Hoje, Igreja celebra Nossa Senhora das Dores
15/09/2023
Frei Gustavo Medella
O maior medo do ser humano, depois do medo da morte, é o medo da dor. Dor física: um corte, uma picada, uma ardência, uma distenção, uma fratura, uma cárie. Dor que só cessa com analgésico, no caso de ser uma dor comum, ou com morfina, quando é uma dor insuportável. Mas é a dor emocional a mais temível, porque essa não tem medicamento que dê jeito.
O que é mais dolorido, ter o braço quebrado ou o coração? Uma pessoa que foi rejeitada pelo seu amor sofre menos ou mais do que quem levou 20 pontos no supercílio? Dores absolutamente diferentes. Eu acho que dói mais a dor emocional, aquela que sangra por dentro. Qualquer mãe preferiria ter úlcera para o resto da vida do que conviver com o vazio causado pela morte de um filho… (Martha Medeiros – Colunista)
1ª MARIA ACOLHE A PROFECIA DE SIMEÃO
É a Maria das perguntas, da dúvida, do coração inquieto? “O que será que Simeão quis dizer? O que vai ser desse menino? Que espada é essa que vai atravessar meu coração?” São estas perguntas, que ainda hoje fazem eco no seio de nossa sociedade, de nossas famílias, às vezes na porta ao lado… São as perguntas do pai desempregado com filhos para sustentar… Mulher, até quando será que este fubá vai dar? Do sertanejo que espera a chuva pra criação não morrer de sede… A incerteza dói, a insegurança machuca, as dúvidas, quando muitas e intensas, torturam tiram a paz, provocam doenças, até mesmo físicas… É a Nossa Senhora da Preocupação, dos questionamentos guardados qual tesouro precioso no coração… Da mãe que sofre calada ao fazer o meio de campo entre pai e filho que não se dão… Sempre pisando em ovos, sempre colocando panos quentes… Isso cansa, desgasta, tira a alegria de viver… Olhemos com carinho para esta dor de Maria, a dor da dúvida, a dor de não saber o que será do amanhã, o que de fato vai acontecer a seu filho. Repare que mesmo dura e pesada esta dor não fez Maria se desviar da Missão. Ela seguiu em frente, com coragem e força, crendo nas Providência de Deus…
Ando devagar porque já tive pressa
E levo esse sorriso, porque já chorei demais
Hoje me sinto mais forte, mais feliz quem sabe
Eu só levo a certeza de que muito pouco eu sei, eu nada sei
2ª MARIA FOGE COM JOSÉ E JESUS PARA O EGITO
Herodes enfurecido promoveu uma matança. A total ignorância, a cegueira de quem se deixara seduzir pela ganância e pela sede de poder, tudo isso se revelou um poderoso fermento de morte e desgraça para crianças inocentes. Santos Inocentes, rogai por nós. Para salvar o Menino, José e Maria se mandam para o Egito. Tudo no improviso, de repente, sem preparação. É Maria do inesperado, do repentino, do surpreendente, que faz lembrar o slogam de uma Rádio FM que transmite só notícias o dia inteiro: “Em 20 minutos, tudo pode mudar”. É Maria retirante, sem chão, sem referência com saudade da sua terra. É a dor de Maria atualizada no drama dos retirantes, dos atingidos por barragens, dos Sem Terra, Sem trabalho, sem comida, sem saúde, sem dignidade. É Maria mãe, que logo cedo madruga para conseguir uma senha de consulta no postinho para o seu pequeno que passou a madrugada vomitando, e consegue, mas só para o mês que vem… Dói, é duro, é penoso a uma mãe ver seu filho sofrendo, chorando, doente, e ela sem recursos para atendê-lo. É a dor de quem está longe de sua terra e de seu chão e quer voltar, que tem saudade do ar, a água, das palmeiras e do luar…
C Am Dm G
Ó, que saudade do luar da minha terra / Lá na serra branquejando folhas
C G7 A Am Dm
secas pelo chão / Esse luar lá da cidade tão escuro
G C G
Não tem aquela saudade / Do luar do meu sertão
C Am Dm G C G
Não há, ó gente, ó não, luar como esse do sertão. (bis)
3ª MARIA PERDE O MENINO JESUS NO TEMPLO
Perder uma chave, a carteira, o documento, um objeto de estimação, tudo isso já causa muito transtorno. Imagine então perder o filho, não saber onde ele está, como ele está… Quando pequeno quase todo mundo já fez a experiência de se perder do pai e da mãe em um ambiente de grande movimento. É angustiante, dá medo… Tanto para os pais quanto para os filhos. É a correria, busca, aviso no serviço de som… Aqueles poucos minutos parecem horas que não terminam. No decorrer da vida, no passar dos anos, quantas perdas sofremos, o quanto nós vamos deixando para trás. Conhecemos gente que perdeu a alegria de viver… Outros não encontram mais o sentido da vida… Há aqueles ainda que se perderam no desespero de se encontrar e se tornaram vítimas, escravos, do vício das drogas, da bebida, do jogo… No entanto Maria reencontrou Jesus, pois o Filho de Deus sempre se deixa reencontrar. Todos nós, mesmo que nos achemos perdidos, sem rumo, inseguros, podemos e queremos reencontrar o Senhor..
