“Clara é a expressão da vivência radical do Evangelho”, diz o Ministro Provincial
11/08/2020
Moacir Beggo (texto) e Lucas Santos (fotos)
Guaratinguetá (SP) – Depois de iniciar o dia, nesta solenidade de Santa Clara de Assis (11/8), presidindo a Santa Missa no Postulantado Frei Galvão, em Guaratinguetá, o Ministro Provincial da Província da Imaculada Conceição, Frei César Külkamp, celebrou a Eucaristia com as Irmãs Clarissas que residem no Mosteiro Mater Christi, na Fazenda da Esperança, também em Guaratinguetá. A Missa foi transmitida pela Redevida, às 9 horas, e teve como concelebrante um dos fundadores da Fazenda da Esperança, Frei Hans Stapel.
Para Frei César, hoje não é apenas um dia festivo, mas uma bela oportunidade de “nos deixarmos tocar pela provocação da vida e do ideal desta seguidora mais fiel de nosso Pai Francisco”. Segundo o Ministro Provincial, a “Plantinha”, como se fala na sua biografia, é também uma fascinante inspiração dessa forma de seguir o Cristo do jeito de Francisco de Assis. “Em seu ideal apaixonado e apaixonante, Clara nos provoca a também nos tornarmos um lugar nessa grande história de seguimento radical nos passos de Cristo. Isso é o que ela deixa também no seu Testamento, quando ela nos diz que entre outros benefícios que temos recebido e ainda recebemos diariamente está a nossa vocação, que quanto maior e mais perfeita, mais a Deus é devida. No sentido mais profundo de celebrarmos o Cristo é também reacendermos a chama da vocação dada por Deus e devida a Deus por cada um de nós”, disse Frei César, lembrando que estamos também celebrando o Mês Vocacional em agosto.
Para o Ministro Provincial, o testemunho de Clara marcou a vida de uma multidão de fiéis, não só entre as suas Irmãs ou dentro do movimento franciscano, mas marcou desde papas, governantes, reis e os mais simples e pequeninos, que conseguiram ver nela, como que num espelho, o reflexo de Jesus Cristo, pobre e crucificado. “Aquela Clara de Assis, nobre, rica e bela, não pôs nesses atributos os valores maiores da sua vida. Desde os primeiros anos de sua infância, esforçava-se em amar profundamente a Cristo. E assim foi percebendo em si o chamado para uma missão maior do que ela. Ela mesmo afirmava que aspirava uma vida com mais sentido”, destacou o celebrante.
Frei César recordou que em uma das cartas que Clara escreveu a Santa Inês de Praga, ali insiste no olhar cotidiano ao espelho, que é o próprio Cristo, para nesse espelho contemplar-se e examinar-se e, a partir Dele, tornar-se inteiramente revestida e adornada com as sublimes virtudes: a feliz pobreza, a santa humildade e a inefável caridade.
“O referencial, portanto, de Clara não é apenas Francisco. É, digamos assim, o próprio Cristo, mas com um olhar afinado por essa contínua contemplação que a fez observar de longe, cada vez com mais atenção, a transformação acontecida em Francisco. A sua renúncia aos bens e à família, os seus primeiros seguidores, o estilo de vida que levava, e nisso percebendo neles, nos próprios frades, o encontro com o verdadeiro significado da vida e da plena felicidade que ela buscava”, explicou, acrescentando que em 1210, Clara assiste as pregações de Francisco e sente que o ideal a ser buscado é esse. “Depois de muitas conversas com ele, aos 18 anos, naquela noite do Domingo de Ramos em 1212, ela foge de casa e vai ao encontro de Francisco e de seus frades, que fazem a sua consagração na igrejinha da Porciúncula, em Assis. Desde o início, com a firmeza de mulher decidida, ela resistiu a todas as tentativas de afastá-la desse ideal e que não foram poucas, a começar pela sua própria família”, observou.
Segundo o frade, logo vieram as primeiras companheiras e foram morar juntas no Conventinho de São Damião, nascendo assim a segunda Ordem Franciscana, a Ordem das Clarissas, as seguidoras de Francisco. “E aquele início não foi tão romântico”, lembrou Frei César, citando que Clara, na sua Regra, descreve as tantas afrontas, humilhações e desprezos sofrias, mas que só a fizeram amadurecer aquela primeira opção tomada.
