Papa na RDCongo: hoje, meu coração está no Leste deste imenso país
01/02/2023
No segundo dia da viagem do Papa Francisco à RDCongo, o Papa encontrou na Nunciatura Apostólica de Kinshasa, (01/02) as vítimas da violência no Leste do país. “O meu coração está hoje no leste deste imenso país, que não terá paz enquanto esta não for alcançada lá, na sua parte oriental”. Assim iniciou seu discurso aos habitantes do Leste da RDCongo esclarecendo em seguida:
“Estou unido convosco. As vossas lágrimas são as minhas lágrimas, a vossa dor é a minha dor. A cada família enlutada ou desalojada por causa de aldeias incendiadas e outros crimes de guerra, aos sobreviventes das violências sexuais, a cada criança e adulto ferido, digo: estou convosco, quero trazer-vos a carícia de Deus”
Amados por Deus
O Papa disse ainda que enquanto os violentos “vos tratam como objetos, o Pai que está nos Céus vê a vossa dignidade e diz a cada um de vós: ‘És precioso aos meus olhos, estimo-te e amo-te’ (Is 43, 4). Irmãos e irmãs, a Igreja está e estará sempre da vossa parte. Deus ama-vos e não Se esqueceu de vós; oxalá se recordem de vós também os homens!”.
Condenação e perdão
“Em nome d’Ele e juntamente com as vítimas e quantos se empenham pela paz, a justiça e a fraternidade”, exortou o Papa, “condeno as violências das armas, os massacres, os estupros, a destruição e ocupação de aldeias que continuam a ser perpetrados na República Democrática do Congo; e também a exploração sangrenta e ilegal da riqueza deste país, bem como as tentativas de dividi-lo para o poder controlar”. E Francisco apela ainda “Volto-me para o Pai que está nos Céus e nos quer ver a todos como irmãos e irmãs na terra, humildemente inclino a cabeça e, com a tristeza no coração, peço-Lhe perdão pela violência do homem sobre o homem”:
“Pai, tende piedade de nós! Consolai as vítimas e quantos sofrem. Convertei os corações de quem pratica tão cruéis atrocidades, que envergonham toda a humanidade. E abri os olhos àqueles que propositadamente os fecham ou passam ao largo para não ver estas abominações”
Os conflitos
Francisco explica que se trata de conflitos que obrigam milhões de pessoas a abandonar suas casas, provocam gravíssimas violações dos direitos humanos, desintegram o tecido socioeconómico, causam feridas difíceis de cicatrizar. São lutas de parte nas quais se entrelaçam dinâmicas étnicas, territoriais e de grupo; conflitos que têm a ver com a posse da terra, a ausência ou debilidade das instituições, ódios nos quais se infiltra, em nome dum falso deus, a blasfémia da violência. “Mas é, sobretudo, a guerra desencadeada por uma insaciável ganância de matérias-primas e de dinheiro, que alimenta uma economia de guerra que exige instabilidade e corrupção. Que escândalo, que hipocrisia: as pessoas são estupradas e assassinadas, enquanto os negócios que provocam violências e mortes continuam a prosperar!”. Prosseguindo com um apelo: “Dirijo um sentido apelo a todas as pessoas, a todas as entidades, internas e externas, responsáveis pela guerra na República Democrática do Congo, saqueando-a, flagelando-a e desestabilizando-a. Enriqueceis-vos mediante a exploração ilegal dos bens deste país e o sacrifício cruento de vítimas inocentes”.
“Basta! Basta de se enriquecer na pele dos mais frágeis, basta de se enriquecer com recursos e dinheiro manchados de sangue!”
Como promover a paz: não à violência, não à resignação
Em seguida o Papa reflete, mas o que fazer, por onde começar… para promover a paz? E sua proposta é de recomeçar com dois “nãos e dois “sins”.
Antes de mais nada, não à violência, sempre e em todo o caso, sem “se” nem “mas”. Amar o próprio povo não significa nutrir ódio contra os outros. Pelo contrário, “amar o próprio país significa recusar a envolver-se com quantos incitam ao uso da força”. “O ódio” explicou o Papa, “só gera mais ódio, e violência outra violência”. Devemos dizer um claro e forte ‘não’ a quem os propaga em nome de Deus.
“Queridos congoleses, não vos deixeis seduzir por pessoas ou grupos que incitam à violência em nome de Deus. Deus é Deus da paz, e não da guerra”
Francisco continuou dizendo que para se dizer “verdadeiramente ‘não’ à violência, não basta evitar atos violentos; é preciso extirpar as raízes da violência: penso na ganância, na inveja e, sobretudo, no rancor”.
