A renúncia do Papa e suas implicações canônicas
12/02/2013
Frei Ivo Müller (*)
Muito se fala sobre a renúncia do Papa, depois do dia 28 deste mês. Então, gostaria de haver uma explicação de como fica a Igreja, com suas implicações canônicas. E a infalibilidade como fica?
O dia 11 de fevereiro amanheceu em festa, com milhares de pessoas nas ruas do Rio de Janeiro e de tantos lugares do mundo, festejando o carnaval. De repente a notícia nos surpreendeu, com o anúncio oficial da renúncia de Bento XVI, que acontecerá no dia 28 de fevereiro do corrente ano. Foi um gesto muito nobre de sua Santidade, em aceitar a limitação humana, ao que tudo indica, de sua fragilidade na saúde. Diante deste fato, teço algumas linhas de informações aos internautas, à guisa de esclarecimentos, como seguem:
1. Antes de tudo, isto não é novidade na história da Igreja. Sabemos que o primeiro Papa a renunciar foi Ponciano, em 235, renúncia esta que foi forçada, causada pelo Imperador Maximiniano. O segundo caso aconteceu em 535, com o Papa Silvério que foi forçado a renunciar, após o seu exílio. O terceiro, foi João XVIII, que renunciou no ano 1009. O quarto, foi o Papa Bento IX, que abdicou do cargo em 1045 e acabou voltando atrás dois anos mais tarde. Porém, deixou o poder em 1048. O quinto Papa a renunciar, antes de Bento XVI, foi Celestino V que ocupou a cátedra por apenas nove meses e renunciou em 1294.
2. O Papa é o Bispo da Igreja de Roma, enquanto sucessor de Pedro. É a cabeça do Colégio dos Bispos, como Vigário de Cristo e Pastor da Igreja universal (cânon 331). Ele também é o chefe da Cidade do Vaticano (Estado soberano).
3. O Código de Direito Canônico da Igreja prevê a possibilidade de renúncia ao seu múnus de Papa. Porém, tal renúncia deve ser livre e devidamente manifestada (cânon 332, § 2). Em outras palavras, se a vontade do Papa naquele momento da renúncia for forçada ou estiver obnubilada por outros fatores, não vale. Seria o caso, por exemplo, de alguém colocar um entorpecente em sua bebida e o Romano Pontífice, meio grogue, renunciar. Tal renúncia careceria de uma vontade bem deliberada, resultado de um ponderado juízo humano. No direito, todo e qualquer ato de renúncia deve ser livre e carecer de defeitos e vícios de vontade. Caso contrário, seria um ato inválido (cânones 124-128; 187-189). E por prudência jurídica, este ato da vontade deve ser manifestado por escrito ou diante de testemunhas, como aconteceu com Bento XVI.
4. A infalibilidade papal foi homologada no Vaticano II, de acordo com a Constituição Lumen Gentium, 25. Ela continua vigente na Igreja. Porém, para ser válida, deve norteada por três princípios: 1°) É necessário que o Papa fale ex cathedra, enquanto Pastor e Mestre supremo e universal dos fiéis cristãos, como sucessor de Pedro, não enquanto pessoa que fale em privado, nem mesmo como simples teólogo; 2°) Que o objeto de seu ensinamento seja referente à fé e aos costumes da Igreja; 3°) Que a sua doutrina seja proferida em caráter definitivo, isto é, que não induza ainda mais os fiéis às dúvidas ou tergiversações. Diante da renúncia, tudo o que o Papa proferir depois do dia 28 de fevereiro deste ano, não será mais considerado infalível, justamente porque ele não será mais o Papa da Igreja.
5. Muita gente se interroga sobre uma possível influência do Papa emérito nas decisões do futuro Papa, como acontece muitas vezes com os bispos eméritos. Aqui, podemos discutir a questão do ponto de vista político. Porém, do ponto de vista canônico, o Papa emérito carece de potestade papal em todo e qualquer ato jurídico. Também não poderá mais votar no conclave, porque o Colégio dos Cardeais que elege o novo Papa, com direito a voto, vai até os 80 anos de idade (Universi dominici gregis, 1996, 33).
Portanto, depois do dia 28 de fevereiro, a Sé Apostólica ficará vacante, até que seja convocada a eleição do novo Papa pelo Camerlengo. Em tempo de Sé vacante, nenhuma decisão de maior envergadura pode ser tomada na Cidade do Vaticano. Cessa também o poder de todos os dicastérios da Cúria Romana (Escritórios, com seus devidos Prefeitos). Diante disso, todos os cargos cessam, com exceção do Camerlengo e do Penitenciário maior, que continuam o seus ofícios, submissos ao Colégio dos Cardeais com idade inferior a 80 anos (Universi dominici gregis, 14).
Esperamos que até a Páscoa do Senhor deste histórico ano de 2013, seja eleito o novo Papa da Igreja. E que ele se inspire na experiência do lava-pés de Cristo (Jo 13, 1-20), sendo revestido especialmente pelo avental do serviço ao inteiro rebanho do Povo de Deus.
(*) Frei Ivo Muller é nascido em Chapecó (SC), frade menor da Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil. Bacharel em Pedagogia, Filosofia e Teologia. É doutorado em Direito Canônico pela Pontifícia Universidade Antonianum, Roma (1999).