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Paulo Pedrini: “Duas palavras poderiam definir Dom Paulo: coragem e esperança”

06/09/2021

Entrevistas

                                                                                                               Foto de Rafael Stedile (Expressão Popular)

A Igreja do Brasil e a Família Franciscana têm, em setembro, um mês muito especial. No próximo dia 14 de setembro terá início o Ano Jubilar do Centenário de Nascimento de Dom Paulo Evaristo Arns, frade franciscano, Arcebispo de São Paulo, intelectual, ele que nasceu na cidade de Forquilhinha, no Sul de Santa Catarina, no dia 14 de setembro de 1921.

 Para falar deste importante momento celebrativo, Frei Gustavo Medella, Vigário Provincial e Secretário de Evangelização da Província da Imaculada, entrevistou para o Programa “Manhã Franciscana” o professor de História e Sociologia, Paulo Pedrini, coordenador da Pastoral Operária da Arquidiocese de São Paulo e militante dos direitos humanos.

 Pedrini nasceu no dia 25 de novembro de 1966 na capital paulista, no bairro de Vila Maria. Professor de História formado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo leciona, atualmente, junto à rede de ensino estadual e municipal do Estado. No âmbito de sua militância, atua junto ao movimento sindical como conselheiro do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) e do Sindicato dos Profissionais em Educação do Ensino Municipal de São Paulo (Sinpeem).  Em 2018, realizou a curadoria da exposição “Ocupação Dom Paulo Evaristo Arns, no Centro Cultural dos Correios de São Paulo.

 Acompanhe a entrevista!

Manhã Franciscana – Paulo, seu xará foi frade franciscano, bispo, escritor, professor, intelectual, profeta, ativista e muitas outras atividades poderíamos atribuir a ele. Entre todas essas faces do mesmo Dom Paulo, qual é a que mais o impressiona?

Paulo – Olha, frei, como você disse, Dom Paulo foi um grande pensador, um grande intelectual. Agora, ele teve uma capacidade ao mesmo tempo de transformar toda aquela erudição. D. Paulo falava sete idiomas, ele lia os originais, não gostava de ler traduções, a maioria das obras ele lia dos originais; foi professor de Literatura Clássica, de grego e, ao mesmo tempo, era impressionante a capacidade que ele tinha de comunicar para o povo mais simples, porque esse é o desafio. Às vezes, a gente tem uma pessoa com um conhecimento imenso, mas que não tem aquele poder de transmitir a sua mensagem com tanta efetividade. E a mensagem de Dom Paulo não só chegava às mentes, mas sobretudo aos corações. Então, acho que é um traço fundamental e, eu diria, um aspecto marcante também, além desse falar de forma popular, seria a característica da abertura. Dom Paulo era uma pessoa de mente aberta. Sempre disposta a rever conceitos, a ouvir as pessoas, a repensar, a não ter opinião fechada sobre nada. Ele era um homem da escuta. Então, ele tinha uma mente aberta, os braços abertos, o sorriso aberto e, sobretudo, o coração aberto, para amar os mais pobres, como o seu mestre Francisco de Assis.

Manhã Franciscana – E como você, Paulo Pedrini, conheceu Dom Paulo Evaristo Arns?

 Paulo – Primeiro, digamos assim, eu comecei a ter a consciência social despertada sobretudo na Igreja. Então, em grupo de jovens, inicialmente na paróquia, depois nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Eu me lembro de um encontro estadual das CEBs em que a gente fazia uma experiência: parte do dia, a gente optava por conhecer pastorais e naquele dia fui parar na Pastoral Operária (PO) e de lá nunca mais sai. Depois do encontro procurei saber mais, comecei a participar e estou lá desde esse período. Isso foi em meados dos anos 80. Agora, eu diria que a partir daí, principalmente quando eu comecei uma caminhada mais contínua na PO, os encontros com Dom Paulo foram mais frequentes e uma característica que marcava muito é que quando chegava a celebração do 1º de Maio, a gente tinha a tarefa de preparar a Missa. Mas a gente levava a ele para saber a sua opinião, mas ele deixava a gente muito à vontade. Olha que coisa incrível, frei: Ele dizia para a gente: ‘O que vocês querem que eu diga?’ Por que isso? Ele dizia para a gente: ‘Vocês é que vivenciam a realidade no mundo trabalho, então nada mais justo que eu expresse aquilo de fato que está acontecendo. Então, vocês podem me subsidiar de maneira muito mais efetiva’. E creio que muito mais pela generosidade dele do que por méritos meus, mas a gente foi se aproximando mais e mais, a ponto de eu ter a honra, em algumas ocasiões, de representá-lo em algumas atividades. Ou seja, o representante pessoal de Dom Paulo. É claro que isso é uma honra que não dá nem para expressar. Mas isso mostra muito bem o que era Dom Paulo: quando ele confiava em alguém, ele confiava de forma integral. Só um coração tão generoso como o dele para ter um gesto tão lindo, tão sublime!

