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Tragédia nacional: Brasil mata sua população

25/06/2018

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                                                                                                                                                  Imagem ilustrativa (fonte: Canva)

Érika Augusto

São Paulo (SP) – Para Samira Bueno, diretora- executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), os dados de homicídios divulgados no Atlas da Violência indicam uma tragédia nacional. Segundo o relatório, em 2016 o Brasil atingiu a marca histórica de 62.517 homicídios no país, o que equivale a uma taxa de 30,3 mortes a cada 100 mil habitantes. Outro dado preocupante é o número de jovens assassinados: 33.590 homicídios de brasileiros entre 15 e 29 anos.

O Atlas da Violência é uma publicação do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do FBSP. Ele foi divulgado no mês de junho e traz informações a respeito dos homicídios no país. A diretora-executiva do FBSP assinala que os números colocam o Brasil entre os países mais violentos do mundo. “Esta taxa coloca o Brasil no triste ranking das dez nações mais violentas do mundo, mas é aquela que concentra o maior número absoluto de assassinatos em todo o planeta. O que mostra a gravidade dessa violência e de como isso é uma tragédia nacional”, lamenta.

Os dados revelam ainda o aumento da violência nas regiões Norte e Nordeste do Brasil, onde estão os sete estados com maiores taxas de homicídio por 100 mil habitantes: Sergipe (64,7), Alagoas (54,2), Rio Grande do Norte (53,4), Pará (50,8), Amapá (48,7), Pernambuco (47,3) e Bahia (46,9). Em alguns destes estados houve aumento de mais de 100% nos últimos 10 anos, de 2006 a 2016, como é o caso do Rio Grande do Norte (256,9%), Sergipe (121,1%), Maranhão (121,0%) e Tocantins (119,0%).

Já nos estados das regiões Sul e Sudeste houve uma diminuição nos casos de homicídio. É o caso de São Paulo (-46,7%), Espírito Santo (-37,2%) e Rio de Janeiro (-23,4%). No entanto, em alguns municípios destes estados, a violência aumentou.

Segundo a professora Adelaide Albergaria, coordenadora do curso de Direito da Universidade São Francisco (USF), há uma discrepância nos dados destes estados com redução no número de homicídios. É o caso de Caraguatatuba, cidade do litoral de São Paulo, que tem uma taxa de 36,6% dos casos de assassinatos do país para cada 100 mil habitantes, sendo o município mais violento do estado e um dos mais violentos do país. “O estado de São Paulo, como um dos estados mais ricos da Federação, nos traz uma realidade discrepante em relação à violência. E isso é o retrato do que acontece em todo Brasil”, afirma a docente.

Um dos fatores que contribuem para o aumento da violência no país é a questão da desigualdade social. “Ao redor do mundo há uma série de exemplos que mostram que lugares mais desiguais tendem a ser mais atingidos pela violência. A América Latina concentra hoje os países com maior índice de homicídio, incluindo o Brasil, que é campeão em números absolutos”, explica Dandara Tinoco, assessora de Comunicação e Pesquisa do Instituto Igarapé, do Rio de Janeiro.

Segundo ela, as altas taxas de homicídio são explicadas por uma combinação de fatores, como por exemplo o processo de urbanização acelerado e desorganizado, a baixa regulação de armas de fogo e a fragilidade no sistema de justiça criminal. “Esses fatores combinados acabam levando a esta situação inaceitável que é demonstrada pelo Atlas da Violência”, acrescenta a assessora.

A “juventude perdida”

Nos dados apresentados pelo Atlas da Violência, destaca-se o aumento da violência contra os jovens. “A vitimização por homicídio de jovens (15 a 29 anos) no país é fenômeno denunciado ao longo das últimas décadas, mas que permanece sem a devida resposta em termos de políticas públicas que efetivamente venham a enfrentar o problema. Os dados de 2016 indicam o agravamento do quadro em boa parte do país: os jovens, sobretudo os homens, seguem prematuramente perdendo as suas vidas”, afirma o relatório.

Em 2016, 33.590 jovens entre 15 e 29 anos foram assassinados, o que corresponde a mais da metade dos casos, um aumento de 7,4% em relação a 2015. Destas vítimas, 94,6% são do sexo masculino. A taxa média do país é de 65,5 jovens mortos por grupo de 100 mil. Quando este comparativo é feito para jovens do sexo masculino, a taxa cresce para 122,6 jovens mortos a cada 100 mil.

