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Caravana alerta para risco do país retornar ao Mapa da Fome

31/07/2018

Entrevistas

O risco iminente de o Brasil retornar ao Mapa da Fome é uma das motivações para a Caravana do Semiárido contra a Fome. A iniciativa tem a organização do movimento Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) e partiu do Sertão de Pernambuco com o objetivo de percorrer cerca de 3000 km nos próximos dias. O Mapa da Fome é um indicador da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) que apresenta os países nos quais mais de 5% da população ingere menos calorias do que o necessário. Desde 2014 o país estava fora destas estatísticas. Nesta entrevista, concedida ao Programa Sala Franciscana, o coordenador executivo da ASA e participante da Caravana do Semiárido contra a fome, Marcos Jacinto, atribui este retrocesso ao desmonte das políticas públicas que vem sendo realizado no Brasil pós-golpe.  

Com que finalidade está sendo realizada a Caravana do Semiárido contra a fome?

Marcos Jacinto – A caravana tem dois objetivos principais: o primeiro deles, anunciar um Semiárido vivo, mostrar para as pessoas de todo o Brasil tudo aquilo que tem sido construído nesta região, em termos de programas, políticas públicas e de ações que foram fundamentais para que hoje o semiárido seja uma região diferente, para que tenha novas perspectivas, para que as pessoas vivam melhor, num espaço onde há vida, e vida em abundância; o segundo objetivo é o de denunciar. Nós temos acompanhado, com muita preocupação, desde o golpe parlamentar-midiático-judiciário de 2016, o desmonte das políticas públicas voltadas para a convivência com o semiárido, para a agricultura familiar, que foram fundamentais para que alcançássemos resultados tão significativos em qualidade de vida, na diminuição da fome, da pobreza e da miséria. Este desmonte nas políticas pode, inclusive, levar o Brasil a voltar ao Mapa da Fome. Uma das maiores conquistas dos últimos anos do país foi ter saído do Mapa da Fome da FAO, no ano de 2014, e agora, com todos estes problemas, o país corre o sério risco de voltar a esta vergonhosa estatística. A caravana é, então, este grande movimento do Semiárido, passando por várias cidades do Brasil para anunciar o que tem sido produzido de positivo, mas também para denunciar este difícil momento pelo qual estamos passando.

A caravana previstas paradas previstas em cidades da Bahia, de Minas Gerais, do Rio de Janeiro, de São Paulo e do Paraná, incluindo uma passagem pela capital, Brasília. Como foi pensado este percurso?

Marcos – O percurso foi pensado para que pudéssemos ter atos dentro da Região do Semiárido, mas também decidimos incluir outras regiões do Brasil, para que um conjunto maior de pessoas pudesse entrar em contato com estas realidades e os desafios que estamos vivendo no Semiárido. A caravana saiu de Caetés, no Sertão de Pernambuco, passou por Feira de Santana, com um grande ato no Semiárido baiano, vai passar por outros estados e a ideia é encerrarmos em Brasília, numa audiência com alguns ministros do Supremo Tribunal Federal, para que possa ser feita a entrega simbólica de um documento do Semiárido, com os avanços, mas também os riscos de retrocesso que este desmonte nas políticas traz consigo.

A que você atribui este desmonte das políticas públicas?

Marcos – Desde que foi dado o golpe no Estado brasileiro, nós temos visto na prática esta realidade de retirada de orçamento público para políticas que inserem os mais pobres. Vemos que este orçamento está sendo redirecionado a outros investimentos que não têm necessariamente a ver com a população que mais necessita, com a população empobrecida. Começou já com a aprovação da chamada “PEC da Morte”, que congela por 20 anos o gasto com Educação, Saúde e Segurança Pública; tivemos também a Reforma Trabalhista, que retira direitos historicamente conquistados, que precariza o trabalho e, fora isso, uma série de outras questões como os orçamentos do Programa “Água para todos”, fundamental para o Semiárido, da construção de tecnologias sociais de captação e armazenamento de água da chuva. Há ainda a redução quase total do programa de aquisição de alimentos e do “Programa Nacional de Alimentação Escolar”; e a redução do investimento em programas que favorecem a agricultura familiar. Resumindo, houve uma mudança da lógica do país em prejuízo das pessoas mais pobres. Em vez de caminharmos para frente na inclusão dos pobres, o Brasil agora está na contramão desta história. É este o recado que a caravana tem deixado por onde passa e é isso que precisamos fazer com que a sociedade brasileira como um todo entenda e venha para a luta com os movimentos e as organizações sociais.

Por onde passa a solução para estes graves problemas que o Brasil enfrenta hoje?

Marcos – É importante considerar que a mudança está no meio de nós.  A mudança está com o povo, e nós temos acompanhado, de forma muito positiva, alguns sinais de que o povo quer a garantia de seus direitos, quer um Brasil que caminhe para frente, construindo políticas que realmente interfiram positivamente na vida das pessoas. Nós estamos passando por um momento conjuntural muito difícil, em que todos os indicadores apontam retrocessos.  E nós acreditamos que ações como esta da caravana, mobilizações, a participação social, ações estratégicas em que o povo se organiza e debate, tudo isso fortalece a luta, nos anima e nos alimenta na caminhada do dia a dia para que possamos ir em busca das transformações que são necessárias.

Apresente em linhas gerais o trabalho da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA)

Marcos – A ASA é uma organização social, um grupo formado por diversas organizações que atuam no campo popular, no campo social, de toda a região do Semiárido brasileiro. Trabalhamos na perspectiva de elaboração e implementação de programas e políticas públicas visando a convivência com o semiárido. Esta região é conhecida como “Região da seca”. E aí houve investimento, sobretudo público, no ponto de vista do combate à seca. Nós, da ASA, no entanto, acreditamos que a seca sempre existiu e existirá enquanto fenômeno natural de regiões como a nossa, mas entendemos que a fome e a inexistência de políticas públicas não são fenômenos naturais, mas políticos e sociais, e precisam ser transformados. Da mesma forma nós entendemos que, por não ser possível combater a seca, é importante que se aprenda a conviver com ela, olhando para esta região com outro olhar, identificando seus desafios, mas sobretudo suas potencialidades para que, a partir do modo de vida e das experiências das pessoas que aqui vivem, nós possamos implementar ações, programas e políticas que de fato dialoguem com esta realidade, para que as pessoas sejam felizes e construam suas vidas na região de origem delas. A partir desta ideia, a ASA trabalha com um programa de formação e mobilização social para a convivência com o semiárido. Este programa se divide em quatro grandes ações: 1) Construção de cisternas de placas de cimento para captação de água da chuva para consumo humano, com capacidade de armazenamento de até 16 mil litros de água; 2) Programa “Uma terra e duas águas”, com a captação de água da chuva para a produção de alimentos; 3) Água do Saber, com ações junto às escolas; e 4) Sementes do Semiárido, relacionada ao manejo das sementes crioulas.

Para conhecer mais sobre o trabalho da ASA, acesse http://www.asabrasil.org.br/

Entrevista concedida a Frei Gustavo Medella