As experiências do Ressuscitado em Cocal
24/04/2019
“A experiência que vocês trouxeram fez plantar uma semente no meu coração e foi a gota d’água para me certificar de que o vazio existencial em nossos corações tem o exato formato de Deus”
Essas palavras de uma carta anônima surpreenderam a nós, missionários e missionárias, que participamos das Missões de Semana Santa na Paróquia Nossa Senhora da Piedade em Cocal, no interior da Bahia.
Éramos em 40 missionários das mais diversas regiões da Província (21) e da Diocese de Barra (19) que, atendendo ao chamado para a missão, fomos dispersados e enviados às comunidades da Paróquia. Frei Moisés Bezerra de Lima, confrade de nossa Província a serviço da Diocese, nos recepcionou no sábado que antecedeu ao Domingo de Ramos com um coral de crianças que estavam a postos para acolher-nos.
Inúmeros abraços e sorrisos foram distribuídos a cada missionário e missionária que descia da van em direção à Igreja. A alegria daquele povo marcou a nossa chegada, era um sinal de tudo o que estava à nossa espera. A imersão na experiência foi completa: nos hospedamos nas casas das famílias, comemos da comida cotidiana da região e alguns de nós até pedimos a bênção aos “pais” que nos adotaram nesses dias.
Povo e comunidade
Entre visita às casas, bênçãos individuais, celebrações, caminhadas penitenciais, visita às escolas, vias-sacras, oração do terço e todas as celebrações do Tríduo Pascal, a experiência missionária permitiu que, mesmo em meio ao semi-árido nordestino, o nosso coração missionário fosse irrigado por tanta gratidão, alegria, devoção e ternura de um povo que, em sua imensa simplicidade, soube partilhar o que eles possuem de melhor: o amor fraterno e o pão de cada dia.
Tamanha integração que encontramos neste povo entre comunidade e natureza que bastava visitar uma só casa para saber quais eram os enfermos da comunidade e o quanto as questões ambientais é uma preocupação constante entre eles, pois a dor de um era a de todos, e a subsistência de um era a de todos também. Aprendemos que não é necessário muitas coisas, mas muito: Muito cuidado nas relações, muito carinho com quem nos cerca, muita responsabilidade com a Casa Comum.
Isto despertou uma maior consciência sócio-política entre os missionários que, conforme nos testemunha a missionária Aline Vieira, se tornou “impossível não reavaliar pensamentos, não comprar briga por aquele povo sofrido, impossível compactuar com pensamentos políticos que não contemplem os filhos daquela terra”. De fato, a vida daquele povo adquiriu maior dignidade graças a políticas públicas eficazes de construção de cisternas nas casas, de proteção às áreas de nascentes dos rios, de programas de proteção social como o Bolsa Família. Políticas públicas que foram reivindicadas pela Campanha da Fraternidade deste ano.
A Semana Santa
O Domingo de Ramos foi celebrado na comunidade de Olhos d’Água de Dentro, onde se reuniram mais quatro comunidades da Paróquia (Cocal, Alagados, Mucambo e Lages). A Missa foi presidida por Frei Diego Atalino de Melo, que recordou a importância da Semana Santa e ressaltou a luta da comunidade local. As demais celebrações aconteceram nas comunidades locais e foram preparadas e animadas pelos missionários e missionárias que para lá foram enviados.
Na terça-feira, ainda, participamos da Missa dos Santos Óleos na catedral de Barra, presidida pelo bispo Dom Frei Luís Flávio Cappio. Nela esteve presente o clero diocesano e a comunidade religiosa da Diocese. No dia seguinte, quando partíamos de volta pra Cocal, Dom Luis ainda nos deu uma bênção especial animando a todos os missionários e agradecendo aos serviços prestados ao povo da região.
A celebração de lava-pés foi outro momento marcante pra nós missionários, pois, ao imitar o gesto de Jesus, realizamos simbolicamente a razão última de nossa presença naquele lugar: servir e amar a exemplo do Cristo. Outro momento marcante foi a celebração na qual Frei Diego consagrou e inaugurou um sacrário novo na comunidade de Olhos d’Água de Dentro. Finalmente aquele povo terá a presença constante da Eucaristia.
Na quarta-feira, foi realizada a procissão do encontro de Nossa Senhora das Dores, acompanhada pelas mulheres, e de Nosso Senhor dos Passos, acompanhado pelos homens. Ali meditamos sobre tantos encontros e desencontros que testemunhamos na vida de tantas pessoas que dali partiram para tentar uma vida melhor em São Paulo. A dor da saudade era expressa nos olhos rasos d’água de quem tinha um parente distante.
A Sexta e o Sábado Santo contribuíram para a devoção de tantas comunidades que nunca vivenciaram o Tríduo Pascal em suas capelas. Mais uma vez, a presença dos missionários marcaram a vida daquele povo. Eles podiam finalmente fazer, do jeito deles, a celebração da Páscoa. De tal forma que até uma panelinha se tornou um solene incensário nas celebrações e um pilão o honroso sítio do Círio Pascal.
Sinais de Ressurreição
Poder celebrar com aquele povo a Ressurreição de Jesus, nos deu a certeza de que o Reino de Deus se faz presente no meio de nós, que Deus escolheu um povo concreto para defender e que nos é possível encontrá-Lo no meio deles. Vimos vários sinais de ressurreição naquela gente, como as nascentes dos rios sendo, aos poucos, recuperadas; professores se capacitando para ajudar aquele povo; um posto de saúde bem equipado em pleno atendimento e profissionais da cidade recebendo formação para atender ali; uma filha da terra se formando jornalista em São Paulo para ajudar aquele povo; o testemunho da missionária Aline Neves, que deixou os seus, em Nilópolis, para abraçar aquele povo; do professor que superou o alcoolismo e voltou a dar aulas. Enfim, vários sinais que a luz do Ressuscitado arde naquela terra em brasa.
Quão grande foi a nossa emoção em ver a fidelidade dos jovens de toda Paróquia que acompanhou os missionários de casa em casa até o fim, estando eles também aos prantos quando nos despedimos da cidade. Não somente eles, mas grande parte das pessoas que estiveram conosco nesses dias. Como é urgente o anúncio profético naquela região.
Partimos. Mas é clara uma certeza: ficou lá um pedaço do nosso coração.
Paz e Bem!
Frei Vitor Amâncio