A Paróquia do Rosário passou a Porta Santa em celebração festiva
06/09/2016
Vila Velha (ES) – Éramos quase duas mil pessoas na Prainha, na belíssima praça de figueiras e palmeiras, terreno roubado ao mar. Nessa Prainha aportaram, em 1535, na semana de Pentecostes, Vasco Coutinho e sua gente para colonizar a Sesmaria, que ele chamou de Espírito Santo, por causa da festa litúrgica. Ainda não tinham desembarcado os pertences, e os homens já tinham erguido a ermida de pau a pique para marcar o centro da nova vila. A capela foi dedicada a Santa Catarina, para cumprir promessa acadêmica de Vasco Coutinho. E logo batizada com o nome de Nossa Senhora da Vitória, para satisfazer a promessa feita pelos reis portugueses ao vencer a batalha de Aljubarrota. A piedade popular pôs nos braços da Virgem da Vitória o Rosário e a crismou com o nome de Igreja de Nossa Senhora do Rosário, nome que prevaleceu, porque passam os reis e passam os comandantes, mas sobrevive o povo.
Toda a história de Vila Velha e do Espírito Santo gira em torno da Igreja de Nossa Senhora do Rosário, ainda que no morro vizinho esteja o Convento da Penha, que se tornou o símbolo religioso e político do Estado. A Igreja do Rosário, mãe e cabeça de todas as igrejas do Espírito Santo, tornou-se sede paroquial em 1750. Quando os franciscanos assumiram a paróquia, em 1942, ela abrangia todo o município, que não tinha mais de seis mil habitantes. Hoje, 74 anos depois, o mesmo território está dividido em 15 paróquias. A paróquia do Rosário acabou limitada a 10 comunidades.
E as 10 estavam presentes no anoitecer do sábado dia 3 de setembro para a passagem comunitária da Porta Santa da Misericórdia, uma das velhíssimas portas da Igreja do Rosário. O pároco, Frei Djalmo Fuck, rezou na Praça: “Ó Deus, nosso Pai, acolhei as comunidades que compõem a Paróquia de Nossa Senhora do Rosário, que nesta tarde, vêm buscar misericórdia junto de vós. Somos todos vossas criaturas necessitadas de perdão. Perdoai as nossas ofensas como nós queremos perdoar a todos que nos ofenderam. É grande a dívida que temos convosco pelos pecados que fizemos. Mas vosso Filho Jesus nos ensinou que é infinita vossa misericórdia, sem limites vosso amor de Pai. Nós confiamos na vossa bondade. Confiantes na vossa bondade, vos pedimos: fazei o nosso coração semelhante ao coração de vosso Filho, manso, compreensivo, fraterno e sempre voltado para vós. Isso vos pedimos por Jesus, na unidade do Espírito Santo”.
Cada comunidade partiu de sua sede em caminhada pelas ruas da cidade, levando à frente uma cruz com o nome e foram se juntando, uma a uma, no Santuário, de onde caminhamos, já agora conduzidos por uma frente de 10 cruzes, todos juntos à Prainha, rezando e cantando cantos penitenciais. As 10 comunidades, uma a uma, tinham se preparado. Frei Clarêncio dera em cada uma delas uma palestra sobre o significado de um Ano Santo, o significado da Porta Santa, o significado da palavra e do gesto chamado ‘Misericórdia’, o significado da indulgência plenária, concedida pelo Santo Padre. A palestra tinha por objetivo não só instruir, mas também despertar os corações dos paroquianos à reconciliação e à convivência como participantes do Reino de Deus. Num segundo dia, os franciscanos do Santuário foram a cada comunidade ouvir as confissões individuais, fazendo antes um exame de consciência comunitário.
Esse trabalho em cada comunidade ocupou os frades durante todo o mês de agosto. Dia 5 de agosto abríramos as celebrações com a grande romaria noturna e encontro no Campinho. Aquele fogo das velas atravessando a escuridão da mata foi mais que símbolo: ajudou a muita gente a iluminar seu coração e sua vida, sua família e seu trabalho.
As velas tornaram a se acender para a renovação da fé, das promessas batismais e da pertença a uma comunidade. A multidão, ao chegar à Prainha, passara a Porta Santa da Misericórdia, em passo lento, piedoso, arrependido e prenhe de esperança. Agora, no meio da celebração Eucarística, dizia em voz alta, erguendo suas velas acesas: Creio em Jesus Porta-segurança, em Jesus Porta-acolhimento, em Jesus Porta-possibilidade de santificação; Prometo fidelidade, participação, perdão e serviço fraterno.
Ninguém perturbou o povo: os ônibus e carros tinham sido desviados; os vários bares tinham encostado as portas; o vento virou brisa; a ameaça de chuva não aconteceu; os pecados já tinham ficado para trás nas confissões; por sobre todos desceu a graça da bênção, a misericórdia da reconciliação.
O Evangelho da ovelha acarinhada nos ombros retornou no final da missa: com a figura de um pastor, que atravessou a multidão, com uma criança, vestida de ovelha, no colo. E feliz entregou a ovelha nos braços do pároco, pastor de todos, enquanto o povo cantava na melodia do Fabretti: “Tu és, Senhor, o meu pastor, nada na minha vida faltará!”. Para a homilia, Frei Clarêncio escolheu, entre centenas, sete frases do Papa Francisco sobre a misericórdia. A certa altura pediu que dois a dois se voltassem um para o outro, se fixassem nos olhos e se dissessem a frase de Jesus: “Felizes os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia”.
Outro gesto, cheio de sentido e pedagogia, aconteceu no final da renovação do Batismo, quando de novo as pessoas se voltaram uma para a outra, e traçaram o sinal da cruz um na testa do outro e se abraçaram: somos irmãos, filhos do mesmo Pai, unidos pelo abraço do amor. Se alguém naquele momento erguesse os olhos para o céu, que estava estrelado, não teria visto estrelas, por causa das lágrimas que corriam dos olhos.
Valeu. Valeu uma missão popular. Valeu um Ano Santo. No domingo de manhã, antes da missa das 8h, quando o padre chegava à Prainha, em cada ponta das duas cruzes da igreja do Rosário, pousavam seis urubus. O abutre, que come o podre, é símbolo de Jesus Cristo que ‘tira os pecados do mundo’. Nossa podridão foi trocada pela misericórdia. Somos, sim, a Família de Deus.
Frei Clarêncio Neotti, especial para este site