“Confiei no teu amor e voltei. Sim, aqui é meu lugar! Eu gastei teus bens, ó Pai e te dou este pranto em minhas mãos.
4 ª MARIA ENCONTRA SEU FILHO, JESUS, A CAMINHO DO CALVÁRIO
Na estrada do sofrimento, da dor, do dolorido e do doloroso, mãe e Filho se encontram. Não é um encontro banal, do dia a dia, entre dois conhecidos que se esbarram por aí, dão um tapinha nas costas e perguntam: “Tá tudo bem? Tudo… E você? Também…” É um encontro sem frases prontas, no qual o silêncio e o olhar são as melhores formas de comunicação… Conhecendo bem o que significa a figura da mãe, não seria errado imaginar que Maria desejava estar no lugar de seu Filho, assumir em si as dores dele! Maria não sentia as mesmas dores corporais de Jesus, que tinha feridas por todo corpo, a pele rasgada, a cabeça perfurada por inúmeros espinhos duros e afiados… No entanto é difícil fazer ideia do tamanho da dor que aquela mãe trazia no mais profundo do próprio ser… Esta é a dor silenciosa de milhares de pessoas que a trazem no coração. É a dor de quem se lança num trabalho simples, que não dá prestígio, nem ibope, nem voto. O cuidado dos pobres, doentes, famintos, prisioneiros, excluídos de toda sorte. Que aprendamos com Maria a jamais sermos indiferentes ao sofrimento dos nossos irmãos e irmãs, em especial aqueles que o Senhor confia a nossos cuidados.
G A7 D Bm
Confiei no teu amor e voltei,
Em A7 D D7
sim aqui é meu lugar.
G A7 D Bm
Eu gastei teus bens, ó Pai, e Te dou
Em A7 D
este pranto em minhas mãos.
5 ª MARIA, AOS PÉS DA CRUZ, VÊ SE FILHO AGONIZANDO
Jesus se contorcia de dor sobre o madeiro… No peito de Maria, seu coração estava inquieto. A mesma Maria, da fuga para o Egito, a Mãe Admirável, a Mãe Peregrina, que diversas vezes já visitou a sua casa e a de seus vizinhos nas inúmeras capelinhas que circulam por este Brasil, agora, por força da missão, se faz imóvel e contempla o sofrimento de seu Filho. Grande desafio para nós, cristãos e cristãs! Permanecer firmes e não fugir da missão quando o sofrimento bate à porta, mas prosseguir com decisão e coragem, fiel até o fim, mesmo que as dores sejam terríveis. É Maria, a quem Jesus entrega como Filho seu discípulo amado. É o Discípulo amado, a quem Jesus entrega Maria como mãe. É o duplo elo que liga toda a comunidade cristã católica aos laços indissolúveis com a Mãe. Somos por ela cuidados, diarimente, mas também temos para com ela nossos compromissos, na oração fiel e também no serviço desinteressado aos irmãos e às irmãs. Para o filho, para filha, cuidar do pai, cuidar da mãe, não é um favor, mas uma missão, que nos humaniza, que nos torna divinos, éticos, fiéis aos princípios mais puros e belos do que significa ser humano. Dá trabalho, cansa, desgasta, mas vale a pena… Vale a vida… De que adianta ao ser humano ganhar o mundo inteiro, mas perder a própria vida?
