Celebração ecumênica marca 26º Grito dos Excluídos no Convento da Penha
08/09/2020
Vila Velha (ES) – Representantes religiosos, membros de movimentos, organizações e pastorais sociais participaram da celebração inter-religiosa do 26º Grito dos Excluídos no Campinho do Convento da Penha. A tradicional marcha por direitos deu lugar a uma celebração com transmissão pelas redes sociais devido à pandemia do novo coronavírus, em respeito às regras de distanciamento social.
Ao toque do shofar, um instrumento de sopro tradicional do judaísmo, cujo som conclama a um despertar para que se possa envolver com as necessidades da alma, a celebração ecumênica uniu vozes em uma grande rede, por meio da internet, e presencialmente, para ecoar o tema deste ano: Vida em Primeiro Lugar!
“Chega de escravidão! Temos como obrigação restituir a vida, o trabalho com dignidade, o teto, a alimentação. Nós temos direito e dever de intervir no rumo da história do mundo, do nosso país, do nosso estado, da nossa cidade, da nossa comunidade. O nosso mundo está marcado pela violência, principalmente contra negros, jovens e pobres. Chega!”, exclamou o Arcebispo da Arquidiocese de Vitória, Dom Dario Campos.
A 26ª edição do evento teve ainda a participação do Vigário Episcopal para Ação Social, Política e Ecumênica, Kelder Brandão, dos anfitriões Frei Pedro de Oliveira e Frei Paulo Roberto, do Convento da Penha; do pastor da Igreja Luterana, Carlos Ulrich; da Yaefun do Candomblé, Leila Silva; do dirigente de templo da Umbanda, Valdemir Anchesk; do representante da Igreja Casa da Bênção, Jakson Vicentini.
A Celebração teve início com uma breve apresentação e invocação da presença divina de acordo com cada costume religioso. Em seguida, após cantos e a entrada da Palavra de Deus, o pastor Carlos proclamou o Evangelho. A reflexão foi feita por Dom Dario. Ele afirmou que “é preciso que descubramos um novo horizonte para o qual possamos nos dirigir. E só vamos fazer isso tendo Jesus como meta, a oração em nosso coração e nossa mente”, disse Dom Dario.
O Arcebispo relatou ainda, como na última Festa da Penha, as situações de morte e tristeza que comovem nosso estado, como os casos de moradores de rua assassinados e outros problemas sociais como a fome. Para ele, é necessário que nos preocupemos e façamos nossa parte para contribuir com um mundo mais humano.
O evento lembrou ainda as 127 mil mortes no Brasil em decorrência da Covid-19 e fez um minuto de silêncio pelas famílias enlutadas. Ao final, foi lida uma carta aberta (leia abaixo) com um forte apelo aos direitos de todas e todos.
“Neste 26º. Grito dos Excluídos, a Igreja de Cristo e todas as igrejas irmãs renovamos nosso compromisso e nosso lugar histórico de acolhimento e apoio às pessoas e povos excluídos dos direitos, dos territórios e da dignidade humana”, diz um trecho da carta.
Na celebração, seguindo o lema “Basta de miséria, preconceito e repressão! Queremos trabalho, terra, teto e participação!”, os muitos gritos dos povos tradicionais e indígenas, de negros e negras, dos pobres, das mulheres, das diversas expressões da juventude, da população LGBTQIA+, dos migrantes e da população em situação de rua. E sem esquecer ainda os gritos da mãe Terra.
Ao final do ato celebrativo, cada representante religioso ali presente foi convidado a dar a bênção de acordo com sua tradição. Os cantos e animação ficaram por conta de músicos voluntários do Marista (equipe do Edigar Barraqui)
CARTA ABERTA
26º Grito dos Excluídos
Espírito Santo – 7 de Setembro de 2020
“Por muito tempo me calei; estive em silêncio, e me contive; mas agora darei gritos como a que está de parto, arfando e arquejando”. (Isaías, 42, 14)
Irmãs e Irmãos, Povo de Deus: A vida em primeiro lugar!
Neste 26º. Grito dos Excluídos, nos solidarizamos com toda a sociedade brasileira e com nossas famílias capixabas, em luto pela enfermidade e perda de parentes, e ainda afetadas pela crise econômica, pelo desrespeito aos de direitos humanos e pela destruição da natureza.