“Muitas destas seguidoras de Clara e de Francisco se tornaram grandes exemplos de santidade para toda a Igreja. A vida de Santa Clara é pouco conhecida porque não foi vivida com grandes fatos e realizações, como tanto se valoriza no mundo de hoje. O impressionante nela, podemos destacar, é a qualidade do amor vivido diariamente numa relação direta com Deus: tempo, trabalho, repouso, silêncio com Deus, Palavra. E a escuta atenta da Palavra – novamente este espelho que reflete claramente o próprio Cristo – leva Santa Clara a uma vivência concreta de seus valores. A forma de vida, a Regra escrita por ela, assim como a de São Francisco, consiste em nada mais do que viver o Santo Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo”, ressaltou Frei César.
Partindo de suas cartas, sua biografia, seu processo de canonização, Frei César destacou três valores na vida de Clara, que, segundo ele, são centrais para a valorização da nossa própria vocação e que são extraídos do Evangelho.
“O primeiro valor é a vida contemplativa. Talvez hoje seja difícil entender a vida de contemplação. Mas para Clara, isso não significa simplesmente viver o isolamento num claustro. É acima de tudo viver como consagrada, na escuta constante de Deus, ou seja, numa vida habitada por Deus; o segundo valor é a vida em fraternidade. Este é o lugar teológico da vivência do Evangelho, onde o cuidado de cada irmã, de cada irmão para nós, aprende-se na relação com Deus a conservar a unidade da caridade recíproca, como também está na sua Regra. Assim como Deus nos ama e acolhe sempre novamente com o mesmo amor misericordioso, apesar de todas as nossas imperfeições, infidelidades e fraquezas, não cabe à irmã, ao irmão, outra postura senão acolher esse amor, e ver naquele que está ao seu lado o verdadeiro presente do Senhor; e o terceiro valor é a vida sem nada de próprio. A santíssima pobreza é o elemento que, para Clara de Assis, não é negociável. É a opção de fundo que inspira viver a perfeição do Santo Evangelho, como viveu o próprio Cristo. Como Francisco, Clara é também apaixonada pela pobreza e faz dela o itinerário de sua vida. Ela luta muito ao longo de sua vida para alcançar o privilégio da pobreza. Naquele tempo era comum pedir à Igreja privilégios, concessões especiais de todo tipo. E ela pede, sim, o privilégio da pobreza! Ou seja, um direito dado às suas irmãs de não terem propriedades. Viver na precariedade, sentir falta até das coisas necessárias, faz parte dessa aventura evangélica”, explicou o Ministro Provincial.
Segundo o celebrante, com esses valores destacados, Clara de Assis tornou-se também mestra da espiritualidade franciscana. “Ela tem muito a nos dizer hoje na nossa caminhada de consagradas e consagrados. Não só por suas palavras, mas principalmente por esse testemunho tão vigoroso. Testemunho que também sustentou os frades lá nas origens quando estavam órfãos de São Francisco”, disse Frei César, lembrando que mesmo na fragilidade física, mesmo acamada pela doença, Clara era uma fortaleza.
“Clara é a expressão da vivencia radical do Evangelho. Viveu e nada mais. Ela não faz isso com dureza. Ela coloca os valores essenciais do cristianismo nesse modo cotidiano simples, fraterno e feminino de viver. E aquele seu desejo de buscar, desde menina, um sentido maior para sua vida, ela concretiza na clareza da sua vocação. Seu testemunho clarividente é para cada um de nós, hoje, na nossa vida consagrada, uma garantia de que viver assim é possível. Seremos cristãos, franciscanos autênticos, se nos consagrarmos à alegria de quem vive com o Senhor. Dessa forma, estaremos abrindo também nossas fraternidades à ação de Deus e permitindo que essa grande Santa que celebramos, traga mais vitalidade à Igreja e ao mundo de hoje”, completou.
No final da celebração, Frei César agradeceu pela acolhida ao Mosteiro e à Fazenda da Esperança. “Quero agradecer o meu Provincial por suas palavras que me tocaram profundamente”, retribuiu Frei Hans, contando que além das Clarissas, a Família Esperança tem um total de 20 congregações.
Frei César continua em visita canônica ao Mosteiro das Clarissas em Guaratinguetá.