"Sintam-se amados por Deus", lembra Frei Estêvão
09/06/2015
Moacir Beggo
Santos (SP) – O nono dia da Trezena de Santo Antônio começou com o momento devocional às 18h30 e, logo em seguida, o Vigário Provincial da Província Franciscana da Imaculada Conceição, Frei Estêvão Ottenbreit, fez uma belíssima reflexão sobre o tema “Santo Antônio e a alegria” durante a Santa Missa no Convento e Santuário do Valongo, que neste ano celebra 375 anos. Frei Rozântimo Costa concelebrou com Frei Estêvão e a Igreja Nossa Senhora de Fátima se encarregou da parte litúrgica deste nono dia.
Frei Estêvão, para desenvolver o seu tema, explicou historicamente que na vida do santo franciscano nada deu certo. Uma afirmação chocante à primeira vista, mas que foi didaticamente e minuciosamente explicada pelo pregador em seguida. Segundo o Vigário Provincial, a alegria em Santo Antônio não é um sorriso “plantado”, mas ela vem do seu interior. “Ela brota do seu amor a Deus. Porque, por mais que tudo desse errado na vida dele, por mais que tivesse que modificar a vida, uma coisa é certa – e acho que isso é que faz com que ele seja tão próximo de nós -, ele nunca renunciou à alegria de sentir-se amado por Deus”, reforçou Frei Estêvão.
Para que se aproveite cada trecho de sua reflexão, apresento na íntegra sua pregação:
Caros irmãos, caras irmãs,
Nesta noite de preparação para a festa de Santo Antônio foi proposto o tema “Santo Antônio e Alegria”. Antes disso, devo contar algumas coisas. Anos atrás, de 1997 até 2003, eu fiz parte do Governo da Ordem dos Frades Menores que está no mundo inteiro e a sede Geral é em Roma.
Então, nessa qualidade, tive a felicidade, ou melhor, a graça, de conhecer muitos países em que vivem os nossos frades espalhados pelo mundo inteiro. Mas não estou aqui para dizer que sou um homem muito viajado. Estou dizendo isso para contar a vocês que, nessas viagens – em qualquer país, China, África, EUA, Brasil, Europa -, o que me chamou a atenção foi que quando se entra numa igreja católica, infalivelmente se encontra uma imagem de Santo Antônio. E eu sempre me perguntei: Mas como é possível que alguém seja venerável – num país, num continente talvez -, no mundo inteiro?! Por mais distante que seja o país, Santo Antônio está presente através de sua imagem e através da devoção de invocar a Deus pedindo a sua intercessão. Não é maravilhoso isso? E realmente, com justiça, a gente faz essa pergunta: o que ele tem de especial? O que tem de mais para ser tão conhecido, e eu diria até para ser tão amado? Eu vi em países muçulmanos gente rezando diante da imagem de Santo Antônio.
Então é maravilhoso constatar isso. Mas essa pergunta continua: por quê? O que ele fez de mais? Aí eu comecei a estudar a fundo toda a vida de Santo Antônio. Eu queria descobrir o porquê desta popularidade de Santo Antônio, desta capacidade de ter uma mensagem para todos os povos, para todas as raças, para todas as línguas. Então, estudando a vida de Santo Antônio, me chamou a atenção uma coisa que vai chocar um pouco vocês. Descobri que na vida de Santo Antônio nada deu certo! Talvez seja um pouco forte essa expressão. Mas na vida de Santo Antônio as coisas nunca andaram como ele queria.
Vejam. O jovem ainda chamando-se Fernando quer se tornar sacerdote. Entrou numa Ordem de Santa Cruz, os Cônegos Agostinianos, estudou, se formou e foi ordenado. Todo mundo estava admirado da sua inteligência, da sua capacidade intelectual. E ele foi transferido para Coimbra, cidade universitária. É o máximo que um jovem poderia almejar! Fama, conhecimento, reconhecimento, e, no entanto, acontece que um belo dia se hospedam no seu mosteiro alguns frades de uma Ordem que estava apenas começando, mas já estava indo, via Portugal, até o Norte da África para anunciar o Evangelho.
Isso já o deixou realmente meio pensativo. Os frades partiram e pouco tempo depois trouxeram de volta os seus restos mortais, pois foram martirizados no Marrocos. Seus irmãos se estabeleceram perto de Coimbra, num pequeno eremitério dedicado a Santo Antão. O cônego Fernando ficou muito impressionado com o testemunho de vida desses missionários e resolveu abandonar tudo para ser também como esses frades que dão a vida em testemunho de sua fé. Então, uma noite ele procura os frades e eles trocam o nome dele de Fernando para Antônio, em referência ao padroeiro daquela capelinha dedicada a Santo Antão.
Frei Antônio quer ser missionário e anunciar o Evangelho na África. Ele parte, mas o navio nunca chega. Novamente seus planos são podados. As águas o levam para a costa da Sicília, hoje Itália. E lá, ele vai ao encontro dos frades na cidade de Assis. Participa de uma reunião anual, conhece a São Francisco e é bem acolhido pelos frades. Mas chega ao fim essa reunião, chamada Capítulo, e todo mundo vai para sua casa. Menos ele que não tem para onde ir. Está sozinho, abandonado, sem saber para onde ir.
Então, um frade o leva para sua casa, perto da cidade de Bolonha. Não sabem o que fazer com ele – talvez nem entendesse a língua -, mas dão a ele um trabalho na cozinha. Um cônego, um professor, um rapaz altamente preparado, intelectual, se sujeita a ser assistente de um cozinheiro por muitos anos.
