foi a defesa da vida e dos direitos humanos que uniu D. Paulo e o Reverendo Jaime Wright. A amizade cresceu e se transformou em parceria de trabalho. E o pastor presbiteriano ganhou uma sala de trabalho ao lado de Dom Paulo na Arquidiocese de S. Paulo. Reverendo Jaime e D. Paulo eram como colunas que guiavam o povo hebreu no deserto”, elogia Anita, recordando que esse espírito ecumênico foi fundamental para a celebração ecumênica em memória do jornalista Wladimir Herzog, morto em 1975, e a concepção do projeto “Brasil Nunca Mais”.
O senador Humberto Costa descreveu D. Paulo como um dos símbolos da resistência e da esperança em nosso país. “Reconhecido mundialmente por sua atuação para garantir os direitos civis e humanos, D. Paulo destacou-se por seu trabalho voltado para os mais pobres, para os trabalhadores, para a formação das Comunidades Eclesiais de Base e, sobretudo, a defesa e promoção dos direitos da pessoa humana”, detalhou.
“A ditadura militar jamais o enfraqueceu, jamais dobrou Dom Paulo. Pelo contrário, esse período nefasto mostrou o quão forte era esse homem”, enfatizou.
“Dom Paulo sempre militou ao lado daqueles que apostaram na esperança, ao lado daqueles que escolheram dar voz aqueles que sempre foram silenciados pelo Estado, pelos tiranos e nunca tiveram verdadeiro projeto de país. Dom Paulo sempre gritou pelos excluídos”, acrescentou o senador Humberto.
LIÇÕES DE D. PAULO
“Essa sessão, senador Flávio Arns, é importante para que também possamos lembrar as lições de D. Paulo para não cometermos hoje os erros que outrora cometemos. Para lembrar o quanto foi difícil chegar até aqui e pelo que temos de lutar diariamente, seja aqui no Parlamento seja nas ruas. Dom Paulo segue vivo e cada vez mais presente na nossa história. Falar de D. Paulo e falar do Brasil do passado e o Brasil atual, já que as atrocidades e os desrespeitos aos direitos humanos que outrora sangraram o nosso país estão novamente escancarados diante de nossos olhos. Mas estamos cada vez mais fortes e essa força vem de todos os ensinamentos deixados por D. Paulo Evaristo Arns”, acredita Humberto. “De esperança em esperança, Dom Paulo Evaristo Arns presente!”
O senador Marcelo Castro disse que só pelo seu trabalho acadêmico, D. Paulo já seria digno de nossos aplausos, porém certas pessoas, ao que parece, “já vêm ao mundo com uma missão especial, designada por Deus. E foi justamente quando se tornou Arcebispo, no período mais difícil do nosso país, que o nosso homenageado abraçou a grande missão neste mundo”, recordou.
Segundo ele, poucos brasileiros fizeram um trabalho tão revolucionário em defesa da dignidade humana. “Dom Paulo Evaristo Arns tem e sempre terá um papel de destaque na história brasileira. É um dos principais símbolos do combate à ditadura militar, defensor do restabelecimento da democracia, e das diretas-já”, completou.
Pe. Júlio Lancelotti, que conheceu de perto D. Paulo no Vicariato da População em situação de Rua, frisou que esta celebração dos 100 anos é compromisso: “Não é simplesmente fazer uma celebração, uma memória, mas um compromisso de continuarmos a luta por essas esperanças, a luta pelos direitos humanos, a luta pela dignidade da vida, a luta pelos pobres, pelos esquecidos, pelos abandonados. Uma luta de compromisso e transformação. E este momento que cabe a nós viver é de alimentar a esperança sem criarmos conflitos, mas enfrentando os conflitos que são postos, os conflitos que estão presentes”.
O Ano Jubilar tem início nesta terça-feira, às 10 horas, com a Missa Solene na Catedral da Sé.