Manhã Franciscana – Você diria que Dom Paulo foi um homem à frente do seu tempo? E por quê?

 Paulo – Não tenho a menor dúvida. Eu vou tentar trazer alguns fatos porque nos auxiliam na reflexão. 1973: Dom Paulo é nomeado Cardeal Arcebispo. Ele já era Arcebispo desde 70 e, em 73, ele recebe o título de Cardeal. Logo depois de se tornar Cardeal, ele teve a decisão corajosa de vender o Palácio Episcopal, que era suntuoso, mas que ele achava que não tinha menor cabimento o Arcebispo morar num palacete enquanto a maioria da população lutava, grande parte dela, para ter a sua própria moradia. E o que ele faz? Ele vende o Palácio Episcopal e o dinheiro é revertido na compra de cerca mil terrenos por toda a periferia da cidade, onde o povo, muitas vezes, em mutirão se organizou para construir centros comunitários, onde a população pudesse se reunir, debater e discutir seus problemas e buscar soluções para eles. A gente lembra que era início dos anos 70 e muitos lugares da periferia não tinham base, às vezes não tinham nem rede de esgoto, não tinham saneamento básico, energia elétrica, posto de saúde, escola, iluminação pública. Isso ficou conhecido como “Operação Periferia”. 1975: O assassinato do jornalista Wladimir Herzog, que Dom Paulo denuncia junto com o reverendo Jaime Wright e o rabino Henry Sobel e, na Catedral da Sé, é realizada a primeira celebração ecumênica do Brasil em memória ao Wlado Herzog. Outro divisor de águas: Depois ele nomeia como reitora Nadir Gouvêa Kfouri. Pela primeira vez uma mulher no mundo é nomeada reitora de uma Universidade Pontifícia. Outro paradigma quebrado: As assembleias da Arquidiocese definiam as prioridades de evangelização, as prioridades onde o trabalho teria que ser mais intensificado, de forma democrática. Toda a Arquidiocese. Não havia diferença entre padres e leigos. Todos eram chamados para decidir conjuntamente as prioridades da Arquidiocese. Então, Dom Paulo foi muito além do seu tempo. Muito, muito! Um homem de uma extrema visão. Com certeza também não adiantaria só a visão, sobretudo de um grande coração.

Manhã Franciscana – Paulo, que mensagem e provocação a celebração dos 100 anos de nascimento de Dom Paulo Evaristo pode trazer à Igreja do Brasil?