Há depois um segundo “não” que devemos dizer: “não à resignação. A paz pede para se combater o desânimo, o desalento e a desconfiança que nos levam a crer que é melhor suspeitar de todos, é melhor viver separados e afastados do que dar as mãos e caminhar juntos. Mais uma vez, em nome de Deus, renovo o convite a quantos vivem na República Democrática do Congo para que não desistam, mas se empenhem por construir um futuro melhor”. “Um futuro de paz não vai cair do céu, mas poderá chegar se se eliminarem dos corações o fatalismo resignado e o medo de se envolver com os outros. Um futuro diferente virá se for de todos e não de um, se for para todos e não contra alguém. Um futuro novo virá se o outro, seja ele tutsi ou hutu, deixar de ser um adversário ou um inimigo, passando a ser um irmão e uma irmã em cujo coração (assim é preciso acreditar) existe, embora oculto, o mesmo desejo de paz. Também no leste, a paz é possível! Acreditemos nisto e trabalhemos sem delegar para outro a mudança!
Os dois “sins”: sim à reconciliação e à esperança
“E eis-nos, finalmente, aos dois ‘sins’ pela paz. Em primeiro lugar, sim à reconciliação. Amigos, é maravilhoso aquilo que estais prestes a fazer. Quereis assumir o compromisso de vos perdoardes mutuamente e de repudiardes as guerras e os conflitos para solucionar as distâncias e as diferenças”.
“O último ‘sim’, decisivo: sim à esperança. Se é possível representar a reconciliação como uma árvore, como uma palmeira que dá fruto, a esperança é a água que a torna mimosa. Esta esperança tem uma fonte, e esta fonte tem um nome, que quero proclamar aqui juntamente convosco: Jesus! Jesus: com Ele, o mal já não tem a última palavra sobre a vida; com Ele, que, dum túmulo – estação final do trajeto humano – fez o início duma nova história, abrem-se sempre novas possibilidades”.
Por fim o Papa quis motivar mais uma vez com a esperança:
“Irmãos, irmãs do Leste do país, esta esperança é para vós; tendes direito a ela. Mas é um direito que também deve ser conquistado. Como? Semeando-a cada dia, com paciência. Volto à imagem da palmeira. Diz um provérbio: ‘Quando comes a tâmara, vês a palmeira, mas quem a plantou, há muito tempo que voltou à terra’. Por outras palavras, para se obter os frutos esperados, é preciso trabalhar com o mesmo espírito dos plantadores de palmeiras, pensando nas gerações futuras e não nos resultados imediatos. Semear o bem faz-nos bem: liberta da lógica estreita do ganho pessoal e dá de prenda a cada dia o seu porquê; traz à vida o respiro da gratuidade e torna-nos mais semelhantes a Deus, semeador paciente que irradia esperança sem nunca Se cansar”.
Fonte: Vatican News (texto de Jane Nogara)
SANTA MISSA:
limpar o coração da ira, dos remorsos, de todo o rancor e ódio
O Papa Francisco celebrou a missa pela paz e a justiça no Aeroporto de N’dolo, em Kinshasa, na República Democrática do Congo, na manhã desta quarta-feira (1°/02), no âmbito de sua 40ª Viagem Apostólica Internacional. Participaram da celebração eucarística cerca de um milhão de fiéis.
Francisco proferiu a palavra Esengo que significa alegria, manifestando a imensa alegria de ver e encontrar os congoleses. “Desejei muito este momento. Obrigado por terdes vindo aqui”, disse ele.
“O Evangelho acaba de nos dizer que também a alegria dos discípulos era grande na tarde de Páscoa, e que esta alegria brotou ao «verem o Senhor». Naquele clima de alegria e maravilha, o Ressuscitado fala aos seus e lhes diz: «A paz esteja convosco!».
Segundo o Papa, “trata-se de uma saudação, mas é mais do que uma saudação: é um dom. Porque a paz, aquela paz anunciada pelos anjos na noite de Belém, aquela paz que Jesus prometeu deixar aos seus, é agora, pela primeira vez, entregue solenemente aos discípulos. Jesus proclama a paz enquanto no coração dos discípulos existem os escombros, anuncia a vida enquanto eles sentem dentro a morte. Assim faz o Senhor: surpreende-nos, estende-nos a mão quando estamos prestes a afundar, levanta-nos quando tocamos o fundo”.
O perdão nasce das feridas
“Irmãos, irmãs, com Jesus o mal nunca triunfa, nunca tem a última palavra. «Com efeito, Ele é a nossa paz», e a sua paz vence. Por isso nós que pertencemos a Jesus, não podemos deixar prevalecer em nós a tristeza, não podemos permitir que se insinuem resignação e fatalismo”, disse ainda o Papa, acrescentando.
Se ao nosso redor se respira este clima, que não seja por nossa causa: num mundo desanimado com a violência e a guerra, os cristãos fazem como Jesus. Ele, como que insistindo, repetiu para os discípulos: A paz esteja convosco! E nós somos chamados a assumir e proclamar ao mundo este inesperado e profético anúncio de paz.