“Enquanto nós temos uma taxa de mortalidade cada vez mais decrescente em relação à população em geral, é impressionante que a taxa de vitimização dos jovens aumente. É um contrassenso em relação ao que se espera das políticas públicas”, afirma o professor Sergio Luís Braghini, coordenador da pós-graduação em Psicossociologia da Juventude e Políticas Públicas da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP). Para ele, o título dado ao capítulo do Atlas da Violência, “Juventude perdida”, é um fator que causa tristeza. “Eu entendo a gravidade do fato, mas é um título que me deixa entristecido. São jovens que não temos mais como propiciar um mundo diferente”, lamenta.

O docente destaca o Estatuto da Juventude, criado em 2013, como uma forma de propiciar uma melhora a este atendimento. “Se pudéssemos colocar em prática o que foi pensado pelo Estatuto da Juventude, nós estaríamos dando um grande passo, a médio e longo prazo. Ao congelar os investimentos públicos pelos próximos 20 anos, condena-se uma geração de jovens, e isto é muito preocupante”, afirma, citando o novo Regime Fiscal, aprovado em 2016, que congela os gastos do Governo pelos próximos 20 anos.

“É necessário que os governantes pensem na juventude como uma porta para o futuro. Uma realidade para qual todos os órgãos da sociedade deveriam estar voltados, o Estado, as instituições. Mas um olhar de aposta, não um olhar de juventude perdida”, acrescenta Sergio Braghini.

Violência contra os negros e mulheres

Outros grupos que sofreram com o aumento no número de homicídios foram os negros e as mulheres. “Uma das principais facetas da desigualdade racial no Brasil é a forte concentração de homicídios na população negra. Quando calculadas dentro de grupos populacionais de negros (pretos e pardos) e não negros (brancos, amarelos e indígenas), as taxas de homicídio revelam a magnitude da desigualdade. É como se, em relação à violência letal, negros e não negros vivessem em países completamente distintos. Em 2016, por exemplo, a taxa de homicídios de negros foi duas vezes e meia superior à de não negros (16,0% contra 40,2%).”, afirma o relatório.

Para a diretora-executiva do FBSP, Samira Bueno, os índices apontam a necessidade de investimento em políticas públicas específicas. “Isso demonstra que precisamos pensar cada vez mais em políticas públicas de redução da violência que sejam focalizadas nos grupos de maior risco, jovens e negros. Isso não significa que as mulheres estejam fora deste grupo de risco. Embora a maior parte das vítimas de violência letal no Brasil sejam homens, essa desigualdade racial também se verifica na mortalidade de mulheres. Mulheres negras têm uma taxa de mortalidade superior a de mulheres não negras, duas vezes e meio maior”, explica. O Atlas da Violência aponta que a taxa de homicídios de mulheres negras foi 71% superior à de mulheres não negras.

Entre os 62.517 homicídios no país em 2016, 4.645 vítimas são mulheres, uma taxa de 4,5 homicídios para cada 100 mil mulheres. O relatório destaca que muitas destas vítimas fatais já sofreram algum tipo de violência anterior. Por isso, é necessário investimento público com relação à conscientização e apoio às mulheres que sofrem violência doméstica. “A rede de atendimento deve garantir o acompanhamento às vítimas e empenhar um papel importante na prevenção da violência contra a mulher. Além de ser assistida pelo sistema de justiça criminal, a mulher deve ter acesso à rede também por meio do sistema de saúde, já que em muitos casos as mulheres passam várias vezes por esse sistema antes de chegarem a uma delegacia ou a um juizado”, afirma o relatório.

Outro fator preocupante é o número de estupros no país. Em 2016, 49.497 casos de estupros foram contabilizados. Entre as vítimas, 68% são menores de idade. Um terço dos agressores das crianças até 13 anos são amigos e conhecidos das vítimas e 30% são familiares próximos como pais, mães, padrastos e irmãos. Outro dado preocupante, que exige um olhar atento da sociedade e das instituições.

Infográfico do Atlas da Violência 2018

Infográfico publicado no Jornal Grande Bahia