Um belo dia, os frades são convidados pelo bispo para uma ordenação sacerdotal. Estão convidados os frades franciscanos, mas também os frades dominicanos, altamente preparados e intelectuais. Então, chegou a hora em que o bispo pediu que falasse alguma coisa. Os dominicanos disseram: “Vamos deixar para os franciscanos!” E os franciscanos responderam: “Vamos deixar para os dominicanos, pois são mais preparados”. Nesse jogo de empurra-empurra, acaba para o coitado do Frei Antônio, o auxiliar da cozinha, ter que dizer alguma coisa. Aí se revela toda a sua sabedoria, todo o seu conhecimento da Sagrada Escritura e da Teologia. Isso transforma toda a sua vida. Aí, apreciado como um grande evangelizador, ele vai para o Norte da Itália. Por isso, ele é chamado de Santo Antônio de Pádua, principalmente nos arredores e na região de Pádua, onde desenvolve toda uma obra grandiosa de evangelização. Mas logo, logo, outra coisa acontece na vida de Antônio: ele fica doente. Durante anos, ele sofrerá de uma doença muito grave que dificultará sua atividade evangelizadora. Muito cedo ele vem a falecer.
Como eu disse para vocês, Antônio teve uma vida que praticamente nada deu certo. Aos nossos olhos. Sempre acontecia alguma coisa diferente que o obrigava a modificar sua vida, seus planos.
E agora, vamos chegar aos poucos, ao nosso tema que queremos refletir nessa noite. O que faz com que Santo Antônio – essa é a minha interpretação, não sei se vocês vão aceitar – seja tão próximo de nós? Por que nós o amamos tanto? Por que nós o vemos como nosso irmão, como um de nós? É justamente por isso: porque nossa vida não anda sempre como nós queremos. Quem de nós poderá dizer que tudo que imaginou, que tudo o que planejou, que tudo o que se propôs, conseguiu realizar? Muitas vezes temos que se adaptar, temos que mudar a nossa vida, dar outro rumo a ela, temos que revê-la, refazê-la. Eu acho que é por causa disso que Antônio, que sofreu isso na sua vida, é tão próximo de nós, tão nosso irmão!
Santo Antônio, o Santo da Alegria, não é um santo que mostra os dentes com uma marionete treinada para sorrir o tempo todo, mas tem uma alegria que brota do seu interior, que brota do seu amor a Deus. Porque, por mais que tudo desse errado na vida dele, por mais que tivesse que modificar a vida, uma coisa é certa – e acho que isso é que faz com que ele seja tão próximo de nós -, ele nunca renunciou à alegria de sentir-se amado por Deus.
Essa alegria interior não é teatral, extravagante. Essa alegria interior, essa certeza de estar nas mãos de Deus, essa certeza de ser amado por Deus, essa certeza de ser acolhido e compreendido por Deus, causa essa força que eu chamaria de alegria interior, que faz com que Antônio pudesse enfrentar todas as adversidades de sua vida, que faz com que cada um de nós possa enfrentar as adversidades que a vida nos prepara. Essa alegria quer ser imitada. Essa alegria que brota do coração, que se sente amado por Deus, esta alegria que faz parte da nossa vida e que dá rumo à nossa vida. É justamente por causa disso, meus caros irmãos, e irmãs, que a palavra que mais o Papa Francisco usa na atualidade é a palavra alegria. Ele até escreveu a sua exortação apostólica chamando-a de “Alegria do Evangelho”.
Esta alegria de viver o Evangelho, de sentir-se amado por Deus, esta é a mensagem de Santo Antônio. Vocês nunca verão um sorriso forçado em Santo Antônio. Nunca verão em Santo Antônio uma alegria na base do ‘oba, oba’. Mas se nós olharmos para Santo Antônio, vamos entender, principalmente recordando a sua vida, que esta alegria brota do fundo do coração. De um coração que se sente nas mãos de Deus, que se sente amado por Deus. Essa serenidade com que ele enfrentou a vida, muitas vezes contra as suas ideias, seus planos, e essa grande devoção que temos em Santo Antônio possam nos inspirar também. Que nós também possamos alcançar essa serenidade, essa alegria, essa conversão interior de que Deus nos ama. Isto basta! Neste amor de Deus enfrentar a vida, neste amor de Deus viver a vida, neste amor de Deus partilhar a nossa vida com os nossos irmãos.
O Papa Francisco gosta muito de nos lembrar que essa alegria é fundamental. Eu quero ler um pequeno trecho da sua exortação que se chama “A alegria do Evangelho”, que diz assim: “Um evangelizador não deveria ter constantemente uma cara de funeral. Recuperemos e aumentemos o fervor de espírito, «a suave e reconfortante alegria de evangelizar, mesmo quando for preciso semear com lágrimas! (…) – sim a gente pode continuar alegre mesmo passando por uma tristeza muito grande em nossa vida, porque nunca esquecemos que, no fundo, no fundo, Deus não nos abandona. E o Papa continua dizendo: “E que o mundo do nosso tempo, que procura ora na angústia ora com esperança, possa receber a Boa Nova dos lábios, não de evangelizadores tristes, impacientes ou ansiosos, mas sim de ministros do Evangelho cuja vida irradie fervor, pois foram quem recebeu primeiro em si a alegria de Cristo».
Eu creio que a grande mensagem desta noite do Santo da Alegria, que nós tentamos refletir um pouco, é exatamente essa: sintam-se amados por Deus e não haverá mais motivos de tristeza. Assim seja!