A seguir, Francisco indicou “três nascentes de paz, três fontes para continuar a alimentá-la: o perdão, a comunidade e a missão”. Primeira fonte: o perdão.
“O perdão nasce das feridas. Nasce quando as feridas sofridas não deixam cicatrizes de ódio, mas tornam-se o lugar onde se dá espaço aos outros acolhendo as suas debilidades. Então as fragilidades tornam-se oportunidades, e o perdão torna-se o caminho da paz.”
“Não se trata de esquecer tudo como se nada fosse, mas de abrir aos outros o próprio coração com amor. Irmãos, irmãs, quando a culpa e a tristeza nos oprimem, quando as coisas não correm bem, sabemos para onde olhar: para as chagas de Jesus, pronto a perdoar-nos com o seu amor ferido e infinito”.
“Ele conhece as tuas feridas, conhece as feridas do teu país, do teu povo, da tua terra! São feridas que ardem, continuamente infectadas pelo ódio e a violência, enquanto o remédio da justiça e o bálsamo da esperança parecem nunca mais chegar.”
É isto que Cristo deseja: ungir-nos com o seu perdão, para nos dar a paz e a coragem de por nossa vez perdoar, a coragem de realizar uma grande amnistia do coração. Faz-nos tão bem limpar o coração da ira, dos remorsos, de todo o rancor e ódio! Que seja o momento propício para ti, que, neste país, te dizes cristão e, todavia, praticas a violência; a ti diz o Senhor: «Depõe as armas, abraça a misericórdia».
A humildade é a grandeza do cristão
A seguir, o Papa falou sobre a segunda fonte da paz: a comunidade. “Jesus ressuscitado confia a sua paz à primeira comunidade. Não há cristianismo sem comunidade, tal como não há paz sem fraternidade”, sublinhou. “E qual é o caminho para não cair nas ciladas do poder e do dinheiro, para não ceder às divisões, às lisonjas do carreirismo que corroem a comunidade, às falsas ilusões do prazer e da feitiçaria que nos encerram em nós mesmos?” Perguntou Francisco. A resposta nos é dada através do profeta Isaías, que diz: «Estou com os oprimidos e humilhados, para reanimar o espírito dos humilhados e reanimar o coração dos oprimidos».
“O caminho é partilhar com os pobres: este é o melhor antídoto contra a tentação de nos dividir e mundanizar. Ter a coragem de olhar para os pobres e escutá-los, porque são membros da nossa comunidade, e não estranhos que devem ser abolidos da vista e da consciência.”
Abrir o coração aos outros, em vez de o fechar nos próprios problemas ou nas próprias vaidades. Recomecemos dos pobres e descobriremos que todos compartilhamos a pobreza interior; que todos precisamos do Espírito de Deus para nos libertar do espírito do mundo; que a humildade é a grandeza do cristão, e a fraternidade a sua verdadeira riqueza. Acreditemos na comunidade e, com a ajuda de Deus, edifiquemos uma Igreja vazia de espírito mundano e cheia de Espírito Santo, livre de riquezas para nós mesmos e repleta de amor fraterno!
Somos chamados a ser missionários de paz
Por fim, a terceira fonte da paz: a missão. Jesus diz aos discípulos: «Assim como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós». “Numa palavra, enviou-O para todos: não só para os justos, mas para todos”.
“Irmãos, irmãs, somos chamados a ser missionários de paz, e isto nos encherá de paz. Trata-se duma opção: é dar espaço a todos no coração, é acreditar que as diferenças étnicas, regionais, sociais e religiosas vêm em segundo lugar e não são obstáculo; que os outros são irmãos e irmãs, membros da mesma comunidade humana; que cada um é destinatário da paz trazida ao mundo por Jesus. É acreditar que nós, cristãos, somos chamados a colaborar com todos, a romper a espiral da violência, a desmantelar os enredos do ódio.”
“Enviados por Cristo, os cristãos são chamados, por definição, a ser consciência de paz no mundo: não só consciências críticas, mas sobretudo testemunhas de amor; não pretendentes dos próprios direitos, mas dos do Evangelho, que são a fraternidade, o amor e o perdão; não indivíduos à procura dos próprios interesses, mas missionários daquele amor louco que Deus tem por cada um dos seres humanos”, disse ainda o Papa.
“A paz esteja convosco: diz Jesus hoje a cada família, comunidade, etnia, bairro e cidade deste grande país. A paz esteja convosco: deixemos que ressoem no coração, em silêncio, estas palavras de nosso Senhor. Ouçamo-las dirigidas a nós e escolhamos ser testemunhas de perdão, protagonistas na comunidade, pessoas em missão de paz no mundo”, concluiu Francisco.
Fonte: Vatican News (texto de Mariangela Jaguraba)