São Benedito: Celebração e Memória no santuário de São Francisco
09/04/2024
No dia 6 de abril de 2024, a comunidade católica se reuniu em uma celebração na Igreja de São Francisco, localizada no Largo São Francisco, em São Paulo. O evento, presidido pelo Pe. Enes, pároco da Paróquia São Gonçalo, foi marcado por uma homenagem a São Benedito e pela reentronização de sua imagem após um minucioso processo de restauro.
Ao lado do Pe. Enes, estiveram o Pe. Luís Fernando (Capelão da Igreja do Rosário dos Homens Pretos, do Largo Paissandu), responsável pela homilia, e os Freis Fidêncio Vanboemmel, Mário Luiz Tagliari e Alvaci Mendes da Luz.
A participação das Irmandades de São Benedito de Praia Grande, Nossa Senhora do Rosário do Paysandu, Nossa Senhora do Rosário da Penha de França, São Benedito de Sorocaba e de Guarulhos, trouxe uma atmosfera de devoção popular e comunhão entre os fiéis, reforçando a importância de São Benedito para o povo brasileiro.
Após a liturgia, os presentes puderam assistir uma celebração cultural de congada, com a Irmandade do Rosário da Penha, que apresentou as tradições afro-brasileiras e acrescentou ainda mais significado ao evento.
Por mais de três séculos, São Benedito vem sendo cultuado na igreja do Convento de São Francisco em São Paulo. A princípio pelas comunidades negras escravizadas ou libertas da hoje capital paulista, espalhando-se depois por toda a cidade e atualmente mantida viva nas irmandades de São Benedito da Casa Verde, do Rosário dos Homens Pretos do Paysandu, do Rosário da Penha de França entre outros.
Fato é que, desde a fundação do convento São Francisco de São Paulo, afirma Frei Basílio Röwer, havia um altar lateral dedicado a São Benedito na parede que saí atualmente para o corredor lateral que dá acesso ao convento. Assim, havia desde os primórdios de um lado (lado do Evangelho) o altar do santo preto e do outro (lado da epístola) o altar da Imaculada Conceição devotado à Ordem Terceira. Estes dois grupos leigos conviveram por décadas com suas devoções dentro da igreja conventual.
A Ordem Terceira, como todos sabemos, construiu sua igreja própria, que hoje está ali no Largo São Francisco gemelada àquela dos frades. Já a irmandade de São Benedito não existe mais, foi extinta em 1910 por decreto episcopal. A imagem do santo patrono dos pretos, porém, permanece ali para testemunhar esta história.
Muito provavelmente a imagem recém restaurada e entronizada no altar de Santo Antônio é a mesma que foi encomendada pela irmandade no final do século XVIII, por ocasião de sua oficialização frente aos poderes civis e eclesiásticos. Os confrades de São Benedito, felizes com a aprovação de seus Estatutos, encomendaram uma nova imagem que foi trazida de Lisboa, e já naquela ocasião, entronizada no altar de Santo Antônio, no local onde hoje encontramos uma imagem de São José.
É bem provável que no final do século XIX, no período mais efervescente das lutas abolicionistas no Brasil, quando os irmãos encomendaram um novo altar para a igreja do convento (já que não haviam frades e o altar mor havia queimado em um incêndio), os confrades tenham substituído o titular da igreja (São Francisco) pelo santo de sua devoção (São Benedito) colocando-o no altar mor. Fato que perdurou até a chegada dos frades alemães em 1908. Os frades, liderados por frei Basílio Röwer, guardião à época, recolocaram a imagem de São Benedito abaixo dos pés de Santo Antônio, no nicho onde ele esteve por quase um século e São Francisco no altar mor da igreja conventual.
Ao final da década de 1960 ou 1970, o santo preto foi retirado de seu nicho e depositado na torre da igreja, junto a outras imagens. Ele foi recolocado novamente no altar de Santo Antônio entre a década de 1990 ou 2000 (desta vez ao lado esquerdo do santo titular), quando da decisão de incluir novas imagens nos altares colaterais da igreja, a saber: Santa Isabel e Santa Clara (no altar da Imaculada) e São Pascoal Bailão e São Benedito (no altar de São Antônio). A imagem recém restaurada foi a única não adquirida junto as outras três, mas reaproveitada do acervo existente na torre sineira.
O recente restauro foi realizado no ateliê de artes da restauradora paulista Claudia Severo Senna. A artista esteve com a imagem por mais de seis meses em seu espaço de trabalho e realizou limpeza, retoque de policromia, retirada de insetos, nivelamento de lacunas, douramento com folhas de ouro em partes faltantes, verniz de proteção, entre outros. Foi verificado também que havia uma camada de repintura sobre a antiga policromia do período colonial, porém, foi decidido manter-se a pintura atual sob o risco de não se localizar mais totalmente a pintura original.
No laudo técnico, ao final do restauro, Claudia Senna afirma que “um dos principais objetivos dessa intervenção foi de estabilização da peça e fixação de policromia, visando preservar a sua integridade física e valor histórico. Os materiais e técnicas obedeceram a critérios de compatibilidade e reversibilidade”.
O restauro e entronização da imagem de São Benedito coincidiu, neste ano de 2024, com as comemorações do V Centenário do nascimento do santo de Palermo (1524-2024). O primeiro franciscano negro canonizado segundo as exigências do Concílio de Trento, tornou-se um dos santos mais cultuado pelas comunidades negras católicas do mundo e, de modo particular, venerado com especial devoção em nosso país.
Frei Alvaci Mendes da Luz / João Vítor Rodrigues