Alertamos para a exclusão que se amplia, em meio à pandemia da Covid-19, em cenário de radical precarização da vida e do trabalho, com mais de 120 mil mortes, dezenas de milhões de pessoas desempregadas e graves ataques do governo federal à democracia. A exclusão se dissemina, através de mentiras e fake news nas redes sociais, através de discursos de ódio, de racismo e machismo, de discursos armamentistas, carregados de preconceito contra as diferenças e principalmente contra os mais pobres.
Exemplo mais recente do preconceito contra os mais pobres e vulneráveis foi o ocorrido no município de Vitória, com a retirada dos pertences da população de rua por caminhões e carros da prefeitura, com apoio dos agentes de segurança. Enquanto uma rede de solidariedade se junta durante a pandemia para dar alento a essa população com distribuição de cobertores, alimentos e material de higiene, os poderes públicos cuja função deveria ser a de garantir dignidade agem dessa forma covarde e desumana contra a população de rua.
Contra essa situação, no Grito dos Excluídos, gritamos e proclamamos juntos: “A vida em primeiro lugar! Basta de miséria, de preconceito e repressão. Queremos trabalho e teto, terra e participação!”
Como disse o papa Francisco, na carta “Louvado Seja”, a crise é uma só. É efeito direto de uma economia que não prioriza as pessoas, a vida e a natureza. A crise é consequência de um modelo de desenvolvimento voltado para a acumulação e para a concentração da terra, da renda, da tecnologia e do poder nas mãos de grandes empresas e corporações, que controla os mercados global, nacional e regional. A crise é fruto de decisões políticas e investimentos econômicos voltados para o lucro, e não para a vida. Como disse o papa Francisco, é necessária uma nova economia. Uma “economia de Clara e Francisco”, solidária com os mais pobres e vulneráveis. Uma economia do cuidado, voltada para a paz, a justiça social e para o bem comum.
Neste difícil momento para a sociedade brasileira, conforme a “Carta ao Povo de Deus” assinada pelos 152 bispos: “Até a religião é utilizada para manipular sentimentos e crenças, provocar divisões, difundir o ódio, criar tensões entre igrejas e seus líderes. Ressalte-se o quanto é perniciosa toda associação entre religião e poder no Estado laico, especialmente a associação entre grupos religiosos fundamentalistas e a manutenção do poder autoritário. Como não ficarmos indignados diante do uso do nome de Deus e de sua Santa Palavra, misturados a falas e posturas preconceituosas, que incitam ao ódio, ao invés de pregar o amor, para legitimar práticas que não condizem com o Reino de Deus e sua justiça?”
Neste 26º. Grito dos Excluídos, em coro uníssono de irmãs e irmãos, gritamos aos governantes e às corporações econômicas, contra o descaso com que tratam a população mais empobrecida e vulnerabilidade de nosso estado e país: as classes sociais habitantes das periferias urbanas e da vizinhança dos grandes projetos poluidores, a população negra, os povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e da pesca artesanal, a população em situação de rua, as famílias agricultoras, camponesas e sem-terra, as mulheres, idosos, os jovens e a população LGBTQ+. São os que mais sofrem as violações, os preconceitos e os principais danos de um desenvolvimento injusto, que se baseia na própria exclusão.
Também gritamos em coro, contra a contaminação do Rio Doce, contra a devastação das florestas, substituídas por monoculturas químicas; contra a contaminação da água, dos rios e do mar, por fertilizantes, plásticos e vazamentos de petróleo. Gritamos contra a destruição de manguezais, ameaçados pela instalação de novos distritos portuários. Gritamos contra o pó preto na região metropolitana da capital e contra a poluição no entorno dos complexos extrativistas e industriais. Gritamos por justiça ambiental e climática, diante do agravamento do aquecimento global. Gritamos contra o desenvolvimento do lucro e da morte, que não respeita a vida dos povos e a natureza.
Neste 26º. Grito dos Excluídos, a Igreja de Cristo e todas as igrejas irmãs renovamos nosso compromisso e nosso lugar histórico de acolhimento e apoio às pessoas e povos excluídos dos direitos, dos territórios e da dignidade humana.
E aqui nos despedimos e silenciamos, em respeito ao luto das famílias.
Faça um minuto de silêncio e oração, por nosso país e por todos e todas.
Amém.
Assessoria de Imprensa do Convento