“Como vocês explicarão aos seus filhos que desistiram?”. Discurso de Greta Thunberg em Davos
22/01/2020
“A vossa inação está alimentando as chamas de hora em hora. E nós estamos lhes dizendo para se comportarem como se amassem vossos filhos acima de qualquer outra coisa”.
| A reportagem é de Katia Riccardi, publicada por República, 21-01-2020 . A tradução é de Luisa Rabolini (http://www.ihu.unisinos.br/).
“Eu me pergunto o que vocês dirão a seus filhos, que motivo darão a eles por terem fracassado, como explicarão que os deixaram conscientemente diante de um caos climático? Vocês lhes dirão que a economia não estava indo bem? Que não era conveniente e que, portanto, decidiram desistir da ideia de lhes garantir uma vida futura sem sequer tentar?”
Greta Thunberg, no primeiro dia da 50ª edição, continua a lançar a sua mensagem, inclusive durante um encontro vespertino organizado pelo New York Times. São suas orações, que tornam seu olhar mais preocupado do que severo.
“Vocês dizem que as crianças não deveriam se preocupar. Vocês dizem: ‘Deixem conosco. Vamos consertar as coisas, prometemos não os decepcionar. Não sejam tão pessimistas’. E depois nada. Silêncio. Ou algo pior que o silêncio. Palavras vazias e promessas que dão a impressão de que foram tomadas medidas suficientes”.
Desta vez, o tom não está zangado, mas mantém uma dolorosa nota de temor.
“Um ano atrás, vim para Davos e lhes disse que nossa casa está em chamas. Disse que queria que vocês entrassem em pânico. Me alertaram que dizer às pessoas para entrar em pânico por causa da crise climática é uma coisa muito perigosa. Mas não se preocupem. Tudo bem. Confiem em mim, já fiz isso antes e posso garantir que isso não leva a nada.” Não nada muda, continua dizendo. De Madri, bem como de Nova York. Não muda porque “somos nós, crianças, que estamos falando”. No entanto, as crianças falam.
“Quando nós, crianças, pedimos para vocês entrarem em pânico, não estamos dizendo para vocês continuarem como antes. Não estamos dizendo para vocês confiarem em tecnologias que nem sequer existem hoje, não em larga escala, e que a ciência considera que talvez nunca venham a existir”.
“Não estamos dizendo para vocês continuarem falando sobre como chegar a emissões zero ou à anulação do carbono, apenas trapaceando e manipulando os números. Não estamos dizendo para vocês ‘compensarem as emissões’ simplesmente pagando algum outro para plantar árvores em lugares como a África, enquanto ao mesmo tempo florestas como a Amazônia estão sendo massacradas a uma taxa infinitamente mais alta. Plantar árvores é uma coisa positiva, é claro, mas não chega nem perto do que precisaremos”.
“Sejamos claros”, explica a ativista sueca que completará 17 anos daqui a um mês, “não precisamos ‘reduzir as emissões’. Nossas emissões devem parar se quisermos ficar abaixo da meta de 1,5 grau. E até termos as tecnologias que possam fazer isso em larga escala, precisamos esquecer o zero líquido. Precisamos de um zero real”.
E enquanto o presidente dos EUA, Donald Trump, liquida a questão chamando os ambientalistas de “profetas da desgraça”, a garota que sacudiu o mundo do torpor sem conseguir esfriar o clima, continua: “O fato de os Estados Unidos deixarem o acordo de Paris parece escandalizar e preocupar a todos, e deveria. Mas o fato é que todos vocês estejam prestes a desrespeitar os compromissos assumidos no Acordo de Paris, não parece incomodá-los da mesma maneira”.
“Qualquer plano ou política que não inclua cortes radicais nas emissões, na fonte, a partir de hoje, é completamente insuficiente para respeitar o compromisso de atingir os 1,5-2 graus centígrados previstos pelo acordo de Paris”.
E, novamente, não se trata de esquerda ou direita. “Não estamos interessados nos seus partidos políticos. Do ponto de vista da sustentabilidade, a direita, a esquerda e o centro falharam. Nenhuma ideologia política ou estrutura econômica conseguiu fazer frente à emergência climática e ambiental e criar um mundo coeso e sustentável. Porque esse mundo, caso vocês não tenham notado, atualmente está em chamas”.
“Obviamente, não existem todas as soluções nas sociedades de hoje. Também não temos tempo para esperar que novas soluções tecnológicas estejam disponíveis para começar a reduzir drasticamente nossas emissões. Portanto, obviamente, a transição não será fácil. Será difícil. E, a menos que comecemos a enfrentá-la agora juntos, com todas as cartas na mesa, não conseguiremos resolver a tempo. Nos dias que antecederam o 50º aniversário do Fórum Econômico Mundial, entrei para um grupo de ativistas climáticos que pergunta a vocês, aos líderes mais poderosos e influentes do mundo, para começar a agir.”
Aqui estão os principais pontos:
“Pedimos ao Fórum Econômico Mundial deste ano, à sociedade, aos bancos, instituições e governos: interromper imediatamente todos os investimentos em pesquisa e extração de combustíveis fósseis. Interromper imediatamente os subsídios aos combustíveis fósseis. Desinvestir imediatamente e completamente dos combustíveis fósseis.”
Não depois. “Não queremos que essas coisas sejam feitas até 2050, 2030 ou mesmo 2021. Queremos que sejam feitas agora. Pode parecer que estamos pedindo muito. E obviamente vocês dirão que somos ingênuos. Mas esses pedidos são apenas o mínimo esforço necessário. Caso contrário, vocês terão que explicar aos seus filhos por que desistiram da meta de 1,5 grau. Por que desistiram sem sequer tentar. Bem, estou aqui para lhes dizer que, diferentemente de vocês, minha geração não desistirá sem lutar.”
“Na semana passada, encontrei-me com mineiros de carvão poloneses que perderam seus empregos devido ao fechamento da mina. Eles também não desistiram. Pelo contrário, parecem entender o fato de que precisamos mudar as coisas mais do que vocês.”
Nossa casa ainda está em chamas. “A inação de vocês está alimentando as chamas de hora em hora. E nós estamos dizendo lhes dizendo para se comportarem como se amassem seus filhos acima de qualquer outra coisa.”