Davos: Papa recorda a “responsabilidade moral” de cuidar da casa comum
21/01/2020
Manter alta a responsabilidade moral em buscar o desenvolvimento integral desta e das futuras gerações: estes são os votos que o Papa Francisco fez aos participantes que, a partir de hoje, se reúnem em Davos, na Suíça, para o Fórum Econômico Mundial.
A mensagem é endereçada ao diretor-executivo da instituição, Klaus Schwab, ao qual o Pontífice agradece o convite para participar desta 50ª edição do Fórum. A Santa Sé será representada pelo prefeito do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, Card. Peter Turkson.
Colonização ideológica
Nestes anos de trabalho, escreve o Papa, o Fórum procurou meios para reforçar a vontade política e a mútua colaboração para vencer o isolacionismo, o individualismo e a colonização ideológica, que ainda caracteriza o debate contemporâneo.
Também o tema principal deste ano – a sustentabilidade – indica a necessidade de um maior empenho em todos os níveis para enfrentar as questões sobre as quais a humanidade se confronta.
Nas últimas cinco décadas, analisa o Pontífice, muitas políticas promoveram benefícios à humanidade; outras, tiveram efeitos negativos e criaram lacunas importantes no desenvolvimento.
Única família humana
A consideração que jamais se deve perder de vista, recorda, é que “somos todos membros de uma única família humana”, portanto, temos o dever moral de cuidar uns dos outros. No centro da política pública, deve estar a pessoa, e não a busca pelo poder ou pelo lucro.
Este dever moral é imprescindível na busca de soluções equânimes aos desafios atuais, que devem ir além de visões utilitaristas a curto prazo.
Ver os outros para alcançar um fim, escreve o Papa, significa promover a injustiça; espezinhar a dignidade de outra pessoa equivale a diminuir o seu valor.
Renovar a ética
Francisco cita a sua Carta Encíclica Laudato Si’, em que adverte para a importância de uma “ecologia integral”, que leve em consideração as implicações da complexidade e da interconexão da casa comum. A ecologia integral exige uma dimensão ética renovada, que envolva também o setor econômico.
O Papa então faz os seus votos de que os participantes deste e dos Fóruns futuros mantenham alta a responsabilidade moral que cada um de nós tem em buscar o desenvolvimento integral de todos os irmãos e irmãs, inclusive os das futuras gerações.
“Que as deliberações levem a um crescimento da solidariedade, especialmente para com os mais necessitados, que vivem a injustiça social e econômica e cuja própria existência está até mesmo ameaçada”, conclui Francisco, invocando a benção do “Deus da sabedoria”.
O Fórum Econômico Mundial reúne cerca de três mil participantes de 120 países, entre os quais 53 chefes de estado e de governo.
Até o dia 24, 350 palestras e workshops debaterão sobretudo o desafio da sustentabilidade e da coesão social.
Riqueza concentrada
A desigualdade econômica está fora de controle. Em 2019, os bilionários do mundo, que somam apenas 2.153 indivíduos, detinham mais riqueza do que 4,6 bilhões de pessoas. É o que mostra o relatório “Tempo de cuidar”: o trabalho de cuidar de pessoas não remunerado e mal pago e a crise global da desigualdade.
A fortuna de 1% dos mais ricos “corresponde a mais do que o dobro da riqueza acumulada” por 6,9 bilhões de pessoas, ou seja, 92% da população mundial, uma concentração que “excede a dívida total dos países”, diz o relatório.
Esse grande fosso baseia-se em um sistema econômico sexista e falho, que valoriza mais a riqueza de um grupo de poucos privilegiados, na sua maioria homens, do que bilhões de horas dedicadas ao trabalho mais essencial – o do cuidado não remunerado e mal pago, prestado principalmente por mulheres e meninas em todo o mundo.
Trabalho não remunerado
“As mulheres estão na linha de frente das desigualdades por causa de um sistema econômico que as discrimina e as concentra em trabalhos mais precários e menos remunerados, começando pelo setor de atendimento”, diz Pauline Leclère, da porta-voz da Oxfam France, citada em comunicado.
Segundo os cálculos da Oxfam, 42% das mulheres no mundo não podem ter um trabalho remunerado devido a carga muito grande de trabalho de cuidados no âmbito privado ou familiar, frente a somente 6% dos homens. Embora cuidar de outras pessoas, cozinhar ou limpar sejam tarefas essenciais “a pesada e desigual responsabilidade pelo trabalho de cuidar das pessoas que recai sobre as mulheres perpetua tanto as desigualdades econômicas quanto as de gênero”, afirmou a ONG. A Oxfam calcula o valor monetário do trabalho de assistência não remunerado para mulheres acima de 15 anos em 10,8 bilhões de dólares por ano, ou seja, “três vezes mais que o valor do setor digital em todo o mundo”, enfatiza a ONG.
Segundo a ONG, os 22 homens mais ricos do mundo têm uma riqueza superior à de todas as mulheres da África.
Fórum de Davos
“Mulheres e jovens são as que menos tiram vantagem do atual sistema econômico”, diz Amitabh Behar, diretor da Oxfam na Índia e que representa a ONG na edição deste ano do Fórum de Davos, que começa nesta terça-feira (21). O relatório anual da Oxfam sobre as desigualdades globais geralmente é publicado antes da abertura deste Fórum. Segundo a Bloomberg, pelo menos 119 bilionários, cuja fortuna total chega a 500 bilhões de dólares devem ir a Davos este ano.
“No topo da pirâmide, bilhões de dólares estão nas mãos de um pequeno grupo de pessoas, principalmente homens”, diz Oxfam. Outro dado: em 2019, os 2.153 bilionários no mundo tinham mais dinheiro que 60% da população do planeta. “A diferença entre ricos e pobres não pode ser resolvida sem políticas deliberadas de combate às desigualdades. Os governos devem garantir que as empresas e os ricos paguem sua parte justa dos impostos”, disse Amitabh Behar.
Fonte: oxfam.org