 Paulo – Primeiro eu diria que tem duas palavras que poderiam definir Dom Paulo: coragem e esperança. Certa vez, conversando com Dom Pedro Casaldáliga, ele me disse o seguinte: Dom Paulo era o profeta. Um profeta perfeito, porque o profeta perfeito tem que ter três dimensões: aquele que anuncia, aquele que denuncia e aquele que conforta. Dom Paulo não se calou nunca, sobretudo nos tempos mais difíceis da história do nosso país. Muitas vezes, para defender a vida de outras pessoas e centenas de pessoas já ouvi testemunhos assim: ‘Se eu sobrevivi àquele período foi graças à ação de Dom Paulo’. Ele não se calou mesmo sendo ameaçado muitas vezes. E não foram poucas as ameaças contra ele. Ao mesmo tempo, ele anunciava constantemente a necessidade de a gente buscar uma sociedade mais justa, fraterna, solidária e igualitária. E também ele tinha uma grande preocupação no que se refere ao conforto. Se a gente lembrar as famílias das vítimas da ditadura, vamos ver que muitas dessas famílias não tiveram a oportunidade de dar uma sepultura para seus familiares e Dom Paulo sempre permaneceu do lado dessas pessoas, sempre! E do povo mais simples, do povo mais pobre. Então, diria que isso, no momento onde a gente vê avançar constantemente os ataques aos direitos da classe trabalhadora sendo retirados, o aumento do desemprego, da fome, da miséria, é escandaloso saber – dias atrás saiu uma matéria – que 1% da população controla cerca de 50% das riquezas do Brasil. Isso é aviltante. Jesus se conformaria com isso? Será que ele se conformaria ou ele denunciaria? Então, acho que a grande lição que Dom Paulo nos deixa é que não podemos nos omitir diante dessa realidade. O nosso compromisso – tem uma canção que eu gosto muito que diz que ‘Comungar é tornar-se um perigo/ Viemos pra incomodar’. É isso! É impossível a gente botar a cabeça no travesseiro e conviver com essa realidade. Então, cabe a nós cristãos e a nós, todos cidadãos, independente de credo religioso, lutarmos para reverter essa situação tão injusta que a gente vive e continuar defendendo a democracia, os direitos humanos, as liberdades, os direitos fundamentais para qualquer sociedade.

 Manhã Franciscana – E, para celebrar esta data, os cem anos de nascimento de Dom Paulo, a Arquidiocese e outros tantos grupos e organismos se organizaram para promover o Ano Jubilar do centenário de Nascimento de Dom Paulo Evaristo. Gostaria que você falasse um pouquinho dessa iniciativa e dissesse assim, de maneira mais ampla, mais geral, algumas atividades que estariam previstas para este ano, que começa justamente no dia 14 de setembro deste ano, dia da Exaltação da Santa Cruz. 

 Paulo – Então, Frei Gustavo, a gente já vem realizando atividades praticamente desde o mês de maio. Algumas lives, pegando aspectos facetas de Dom Paulo. Então, a gente fez o Cardeal dos Operários, o Cardeal da Periferia, o Cardeal da Resistência, o Cardeal dos Direitos Humanos e agora, no mês de setembro, isso vai se intensificar de maneira muito grande. No dia 13, a PUC estará fazendo uma série de atividades também relacionadas não só ao centenário de Dom Paulo, mas ao centenário do grande educador Paulo Freire, que também nasceu cinco dias depois de Dom Paulo, no dia 19 de setembro. E no dia 13, às 10 horas, haverá uma sessão solene no Senado Federal, cujo tema é homenagem ao Centenário de Dom Paulo. No mesmo dia, às 14 horas, a Câmara Federal fará o mesmo. No dia 14, às 10 horas, haverá a celebração na Catedral da Sé, presidida pelo Cardeal D. Odilo Scherer e, às 19 horas, a celebração do Prêmio Dois Paulos. Pensamos em fazer presencial no TUCA, mas ainda pelos cuidados com relação à pandemia, a gente vai ter que fazer de forma virtual, mas faremos uma grande noite de homenagens a 100 pessoas, entidades e organismos, simbolizando o centenário. E, no dia 20, às 14 horas, também uma sessão solene está programada para a Câmara Municipal de São Paulo. Estamos ainda fechando a data, mas com certeza faremos o mesmo na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. E também uma atividade que estamos fazendo é a produção de um filme, um documentário, chamado: “Dois Paulos na Pauliceia”, homenageando D. Paulo Evaristo Arns e grande educador Paulo Freire. Quem tem muito a ver, não só por serem Paulos, mas por aquilo que semearam enquanto estiveram conosco e todo o legado que deixaram. Nos orgulha muito saber que tivemos brasileiros dessa magnitude.

 Agradecimento final de Paulo Pedrini

Eu queria agradecer à Província Franciscana da Imaculada Conceição por ter dado esse presente para o Brasil e para o mundo que é esse grande frade que mostrou para nós efetivamente que o cristianismo não é uma doutrina abstrata para se saber, mas sobretudo uma proposta prática para se viver. Um grande abraço à Família Franciscana!