“Seu nome é Jesus Cristo e passa fome… E grita pela boca dos famintos. E a gente quando vê passa adiante, à vezes pra chegar depressa à igreja. Entre nós está e não o conhecemos / Entre nós está e nós o desprezamos (bis)”.
6 ª MARIA RECEBE JESUS DESCIDO DA CRUZ
Os braços que se abrem para acolher uma criança de colo, para dar a ela de mamar, para fazê-la dormir, revelam o carinho, o respeito e a ternura de quem fica imaginando o que será daquela criança? É um cenário que permite sonhos, perguntas, planos, projetos. Há um futuro todo pela frente! Os braços que acolhem um corpo sem vida, imóvel, duro, gelado, também são braços de respeito e reverência. Por tudo que aquela história significou, pelo caminho que aquela pessoa trilhou, pela experiência que aquele ser humano construiu. E Maria acolheu Jesus em ambos os momentos. Agora as perguntas são outras, mas ainda há muitas perguntas: Por que tão cedo? Por que com tanta crueldade? Por que ele e não eu? Maria sabe que não há resposta imediata. No entanto, mais uma vez ela faz o que tinha de ser feito. Renova com coragem o seu sim, mesmo sim da Casa de Nazaré, da caminhada decidida em direção à morada de sua prima Isabel, do cântico profético do Magnificat, da intercessão nas Bodas de Caná, da fidelidade no caminho da cruz assumido por seu Filho… Quanto temos a aprender com esta mulher, com a Maria do Sim, do Sim até o final!
“Maria do Sim, ensina-me a viver teu Sim. Ó, roga por mim! Que eu seja fiel até o fim!”
7 ª MARIA DEPOSITA JESUS NO SEPULCRO
Se o grão de trigo cai na terra e não morre, permanece só. Mas se morre, produz muito fruto. Que dura verdade, Maria. Mas que bela esperança nasce desta afirmação de seu Filho! Neste momento celebramos, Maria Agricultora, mulher da terra, que não retém a semente para sim, por mais preciosa que ela lhe seja, mas a planta, a coloca sob a terra, a deposita do sepulcro. Desta semente nasce o fruto da ressurreição, a vida se renova, tudo se transforma, o Reino de Deus vem ao encontro do ser humano. A semana termina no sábado, mas todos sabemos que recomeça no domingo. Início e fim, morte e vida, perdição e salvação, com coragem e não sem dor e sofrimento Jesus resolve nossas contradições, mostra-nos o caminho da realização plena, da felicidade junto a Deus. Maria não se esquiva de nenhuma de suas dores. Faz tudo, suporta tudo, permanece fiel, totalmente fiel, e permanece fiel, a Deus e a nós, como nossa intercessora, nossa companheira, nossa amiga, nossa mãe. É Maria das Dúvidas diante da profecia de Simeão, Maria do Improviso na fuga repentina para o Egito, Maria da Preocupação quando perde seu Menino Jesus, Maria do Silêncio quando encontra seu Filho no Caminho da Cruz, Maria de João quando assume no discípulo amado o cuidado de toda a humanidade, Maria da Força que acolhe o Filho morto nos Braços e Maria agricultora, que planta no seio da terra a Semente mais preciosa que poderia ter existido. Seu próprio Filho… O Filho de Deus….
“Põe a semente na terra, não será em vão! Não te preocupe a colheita, plantas para o irmão!” (bis)
Negar a existência da dor, escondê-la, varrê-la para debaixo do tapete, fingir que a dor não existe, é alienação…
Viver buscando a dor, correndo ao encontro dela, fazendo-se de vítima, sentir prazer na dor, é masoquismo…
Abraçar e assumi-la com fé e esperança por causa de uma missão maior, de um bem eterno, é humano e divino, é cristão…
Ser indiferente à dor do próximo, causar dor ao outro por causa dos próprios interesses é egoísmo…
Fazer o outro sofrer por diversão, Satisfazer-se com a dor do outro, é sadismo.
Ajudar outro a superar e a conviver com a dor, ir ao seu encontro, oferecer-lhe socorro, ser solidário, é humano, é divino é Cristão… Foi assim que Cristo agiu, foi dessa forma que Maria se posicionou e foi desse jeito que São Francisco de Assis e todos os santos e santas vivveram… E é dessde jeito que Deus sonha que cada um de nós vivamos. (Põe a semente na terra…)